segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Oxum

I

ITAN TI ÒSÚN

Contam os Alo, que Oxun era apetebi de Ifá, o poderoso Deus adivinho, que tantas coisas prediz; todas as pessoas que vinham consultar Ifá pediam à Oxun para que lhe tirasse a sorte. Um dia Oxun, chorosa, queixou-se à Ifá que estava triste por não saber jogar. Suplicou-lhe que lhe ensinasse aquela arte.

Ifá atendeu e deu-lhe dezesseis coquinhos de nozes, preparando-os e pedindo a Exú, que respondesse às perguntas por feitas por Oxun. Exú atendeu, porem de má vontade por não ter gostado de ver Oxun adivinhando. Esta é a razão pela qual as filhas de Oxun são perseguidas por Exú.

II

Conta a lenda que Oxalá, numa de suas caminhadas pelo mundo, iria passar pela aldeia de Oxun, onde pretendia parar e descansar.

Exú, mensageiro dos orixás, correu para avisar Oxun que o grande orixá fun-fun estava a caminho de sua cidade. Era preciso organizar uma grande recepção, pois a visita era muito importante para todos. Ela, então, apressou-se com os preparativos da festa, ordenando a limpeza de todas as casas e lugares públicos da aldeia, bem como que os enfeites utilizados fossem da cor branca. Oxun cuidou pessoalmente da ornamentação e limpeza de seu palácio, pois tudo tinha que estar perfeito, à altura de Oxalá.

Com tantos afazeres importantes, em tão curto espaço de tempo, Oxun não se lembrou de convidar as Iya-mi para a grande festa.

As feiticeiras não perdoaram essa desfeita. Sentindo-se muito desprestigiadas, resolveram desmoralizar Oxun perante os convidados.

No dia da chegada de Oxalá à cidade, Oxorongá entrou disfarçada no palácio para colocar, no assento do trono da Oxun, um preparado mágico, que não fora notado por ninguém.

Toda a cidade estava impecavelmente limpa e ornamentada. O palácio de Oxun, que fora caprichosamente preparado, tinha seus móveis e utensílios cobertos por tecidos de uma alvura imaculada. Branca também seria a cor das roupas utilizadas na cerimônia.

Oxalá finalmente chegou, sendo respeitosamente reverenciado numa grande demonstração de fé e admiração ao grande mensageiro da paz.

Oxun, sentada em seu trono, esperava com impaciência a entrada de Oxalá em seu palácio, quando iria oferecer-lhe seu próprio assento. Mas, ao tentar levantar-se, percebeu que estava presa em sua cadeira e, por mais força que fizesse, não conseguia soltar-se. O esforço que empreendeu foi tão grande, que, mesmo ferida, conseguiu ficar em pé, mas uma poça de sangue havia manchado suas roupas e também sua cadeira.

Quando Oxalá viu aquele sangue vermelho no trono em que se sentaria, ficou tão contrariado, que saiu imediatamente do recinto, sentindo-se muito ofendido.

Oxun, envergonhada com o acontecido, não conseguia entender porque havia ficado presa em sua própria cadeira, uma vez que ela mesma tinha cuidado de todos os preparativos.

Escondendo-se de todos, foi consultar o oráculo de Ifá para obter um conselho. O jogo, então, lhe revelou que Oxorongá havia colocado feitiço em seu assento, por não ter sido convidada.

Exú, a pedido de Oxun, foi em busca do grande pai, para relatar-lhe o ocorrido.

Oxalá retornou ao palácio, onde a grande mãe das águas estava sentada de cabeça baixa, muito constrangida. Quando ela o viu, começou a abanar seu abebe, transformando o sangue de suas roupas em penas vermelhas, que, ao voar, caíram sobre a cabeça de todos os que ali estavam, inclusive a de Oxalá. Em reconhecimento ao esforço que ela empreendeu para homenageá-lo, ele aceitou aquela pena vermelha (ekodide), prostrando-se à sua frente, em sinal de agradecimento.

A partir de então, essa pena foi introduzida nos rituais de feitura do Candomblé.

III

O Rio Oxum passa em um lugar onde suas águas são sempre abundantes. Por esta razão é que Larô, o primeiro rei deste lugar, aí instalou-se e fez um pacto de aliança com Oxum. Na época em que chegou, uma de suas filhas fôra se banhar. O rio a engoliu sob as águas. Ela só saiu no dia seguinte, soberbamente vestida, e declarou que Oxum a havia bem acolhido no fundo do rio.

Larô, para mostrar sua gratidão, veio trazer-lhe oferendas. Numerosos peixes, mensageiros da divindade, vieram comer, em sinal de aceitação, os alimentos jogados nas águas. Um grande peixe chegou nadando nas proximidades do lugar onde estava Larô. O peixe cuspiu água, que Larô recolheu numa cabaça e bebeu, fazendo, assim, um pacto com o rio. Em seguida ele estendeu suas mãos sobre a água e o grande peixe saltou sobre ela.

Isto é dito em iorubá: Atewo gba ejá. O que deu origem a Ataojá, título dos reis do lugar.

Ataojá declarou então: "Oxum gbô!"

"Oxum esta em estado de maturidade, suas águas são abundantes."

Dando origem ao nome da cidade de Oxogbô. Todos os anos faz-se, aí, grandes festas em comemoração a todos estes acontecimentos.

IV

Orê Yeyê ô!

Oxum era muito bonita, dengosa e vaidosa. Como o são, geralmente, as belas mulheres. Ela gostava de panos vistosos, marrafas de tartaruga e tinha, sobretudo, uma grande paixão pelas jóias de cobre. Este metal era muito precioso, antigamente, na terra dos iorubás. Se uma mulher era elegante, possuía jóias de cobre pesadas. Oxum era cliente dos comerciantes de cobre.

Omiro wanran wanran wanran omi ro!

"A água corre fazendo o ruído dos braceletes de Oxum!"

