I
Rivalidade entre Orumilá e Ossain
Orunmilá (Eleri Ipin), o testemunho do destino dos seres humanos, está precisando de um criado. Ele vai ao mercado e, entre os escravos que estão à venda ele escolhe Ossain. Manda-o desmatar o campo para preparar as novas plantações. Entretanto, para desespêro de Orunmilá, Ossain volta, à noite, sem ter cumprido sua ordem. Orunmilá o peergunta por que nada fez. Ossain lhe responde:
"Todas essas plantas, estas folhas e estas ervas têm virtudes. Elas não podem ser destruídas. Esta folha por exemplo, acalma as dores de dentes; esta outra, protege contra os efeitos de trabalhos maléficos; esta outra, ainda, cura a febre. Impossível, em verdade, arrancar plantas tão necessárias à saúde e à felicidade!"
Orunmilá, impressionado, decide que Ossain deverá, a partir de então, permanecer ao seu lado durante as sessões de adivinhação, para guiá-lo na escolha dos remédios que deverá prescrever a seus consulentes. Uma surda rivalidade se estabelece, pouco a pouco, entre esses deuses. Ossain, sofrendo por ser mantido em submissão, se vangloriava de ser mais importante que Orunmilá, pois ele possuía o poder da magia mortal e dos medicamentos que preparava. Ossain chegou a declarar ao rei Ajalayé que ele viera ao mundo antes de Orunmilá e, sendo mais antigo, tinha direito a seu respeito. O rei Ajalayé envia, uma mensagem a Orunmilá. Ele quer saber, entre ele e Ossain, qual é o mais importante dos dois. Orunmilá responde ser ele mais antigo que Ossain. O rei decide submetê-los a uma prova. Ele os convoca, acompanhados de seus primogênitos. Orunmilá chega com seu filho chamado Sacrifício. Ossain apresenta-se com o seu, chamado Remédio. Os dois serão enterrados durante sete dias. Aquele que sobreviver à provação e responder primeiro, com uma voz clara e forte, ao chamado que será feito, no fim do último dia, verá seu pai ser declarado vencedor.
Duas covas foram abertas. Sacrifício e Remédio foram colocados dentro e as covas firam fechadas. Orunmilá, voltando para casa, consultou Ifá. "Meu filho estará ainda vivo, passados os sete dias?" Ifá aconselhou-o a oferecer muito ekuru - um prato saboroso, bolo de feijão, pimenta, um galo, um bode, um pombo, um coelho e dezesseis búzios da costa. Orunmilá preparou a oferenda. Ela foi colocada em quatro lugares: na estrada, numa encruzilhada, diante de Exú e no mercado. Exú exerceu seu poder sobre o coelho sacrificado. Este ressuscitou e cavou um buraco que foi terminar na cova de Sacrifício, o filho de Orunmilá. Assim, o coelho levou alimento para ele.
Remédio, o filho de Ossain, nada tinha para comer. Mas ele possuía alguns talismãs, que agiam sobre a terra e lhe permitiram, assim, encontrar Sacrifício no fundo da sua cova. Remédio pede-lhe comida. Sacrifício responde: " Ah! Como posso eu, filho de Orunmilá, dar-lhe comida, quando há uma disputa em jogo? Tu não vês que assim causarás o sucesso de Ossain, estando vivo para responder ao chamado que será feito no fim dos sete dias?" Remédio insiste e promete a Sacrifício permanecer calado quando for feito o apêlo. Sacrifício, então, dá de comer a Remédio.
E chegou o final da prova. Os juízes chamam o filho de Ossain: "Remédio, Remédio, Remédio" Eles chamam em vão. Remédio não responde. "Bem! Remédio está morto", concluem eles. Chamam, em seguida, o filho de Orunmilá: "Sacrifício!" Imediatamente, escutam um forte sim. Sacrifício está são e salvo! Remédio sai, em seguida, igualmente vivo. Ossain pergunta ao filho a razão do seu silêncio, quando foi chamado o seu nome. Remédio narra o pacto feito com Sacrifício. Comida contra silêncio!