Oxum lavava suas jóias, antes mesmo de lavar suas crianças. Mas tem, entretanto, a reputação de ser uma boa mãe e atende às súplicas das mulheres que desejam ter filhos. Oxum foi a segunda mulher de Xangô. A primeira chamava-se Oiá-Iansã e a terceira Obá.

Oxum tem o humor caprichoso e mutável. Alguns dias, suas águas correm aprazíveis e calmas, elas deslizam com graça, frescas e límpidas, entre margens cobertas de brilhante vegetação. Numerosos vãos permitem atravessar de um lado a outro.

Outras vezes suas águas, tumultuadas, passam estrondando, cheias de correntezas e torvelinhos, transbordando e inundando campos e florestas. Ninguém poderia atravessar de uma margem à outra, pois ponte nenhuma as ligava. Oxum não toleraria uma tal ousadia! Quando ela está em fúria, ela leva para longe e destrói as canoas que tentam atravessar o rio.

Olowu, o rei de Owu, seguido de seu exército, ia para a gerra. Por infelicidade, tinha que atravessar o rio num dia em que este estava encolerizado. Olowu fez a Oxum uma promessa solene, entretanto, mal formulada.

Ele declarou: " Se voce baixar o nível de suas águas, para que eu possa atravessar e seguir para a guerra, e se eu voltar vencedor, prometo a você nkan rere", isto é, boas coias.

Oxum compreendeu que ele falava de sua mulher, Nkan, filha do rei de Ibadan. Ela Baixou o nível das águas e Olowu continuou sua expedição.

Quando ele voltou, algum tempo depois, vitorioso e com um espólio considerável, novamente encontrou Oxum com o humor perturbado. O rio estava turbulento e com suas águas agitadas. Olowu mandou jogar sobre as vagas toda sorte de boas coisas, as nkan rere prometidas: tecidos, búzios, bois, galinhas e escravos. Mel de abelhas e pratos de mulukun, iguaria onde suavemente misturam-se cebolas, feijão fradinho, sal e camarões. Mas Oxum devolveu todas estas coisas boas sobre as margens. Era Nkan, a mulher de Olowu, que ela exigia. Olowu foi obrigado a submeter-se e jogar nas águas a sua mulher. Nkan estava grávida e a criança nasceu no fundo do rio.

Oxum, escrupulosamente, devolveu o recém-nascido dizendo: "É Nkan que me foi solenemente prometida e não a criança. Tome-a!". As águas baixaram e Olowu voltou tristemente para sua terra.

O rei de Ibadan, sabendo do fim trágico de sua filha, indignado declarou: "Não foi para que ela servisse de oferenda a um rio que eu a dei em casamento a Olowu!" Ele guerreou com o genro e o expulsou do país.

V

Certa vez, numa festa de Oxalá, as sacerdotisas dos vários orixás, com inveja da de Oxum, puseram-lhe um feitiço: quando todos se levantaram para saudar Oxalá, ela ficou presa na cadeira e suas roupas ficaram sujas de sangue. Todos riram e Oxalá ficou zangado. A sacerdotisa, envergonhada, tentou se esconder, mas nenhum orixá lhe abriu a porta. Só Oxum a recebeu e transformou as gotas de sangue em penas de papagaio. Sabendo dessa magia, os outros orixás vieram prestar homenagem a Oxum e Oxalá lhe deu a proteção das filhas de santo, que durante a iniciação passaram a usar uma pena vermelha na testa.

VI

Houve um tempo em que os orixás masculinos se reuniam para discutir sobre a vida dos mortais e não deixavam as deusas participarem das decisões. Aborrecida com isso, Oxum fez com que as mulheres ficassem estéreis e então tudo deu errado na terra. Os orixás foram consultar Olorum e ele explicou que sem a presença de Oxum com seu poder sobre a maternidade, nada poderia dar certo. Os orixás, então, convidaram Oxum para participar das reuniões: as mulheres voltaram a ser fecundas e todos os projetos dos orixás tiveram bom resultado.

VII

Quando Xangô se apaixonou por Oxum, ela o recusou; então ele tentou violentá-la. Foi impedido por Exu, que os separou, dizendo que eles só poderiam se unir se ela o aceitasse livremente. Zangado, Xangô trancou Oxum numa torre muito alta, dizendo que só a soltaria quando ela o aceitasse. Oxum chorou muito; então Exu passou e perguntou o que acontecera. Sabendo da história, foi correndo levar seu pedido de socorro a Olorum. Este soprou em Oxum um pó que a transformou em pomba; assim, ela pôde voar e sair da torre pela janela.

VIII

Conta uma lenda que Oxum ficou ofendida quando os orixás masculinos proibiram as femininas de participar com eles das festas que os homens lhes ofereciam. Oxum castigou-os, deixando o mundo sem fertilidade, nada do que se plantava crescia e as mulheres não tinham filhos. Os homens fizeram muitas ofertas aos orixás pedindo socorro. Como nada melhorava, eles comelaram a desacreditar dos poderes dos orixás. Estes, então, mandaram Exu como mensageiro para dizer a Oxum que ela poderia ficar de novo entre eles. Oxum respondeu que se eles a queriam, teriam que ir até ela, pois Oxum é rainha, não precisa de ir atrás de ninguém. Foi assim que os orixás tiveram que se render ao poder de Oxum.

IX

Uma jovem muito pobre, conhecida pelo nome de Iyalode, era muito astuta e ambiciosa, o que a tornava perigosa.

Pretendendo melhorar sua situação, Iyalode foi consultar Ifá, na esperança de receber as orientações necessárias. No decorrer da consulta, surgiu o Odu Oshe Meji, que prescreveu um sacrifício que Iyalode tratou logo de oferecer.

No dia seguinte, quando passava pela porta do palácio do rei Oba Nla, a jovem foi acometida de uma fúria inexplicável e pôs-se, em altos brandos, a culpar o rei pela situação de miséria em que vivia.

"O rei é um perverso insensível." gritava a jovem, "tem o que deseja e por isso não se incomoda com a miséria de seus súditos!". As pessoas que passavam, ao ouvirem as acusações feitas pela jovem, tomaram partidos diferentes, alguns achando que ela estava coberta de razão, enquanto outros defendiam Oba Nla, por conhecerem sua bondade e senso de justiça.

Ao ser informado do que estava ocorrendo, o rei ordenou que a moça fosse imediatamente conduzida a sua presença, para um entendimento pessoal.

Frente a frente com o rei, Iyalode relatou suas desditas, chorou suas magoas e falou de seus sonhos de jovem. Impressionado com a coragem da moça e com a sinceridade que marcava o seu caráter, Oba Nla, mandou que lhe fosse dado um aposento no palácio, onde a partir de então, a jovem passou a residir cercada de todo o luxo e conforto que sempre desejou desfrutar, ficando desde então, encarregada de todo o ouro que pertence a Oba Nla.

X

Oxum, filha de Oorum com Aorum, com sua sagacidade não media esforços para conquistar o que desejava. Valendo-se de sua sensualidade e astúcia, ludibriou Elegbará (Eshu), para ficar com seu ouro; foi capaz de enganar Obá, a fim de gozar exclusivamente do amor de Xangô.

Com seu maravilhoso coração sempre pronto a ajudar e agradar, ela não abandonou Nanã que foi banida do reino, conquistou a simpatia de Omulu, deu água a Oxalá em seu leito de morte, presenteou Ewá com a gruta e auxiliou Oxóssi, seu grande amor, a criar Logum Edé.

Protectora dos fetos, recém-nascidos, ginecologista, obstectra, comunicadores, pessoas ligadas à beleza estética e todos os médiuns.

XI

Conta-nos uma lenda, que Òsùn queria muito aprender os segredos e mistérios da arte da adivinhação, para tanto, foi procurar Èsù, para aprender os princípios de tal dom.

Èsù, muito matreiro, falou à Òsùn que lhe ensinaria os segredos da adivinhação, mas para tanto, ficaria Òsùn sobre os domínios de Èsù durante sete anos, passando, lavando e arrumando a casa do mesmo, entroca ele a ensinaria.

E, assim foi feito, durante sete anos Òsùn foi aprendendo a arte da adivinhação que Èsù lhe ensinará e consequentemente, cumprindo seu acordo de ajudar nos afazeres domésticos na casa de Èsù.

Findando os sete anos, Òsùn e Èsù, tinham se apegado bastante pela convivência em comum, e Òsùn resolveu ficar em companhia desse Òrìsà.

Em um belo dia, Sàngó que passava pelas propriedades de Èsù, avistou aquela linda donzela que penteava seus lindos cabelos a margem de um rio e de pronto agrado, foi declarar sua grande admiração para com Òsùn.

Foi-se a tal ponto que Sàngó, viu-se completamente apaixonado por aquela linda mulher, e perguntou se não gostaria de morar em sua companhia em seu lindo castelo na cidade de Oyó ? Òsùn rejeitou o convite, pois lhe fazia muito bem a companhia de Èsù.

Sàngó então irado por ter sido contrariado, sequestrou Òsùn e levou-a em sua companhia, aprisionando-a na masmorra de seu castelo.

Èsù, logo de imediato sentiu a falta de sua companheira e saiu a procurar, por todas as regiões, pelos quatro cantos do mundo sua doce pupila de anos de convivência.

Chegando nas terras de Sàngó, Èsù foi surpreendido por um canto triste e melancólico que vinha da direcção do palácio do Rei de Oyó, da mais alta torre. Lá estava Òsùn, triste e a chorar por sua prisão e permanência na cidade do Rei.

Èsù, esperto e matreiro, procurou a ajuda de Òrùnmílá, que de pronto agrado lhe cedeu uma poção de transformação para Òsùn desvencilhar-se dos domínios de Sàngó.

Èsù, através da magia pode fazer chegar as mãos de sua companheira a tal poção.

Òsùn tomou de um só gole a poção mágica e transformou-se em uma linda pomba dourada, que voou e pode então retornar em companhia de Èsù para sua morada.

XII

Diz o mito que Oxum era a mais bela e amada filha de Oxalá. Dona de beleza e meiguice sem iguais, a todos seduzia pela graça e inteligência. Oxum era também extremamente curiosa e apaixonada. E quando certa vez se apaixonou por um dos orixás, quis aprender com Orunmilá, o melhor amigo de seu pai, a ver o futuro. Como o cargo de oluô (dono do segredo) não podia ser ocupado por uma mulher, Orunmilá, já velho, recusou-se a ensinar o que sabia a Oxum.

Oxum então seduziu Exu, que não pôde resistir ai encanto de sua beleza e pediu-lhe roubasse o jogo de ikin (cascas de coco de dendezeiro) de Orunmilá. Para assegurar seu empreendimento Oxum partiu para a floresta em busca das Iyami Oshorongá, as perigosas feiticeiras africanas, a fim pedir também a elas que a ensinassem a ver o futuro. Como as Iyami desejavam provocar Exu há tempos, não ensinaram Oxum a ver o futuro, pois sabiam que Exu já havia roubado os segredos de Orunmilá, mas a fazer inúmeros feitiços em troca de que a cada um deles elas recebessem sua parte.

Tendo Exu conseguido roubar os segredos de Orunmilá, o deus da adivinhação se viu obrigado a partilhar com Oxum os segredos do oráculo e lhe entregou os 16 búzios com que até hoje as mulheres jogam. Oxum representa, assim a sabedoria e o poder feminino.

Em agradecimento a Exu, Oxum deu a Exu a honra de ser o primeiro orixá a ser louvado no jogo de búzios, e entrega a eles suas palavras para que as traga aos sacerdotes. Assim, Oxum é também a força da vidência feminina.

Mais tarde, Oxum encontrou Oxóssi na mata e apaixonou-se por ele. A água dos rios e floresta tiveram então um filho, chamado Logun-Edé, a criança mais linda, inteligente e rica que já existiu.

Apesar do seu amor por Oxóssi, numa das longas ausências destes Oxum foi seduzida pela beleza, os presentes (Oxum adora presentes) e o poder de Xangô, irmão de Oxóssi, rompendo sua união com o deus da floresta e da caça. Como Xangô não aceitasse Logun-Edé em seu palácio, Oxum abandonou seu filho, usando como pretexto a curiosidade do menino, que um dia foi vê-la banhar-se no rio. Oxum pretendia abandoná-lo sozinho na floresta, mas o menino se esconde sob a saia de Iansã a deusa dos raios que estava por perto. Oxum deu então seu filho a Iansã e partiu com Xangô tornando-se, a partir de então, sua esposa predilecta e companheira quotidiana.

XIII

CONTOS

A Grande Festa

De tempos em tempos, todas as tribos dos orixás se reuniam, para fazer a troca de energia entre eles. Eleg, como era muito exibido, achou por bem levar sua última descoberta, para mostrá-la a todos.

Oxóssi, o grande caçador, trouxe um grande animal de infinita beleza, para alimentar a todos, ofertou frutas e legumes em enormes alguidares. Ogun mostrou a todos a nova arma que forjara e logo tratou de abater o bicho trazido pelo caçador. Obá e Oxum, que sempre colocavam à prova suas habilidades culinárias, ofereciam as mais diversas iguarias. Omulu, com toda sua humildade, contou sobre as novas doenças que conheceu em suas últimas andanças. Ossayn, do meio da mata, ensinou sobre novas ervas de cura. Cada orixá tinha uma novidade para oferecer aos outros.

A certa altura da festa, o Eleg tirou de seu axó um objecto que parecia ter luz própria e ergueu-o sobre sua cabeça, neste momento Ogum e Oxalá pararam de falar, Oxóssi fez calar os atabaques, Iansã, Yemanjá e Oxum pararam de dançar, Xangô, Obá e Omulu deixaram de comer, Nanã, Oxumaré e Ewá abandonaram suas tendas, todos deixaram o que estavam fazendo para admirarem o maravilhoso artefato.

Percebendo a estupefação de todos os orixás e suas tribos frente a sua descoberta, Eleg encheu-se de satisfação e desfilou entre os presentes, para que todos pudessem ver de perto a esfera dourada, sem deixar ninguém tocá-la. A cada comentário, a cada sussurro de surpresa, ele girava num pé só e delirava, a energia que sentia em seu corpo podia fazê-lo levitar.

- Vejam - sussurravam alguns presentes - Eleg pegou um pedaço de Oorum!

- Que objecto maravilhoso! Diziam os mais estupefactos - que provas teve ele que vencer para conseguir tal artefacto?

Esses eram alguns dos comentários que corriam entre os mais entusiasmados. Como ele tinha os ouvidos apurados, gostou da idéia, viu nisto uma forma de aumentar sua glória. Frente aos ansiosos pedidos de lhes revelar o que ele havia feito para obter a esfera dourada ele disse com soberba.

- Cansado de explorar a Terra, que parece já não ter mistérios que alimentem minha ânsia do saber, descobri um modo de ir a outros lugares do universo (mentira), perambulando pelos astros passei pelo Oorum, de onde tive a idéia de tirar este pedaço do astro rei, para provar a minha bravura.

Depois do instante de silêncio que sucedeu à narrativa, um alarido tomou conta do lugar, enquanto uns duvidavam da sua história, outros se entregavam à sua inigualável intrepidez, fazendo-lhe os mais diversos elogios.

Oxum, filha de Oorum e a mais bela yabá de toda Terra, sentiu suas pernas tremerem e sua boca secar, dirigindo-se para sua tenda, pensou consigo: "Ah! Como meu querido pai pôde consentir que este esnobe o visitasse, sendo que eu, sua querida filha, nunca pude sequer fitá-lo daqui? Como este convencido se atreve a pegar um pedaço de meu pai?" Durante um bom tempo ela permaneceu calada, sua ira confundia-se com sua tristeza. Quando sua mente parou de pensar por um instante na audácia de Eleg, ela atinou um plano: decidiu ter o objecto que acreditava ser um pedaço de Oorum, fazendo-se valer de sua beleza para seduzir o presunçoso cafião.

A sedução de Oxum

A bela yabá, sabendo do profundo amor que o fanfarrão tinha por ela (o mesmo fizera questão de espalhar pelos quatro cantos do mundo, dizendo que ela um dia seria dele), foi com suas mucamas para da tenda de Elegbará, ofertando-lhe um vinho, cuja safra deixava inveja ao néctar dos deuses. Ele não escondeu a surpresa e a satisfação de ter sua amada procurando sua companhia, de um salto ordenou aos convivas que se afastassem, alegando ter que dar atenção à iabá. Convidou-a educadamente a dividir seu aconchego, oferecendo uma deliciosa carne provinda da caça de Oxóssi. Deixando-se levar por seus prazeres, Eleg entregou-se totalmente aos encantos de Oxum, sem tirar nenhum momento os olhos da bela iabá, cujas madeixas eram enfeitadas com flores amarelas. Para agrada-la ainda mais, pediu a seus serviçais que enfeitassem sua tenda com tecidos amarelos que eram a cor preferida dela.

Oxum dócil e sensual, apesar de ter várias mucamas, tomava para si a tarefa de colocar uvas e os nacos de carne mal passada na boca do cafião, que a cada mastigada gemia de prazer, que com certeza não eram simplesmente pelo maravilhoso gosto do alimento. De quando em quando ele jogava-se no colo dela com a boca aberta, apontando para a quartinha de vinho, fingindo uma incontrolável impotência. Ela, por sua vez, graciosamente pegava e virava o recipiente com tal precisão que nenhuma gota caía. Depois de saborear o gole de tão sagrado líquido, uivava feito um animal no cio, chacoalhando os braços e a cabeça, deixando o suor do seu corpo espalhar-se pelo aposento, às vezes chegava a levantar-se e saltar, deixando-se levar pelo ímpeto do êxtase. Nesta ora bastava a iabá tocar-lhe docilmente, para amansá-lo e fazer com que deitasse de novo ao seu lado. Difícil saber qual prazer era maior: por um lado Eleg gozava o prazer de ter a seu lado uma iabá, cuja beleza encantava a qualquer ser, e ele nunca pôde chegar tão perto dela, mal podia acreditar no que acontecia, por outro lado Oxum deleitava-se ao ter sob seu domínio tão viril e indomável cafião, cuja sagacidade e disposição todos invejavam.

Depois de muito beber, ele se entregou por inteiro aos encantos da yabá, que, com toda sua infinita sedução, tentava convencê-lo a mostrar-lhe a caverna onde ele habitava. Entorpecido pelo vinho e pela beleza dela, concordou em revelar esse grande segredo.

Depois da festa Eleg dispensou os serviçais e saiu pela mata carregando Oxum nos braços, fazendo cumprir o que prometera. O caminho era longo e, mesmo sob os afagos infalíveis dela, ele ia pensando no que estava preste a fazer, se valeria à pena ou não. Chegando perto de sua gruta, Eleg deu ouvido à sua intuição e fez um encanto, colocando a iabá para dormir, para ela não saber onde era a entrada de sua morada, assim não haveria arrependimento de forma alguma.

Oxum na Gruta de Eleg

Oxum acordou num lugar iluminado por labaredas que saiam de fendas no chão, estava deitada sobre macias peles de animais que não dava para precisar quais eram. Sobre sua cabeça havia centenas de estalactites no teto da ampla caverna, cuja cor estava perto do laranja ou vermelho, dependendo da oscilação das chamas. Quando se levantou, observou que aos pés dos aposentos uma cesta repleta de mamões, seus frutos predilectos. Num giro pelo lugar pôde ver a amplitude da caverna que era repleta de aberturas laterais, eram como portas que poderiam dar em qualquer lugar.

Indignada começou a rodar em volta de si e gritar desesperada:

- Eleg, Eleg, onde está você? Por que me abandonou aqui?

Sua voz ecoava pela caverna fazendo parecer que havia muitas pessoas lá arremedando sua voz, isto irritava fazendo com que ela colocasse as mãos aos ouvidos e ajoelhar-se no chão. Depois de muito choro e lamentos, decidiu calar-se. Quando se levantou para arriscar entrar em uma das aberturas da caverna, ouviu um barulho que parecia ser de alguém que chegava.

De uma das aberturas atrás dela surgiu sorridente Eleg, perguntando docilmente:

- Oh! Minha amada, já acordou? Desculpe-me a ausência, precisei retirar-me por um instante apenas para guardar o meu pedaço de Oorum.

- Você não cumpriu o combinado! Trazia-me no colo e, de repente, acordei aqui sozinha, sem nem saber como aqui cheguei! Disse ela furiosa.

- Nada posso fazer, se no meio do caminho você adormeceu. Mas não vejo onde não cumpri o combinado, já que você agora conhece minha caverna. Não se alegra ao saber que é a única a conhecê-la? Disse ele astutamente deitando-se sobre as peles.

Vendo a possibilidade de seu plano ir por água abaixo, ela se jogou ao chão e começou a chorar.

Comovido pelos soluços da yabá, ele chegou perto e lhe acariciou os cabelos, tirando deles as pétalas das flores soltas. Percebendo a comoção dele, ela chorava mais e mais.

- Não é necessário tal pranto, o que fiz eu de errado? Perguntou Eleg pacientemente.

- Nada - disse ela, enxugando as lágrimas do rosto com as mãos - eu que sou uma tola. Como posso estar aqui aos prantos na presença de tão viril e belo orixá?

- Então por que chora? Disse ele totalmente embebido em sua vaidade.

- É que eu gostaria de tocar o pedaço do Sol, uma vez que é parte dos meus pais, que há muito me deixaram em nome de iluminar o mundo em que vivo. Sinto que isto me faria matar um pouco da saudade que sinto deles.

- Sinto seu pesar, mas acredito que tal objecto só aumentará a falta que sente! Disse Eleg, procurando esquivar-se.

- Engano seu, eu sei que será bom para mim! Ela insistiu.

- Bom! Então eu vou buscar! Concluiu virando-se em direcção à abertura de onde saíra há pouco.

- Não! Espere! Eu não vou ficar aqui só de novo! Falou, correndo atrás do cafião.

- Lamento, mas não poderá ir até minha gruta secreta! Eleg mostrou-se arredio.

- Por que não quer que eu vá até sua câmara secreta, se nem sequer sei chegar até aqui.

Eleg pensou por um momento e caiu diante do argumento da iabá, concordando que ela não oferecia perigo nenhum.

Os dois iam pelas grutas, enquanto Eleg, esperto, entrava em várias aberturas, procurando deixá-la desnorteada. Oxum, usando de toda sua sagacidade, foi jogando pelo caminho as pétalas das flores que estavam em suas melenas, com o máximo cuidado, para ele não perceber.

Quando chegou à câmara secreta de Eleg, ela ficou maravilhada, ao ver tantos pertences valiosos, e não economizou elogios ao cafião, que parecia desmanchar-se a cada palavra. Ele se abaixou e pegou a bola brilhante e entregou nas mãos dela. Uma sensação esquisita tomou conta da iabá, tal objecto mostrou que exercia uma imensa força sobre seu ser, um forte desejo de ter o pedaço de a qualquer custo, seus olhos brilhavam e espelhavam os pensamentos maléficos que passavam pela sua mente, fazendo com que tirasse os pés do chão por um instante, várias ideias sem nexo boiavam na sua cabeça, o brilho da esfera fazia sua cabeça girar, girar...

- Oxum! Oxum! Este é o presente que ganhei de Ifá, o jogo de búzios - disse Eleg entregando a ela as conchas.

As palavras dele trouxeram-na de novo a realidade, ela, como se tivesse acordado de um sonho, entregou-lhe a bola com uma imensa dor e pegou o jogo.

- Veja! É através deste jogo que fico sabendo presente, passado e futuro...

- Maravilhoso! Disse ela, pegando as conchas e comprimindo-as ao corpo como se quisesse que elas atravessassem sua pele, num estado hipnótico. Chegou a pensar em Ifá, seu tio, com ressentimento.

Enquanto Eleg mostrava seus tesouros, ela não parava de pensar em como adquirir a bola dourada, às vezes soltava um elogio furtivo, tentando disfarçar seu intento.

Depois de saciada a curiosidade dela, ele a levou para os seus aposentos, para eles se deleitarem. Sem esquecer seu plano, a bela iabá entregou-se a um grande momento de amor, fazendo o cafião suar, uivar e gastar sua energia, falando falsas palavras de amor eterno com as quais ele delirava. Depois de muito tempo, o grande vigor dele caiu por terra, ela o levara à exaustão, fazendo-o cair em sono profundo.

Quando teve a certa de ele não levantaria, ela, seguindo as pétalas pelo chão, correu para o esconderijo na intenção de resgatar o objecto que, para ela, pertenciam-lhe por direito. Chegando à câmara secreta ela se abaixou para pegar a esfera, viu os búzios e decidiu levá-los também. Rapidamente ela pegou um pedaço de seu axó, fez uma trouxa onde ocultou os objectos e silenciosamente voltou para os aposentos. Na ânsia de obter o que queria, ela se esqueceu de como faria para sair dali, olhava para as aberturas na caverna e começou a sentir-se tonta. De repente prestou a atenção nas labaredas que saiam do chão e constatou que de uma das aberturas sobrava um vento quase imperceptível. Usando toda sua intuição, foi seguindo a brisa pelas aberturas da caverna.

Ao despertar todo amoroso, ele procurou Oxum pelos seus aposentos na intenção de elogiá-la pela grande noite de amor. Quando descobriu que ela não estava, ele correu para a sua câmara secreta, lá deu falta de seus bens preciosos. Cuspindo fogo por toda caverna, Eleg decidiu vingar-se. Foi correndo e vociferando pela gruta em direcção à saída.

Oxum já estava quase saindo, quando ouviu o eco dos berros de Eleg. Procurando preservar-se, ela correu sem olhar para trás. Ele saiu da caverna emanando fogo para todos os lados, fazendo a floresta arder em fogo. Quando avistou um rio, ela mergulhou em suas águas, para fugir das chamas.

A Busca de Eleg

Oxum, sabendo que Eleg não descansaria enquanto não a encontrasse, saiu espalhando, pelas tribos por onde passava, que resgatara os bens valiosos que lhe foram roubados e que ele havia mentido quando disse a todos que eram suas descobertas. Por conta das peripécias dele e sua grande capacidade de inventar histórias, todos tenderam a acreditar na yabá, dando-lhe cobertura na fuga, mas sem lhe dar guarida, por temerem perder a simpatia dele.

Diante da dificuldade em se esconder, ela decidiu pedir abrigo a Oxóssi, seu grande amor. Depois de ouvir a versão dela, ele decidiu abrigá-la em sua mata. O caçador tinha ciência de que o sagaz cafião não a incomodaria, enquanto estivesse por perto, mas sabia que, quando fosse caçar, nada deteria o furioso orixá, assim aconselhou Oxum a procurar Yemanjá, cujo reino ficava no fundo do mar.

Depois de uma longa busca, Eleg ficou sabendo onde a deusa da beleza estava escondida. Inconformado ele foi ao reino de sua mãe, com a certeza de que ela o ouviria a ponto de fazer Oxum devolver-lhe seus bens preciosos.

Ele foi bem recebido, mas Yemanjá parecia ressabiada com a presença dele.

- Minha mãe! Disse ele com reverência.

- Meu filho! O que o traz por estes lados? Indagou tentando disfarçar. - Minha mãe deve saber o motivo de minha inusitada visita, já que não costumo vir a seu belo reino. Eleg ironizou.

- Bom! Já deveria saber que não viria aqui simplesmente para me ver.

- Já sei que Oxum deve ter contado sua versão, fiquei sabendo em algumas tribos por onde passei. Espero que pelo menos a senhora minha mãe acredite na minha versão - falou curvando-se em respeito à benevolente iabá.

- Como posso acreditar em suas histórias, sendo que já mentiu tanto para todos. Quem pode me assegurar que conta a verdade agora? Desafiou Yemanjá.

- Como pode preterir seu próprio filho, para proteger uma yabá tão perversa!

Ele levantou, soltando chispas pelos olhos, fincou o pé no chão, levantou seu tridente e continuou furioso.

- Minha mãe pode escondê-la por enquanto, mas não sossegarei enquanto não obtiver o que por direito me pertence!

Ele virou-se de costas para Iemanjá, mostrando indignação e desrespeito, e saiu rapidamente, deixando suas pegadas ardendo em fogo no caminho que tomou para sair do reino.

À medida que andava, Eleg sentia a fúria transformar-se em consternação: como sua mãe escolheu proteger Oxum que o roubara?

Oxalá e Xangô vinham conversando animados pelo caminho, andavam em direcção ao reino de Iemanjá. Falavam sobre a evolução dos reinos, as guerras e as doenças. Às vezes riam, às vezes calavam-se, buscando levantar novos assuntos para deliberarem. Foi num intervalo destes que Xangô avistou mais à frente alguém caminhando cabisbaixo.

- Olhe meu ‘pai’, aquele não é Eleg? Perguntou Xangô, apontando na direcção do cafião.

- Sim! Mas o que aconteceu para estar tão absorto? Indagou Oxalá.

Eleg nunca foi visto daquele jeito, sempre aparecia animado, sorridente e sempre atento, prestes a pregar a peça em alguém. Tal comportamento despertava o interesse de qualquer um que o visse.

- O que aconteceu com você, meu filho? Indagou Oxalá, ao chegar perto de Eleg - Parece que é algo muito grave!

O tristonho contou-lhes o que sucedera: a conduta de Oxum e o desprezo de Iemanjá.

Frente à atitude de sua amada, Iemanjá, Oxalá começou a desconfiar dele, devido seus antecedentes, já que tanto ele quanto Xangô não sabiam do ocorrido. Frente ao relato, ele disse em tom punitivo, apoiando-se em seu cajado:

- Vejo que você não tem jeito! Sempre arrumando confusão! Ordeno...

- Espere, meu ‘pai’! Atalhou Xangô - acredito que, antes de condená-lo, deveríamos ouvir Oxum, para sabermos o que realmente aconteceu.

Diante do conselho de tão justo orixá, Oxalá pensou e decidiu ouvir a versão de Oxum.

Os três dirigiram-se para o reino de Iemanjá rapidamente, Oxalá ouvia os conselhos de Xangô, enquanto Eleg não dizia uma palavra.

O ‘senhor do fogo’ não quis entrar no reino, seguiram então Oxalá e Xangô, ansiosos para encontrarem Oxum.

Uma vez no reino de Iemanjá, Oxalá ordenou que a bela iabá viesse a sua presença, para relatar-lhes o acontecido. Ela então veio e contou sua versão, chorando e soluçando. Quando o supremo tendia a acreditar na história dela, Xangô interviu, dizendo que seria necessário colocar os dois frente a frente, para apurar quem dizia a verdade.

Oxum mostrou-se resistente perante a ideia, temendo ser desmascarada, alegou estar com medo da fúria de Eleg. Sentindo que algo de errado havia na recusa, Oxalá prometeu que nada lhe aconteceria e convocou todos os orixás para um conselho.

O Julgamento de Oxalá

Ao contrário das festas, apenas os orixás estavam presentes no conselho. Nanã mesmo distante e envergonhada por sua forma, esteve presente. Ela recusava-se a chegar perto dos cafiões e, se pudesse opinar, certamente condenaria Eleg, além de odiar qualquer ser masculino, adorava Oxum, a única que foi visitá-la e presenteá-la após ter sido banida do reino por Oxalá.

Ossãe, embora não sendo visto por ninguém, fazia-se presente, de quando em quando assobiava e ria. Muitas versões corriam entre todos, muitas delas já haviam sofrido os efeitos da boca-a-boca transformando-se nas mais absurdas histórias.

Xangô prostrou-se ao lado de Oxalá, enquanto Eleg e Oxum ficaram em pé frente a frente no centro do conselho. Os olhos de fogo soltavam chispas, enquanto os olhos d’água dela lacrimejavam.

- Com o poder que me foi concedido por Olorum, o criador, convoquei a todos, para presenciarem este julgamento. Espero que todos tomem por conhecimento o que virem e ouvirem hoje! Falou Oxalá com eloqüência. Sob os olhos dele, Xangô conduziu o julgamento. Pediu a Eleg e Oxum que contassem suas versões. Depois chamou Ifá para esclarecer sobre os búzios.

Com o coração partido, já que tinha que desmentir a versão de sua sobrinha e filha de criação, contou a todos como e porque deu o jogo ao cafião. À medida que Ifá relatava, Eleg enchia-se de razão e Oxum ia curvando-se sobre si.

- Ifá! Disse Oxalá, acredito que não agiu certo dando tão poderoso jogo a um só orixá!

- Sim, Oxalá! Eu concordo. Para corrigir isto - disse Ifá, pegando os búzios e jogando-os para o céu - determino que a partir de agora cada búzio representará um orixá no jogo. E como a princípio eu o dei a Eleg, todos que forem consultar este jogo deverão pedir permissão a ele.

Para esclarecer sobre a esfera, Odudua fez-se presente.

- Venho falar em verdade, pois presenciei o fato. Eleg, preso em sua ambição, retirou esta bola brilhante de uma aldeia, que ruiu pela falta de tal artefacto e, mesmo tendo sido alertado do que poderia acontecer, nem sequer se abalou.

Após o relato da ‘mãe natureza’ houve um burburinho entre os presentes, Eleg abaixou a cabeça e cerrou os punhos. Xangô sentou-se e Oxalá levantou-se dizendo: - Visto os fatos, concluo que: tanto um quanto outro erraram: por um lado Oxum roubou artefactos que pertenciam a um outro orixá, por outro lado, Eleg mentiu, dizendo ter tirado um pedaço de Oorum, mas de facto dizimou uma aldeia. Diante dos fatos eu decido que a esfera dourada não ficará com nenhum dos dois, mas pertencerá a ambos: o metal ficará incrustado nas rochas, aprisionando a ganância de Eleg, mas para ser tirado, precisará ser garimpado nas águas, para lavar a inveja de Oxum.

Enquanto a yabá chorava, Eleg falou irado.

- Acato o veredicto - virando-se para Oxum, praguejou - já que fui enganado e julgado por conta deste metal, todo aquele que tiver contacto com ele, assim como você, mostrará seus demónios, sendo tomado pela nossa ambição presa nele.

Ao sair do conselho, Eleg irado jurou para si que sempre perseguiria tanto Oxum quanto qualquer um que vivesse sob sua protecção (daí nasceram os epurins, filhos(as) de Oxum perseguidos por Eleg), e, como vingança, inseriu sementes negras nos frutos predilectos dela, os mamões, para que, quando ela fosse comer, sentisse sua presença e se lembrasse do mal que lhe fez.

XIV

ITAN TI ÒSÚN IYOMI

Esta divindade era rainha de um grande território, o qual foi invadido pelo iyomi que venceram a luta apoderando-se do território e de toda a fortuna. Oxun, para não ser prisioneira, fugiu em meio à escuridão nocturna tomando uma jangada, tendo feito antes uma calorosa oração ao seu Deus Supremo, Olorun. Imediatamente, veio-lhe a inspiração de mandar seus súditos prepararem alguns abarás e deixa-los às margens do rio.

Ocorre, entretanto que seus perseguidores, ao chegarem às margens do rio, encontraram os abarás e como estavam famintos, sentaram-se para comê-los, caindo após o repasto sem vida no chão.

Com isso Oxun pôde voltar ao seu território, sendo então chamada de Oxun Iyomi.

XV

ITAN TI ÒSÚN

Contam os Alo, que Oxun era apetebi de Ifá, o poderoso Deus adivinho, que tantas coisas prediz; todas as pessoas que vinham consultar Ifá pediam a Oxun para que lhe tirasse a sorte. Um dia Oxun, chorosa, queixou-se a Ifá que estava triste por não saber jogar. Suplicou-lhe que lhe ensinasse aquela arte.

Ifá atendeu e deu-lhe dezasseis coquinhos de nozes, preparando-os e pedindo a Exú, que respondesse às perguntas por feitas por Oxun. Exú atendeu, porém de má vontade por não ter gostado de ver Oxun adivinhando. Esta é a razão pela qual as filhas de Oxun são perseguidas por Exú.

XVI

ITAN TI ÒSÚN

Segundo outro Alo, Oxun era a dona do ouro e resolveu, para conseguir jogar, trocar com Exú sua riqueza, que lhe cedeu cinco dos seus búzios através dos quais Oxun fala no jogo.

XVII

Conta a lenda que, em um tempo imemorial, o rei Xangô, orixá escolhido por Oxalá para governar a terra e os outros deuses, tinha diversas esposas. As duas mais importantes eram Yansã, a Senhora das Tempestades, e Oxum, cujo domínio se estendia pelos rios, lagos e cachoeiras.

Certo dia, enciumada da preferência de Xangô pela sua adversária; Yansã decidiu vingar-se de Oxum e, em um raio intempestivo de cólera, investiu contra a mãe das águas doces, quando esta se banhava nua às margens de um grande lago, tendo apenas um espelho entre as mãos. Devido ao fato de não ser uma guerreira, mas uma mulher dócil e vaidosa, afeita apenas aos expedientes da Sedução e da Dissimulação para se defender; Oxum viu-se completamente indefesa frente à ira arrebatadora da Rainha dos Raios. Oxum, então, rezou a Oxalá e, em um instante mágico, percebeu que o Sol brilhava forte nas costas de sua agressora. Rapidamente, ela utilizou seu espelho para reflectir os raios solares de forma a cegar Yansã.

Ao saber da vitória de Oxum, o rei Xangô reafirmou sua preferência pela Senhora das Águas, que além de mais bela e delicada, provou ser também mais poderosa que a Senhora das Tempestades.

XVIII

Oshun era a mais bela e amada filha de Oxalá.

Dona de beleza e meiguice sem iguais, a todos seduzia pela graça e inteligência. Oshun era também extremamente curiosa e apaixonada. E quando certa vez se apaixonou por um dos orixás, quis aprender com Orunmilá, o melhor amigo de seu pai, a ver o futuro. Como o cargo de oluwô (dono do segredo) não podia ser ocupado por uma mulher, Orunmilá, já velho, recusou-se a ensinar o que sabia a Oshun.

Oshun então seduziu Eshu, que não pôde resistir ao encanto de sua beleza e pediu-lhe que ele roubasse o jogo de ikin (cascas de coco de dendezeiro) de Orunmilá. Para assegurar seu empreendimento, Oshun partiu para a floresta em busca das Iyami Oshorongá, as perigosas feiticeiras africanas, a fim de pedir também a elas que lhe ensinassem a ver o futuro.

Como as Iyami desejavam provocar Eshi«u há tempos, não ensinaram Oxum a ver o futuro, pois sabiam que Eshu já havia roubado os segredos de Orunmilá, mas a fazer inúmeros feitiços em troca de que a cada um deles recebessem a sua parte.

Tendo Eshu conseguido roubar os segredos de Orunmilá, o deus da adivinhação, se viu obrigado a compartilhar com Oxum os segredos do oráculo e lhe entregou os 16 búzios com que até hoje as mulheres jogam. Oxum representa, assim, a sabedoria e o poder feminino.

Em agradecimento a Eshu, Oxum deu a Eshu a honra de ser o primeiro orishá a ser louvado no jogo de búzios, e entrega a eles suas palavras para que as traga aos sacerdotes. Assim, Oxum é também a força da vidência feminina.

Mais tarde Oxum encontrou Oxóssi na mata e apaixonou-se por ele. A água dos rios e a floresta tiveram então um filho, chamado Logun-Edé, a criança mais linda, inteligente e rica que já existiu. Apesar do seu amor por Oxóssi, numa das longas ausências deste, Oxum foi seduzida pela beleza, os presentes e o poder de Xangô, irmão de Oxóssi, rompendo sua união com o deus da floresta e da caça. Como Xangô não aceitasse Logun-Edé no seu palácio, Oxum abandonou seu filho, usando como pretexto a curiosidade do menino, que um dia foi vê-la banhar-se no rio. Oxum pretendia abandoná-lo sozinho na floresta, mas o menino se esconde sob a saia de Iansã, a deusa dos raios que estava por perto. Oxum deu então seu filho a Iansã e partiu com Xangô, tornando-se, a partir de então, sua esposa predilecta e companheira quotidiana.

XIX

Oxum transforma-se no pombo Adabá

Oxum era filha de Orunmilá. Um dia casou-se com Xangô, indo viver em seu palácio. Logo Xangô percebeu o desinteresse de Oxum pelos afazeres domésticos, pois a rainha vivia preocupada com suas jóias e caprichos.

Aborrecido, Xangô mandou prendê-la numa torre, sentindo-se livre novamente. Exu, vendo a situação de Oxum, correu a contar a seu pai Orunmilá que, fazendo deste seu mensageiro, entregou-lhe um pó mágico que deveria ser soprado sobre Oxum.

Exu, que se transforma no que quer, chegou ao alto da torre e soprou o pó sobre Oxum que, no mesmo instante, transformou-se num lindo pombo dourado chamado Adabá, ganhando assim a liberdade e voltando à casa paterna.

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