Este pacto tornou-se provérbio: "Sacrifício não deixa Remédio falar." Significando que Sacrifício é mais eficaz que Remédio. Razão pela qual, Orunmilá tem uma posição mais elevada que Ossain.
II
Outras tradições afirmam que ele teve também uma vida terrena segundo algumas fontes dos odù ifá , quando ele deixou o Òrun pela primeira vez estabeleceu-se em Usì elas contam que ele teve como mulher(Òsun) Yebìírú e constituindo uma família de oito filhos , é um fato relatado pelo odù Ìwòrí Méjì e que expressa o nascimento do sistema oracular de Ifá e o retorno de Òrúnmìlà ao Òrun, os filhos de Òrunmìlà foram Ajerò, Olóyémyin, Alakegi, Ótangi , Òlélé , Eléjèlúmòpé, Owárangún e Olówó.
Em certa ocasião ele mandou chamar seus oito filhos ao chegarem saudaram Òrúnmìlà:
" Àbòrúbòyè bo síse "
( Que os rituais sejam abençoados e aceitos )
No decorrer dos fatos a ìtàn nos conta que Òrúnmìlà teve uma briga com seu filho caçula que desafiava e não aceitava a autoridade de Òrúnmìlà então Òrúnmìlà retirou dos filhos o bastão de òsùn ( símbolo de elevada autoridade) e voltou ao Òrun onde se estabeleceu em uma IgI-ope (dendezeiro) com isso a via terrestre entrou em profunda crise , então seus filhos foram ao òrun rogar a volta do PAi e este lhe entregou 16 coquinhos de dendê (Ikin) e disse que agora deveriam consultar eles; aos 16 coquinhos da palmeira foi dado o nome de Ifá que passou a ser o intermediário entre os poderes da terra e os celestiais .
III
"...Orunmilá e ÈSÙ eram amigos, mas disputavam entre si o poder.
Houve uma guerra na cidade de Ajala Eremi. Tendo isso chegado ao conhecimento de Èsù, por seus seguidores que invocavam-no e pediam a sua ajuda, ele correu a Orunmilá para contar a novidade.
Orunmilá ficou curioso de saber como Exú já sabia da guerra, uma vez que a cidade era longe e parcos os recursos.
Exú, muito vaidoso, disse saber tudo, em virtude de seus poderes, e completou - "Vamos lá salvá-los".
Viajaram juntos, e chegando à Ajala Eremi, ajudaram o povo a vencer a guerra, e foram reverenciados e louvados.
Na volta, Exú disse a Orunmilá - "Você vai ver, a minha magia é maior que a sua".
Òrunmilá riu, disse que seus poderes eram bem maiores, e disse também:
"Ki okunrin ma to ato rin
Ki obinrin ma to ato rin
Ki awo eni ti aso re yio rin".
(O homem fica em pé e urina andando
A mulher fica em pé e urina andando
Vamos ver a roupa de quem fica molhada primeiro).
Com essas palavras ele desafiou ÈSÙ.
Caminharam muito até que anoiteceu, e pararam em Ileto (pequena cidade baale - aldeia pobre). Òrunmilá pediu aos mais velhos pousada por uma noite para ambos.
O Rei permitiu que dormissem e determinou em que casa ficariam. No meio da noite,
estando Òrunmilá dormindo, ÈSÙ acordou bruscamente.
Èsù saiu para o pátio, foi ao local onde as galinhas dormiam, agarrou o galo pelos pés,
torceu-lhe o pescoço, arrancou-lhe a cabeça e enfiou no bolso. Fez uma ótima e solitária refeição com a carne e alguns inhames, pimentas, tomates e cebolas que achou nos campos, temperou tudo com óleo de dendê, bebeu vinho de palma e completou com litros e litros de água fresca.
Voltando à casa, chamou Òrunmilá, e disse -" Vamos embora depressa". Òrunmilá acordou estremunhado, e ainda tonto, achou que era de manhã, e seguiu com Èsù pela estrada como bons amigos.
Em Ileto, assim que amanheceu, descobriram a morte do galo, a fuga dos hóspedes e o
povo, revoltado, decidiu persegui-los. Juntaram os Jagún (soldados). Correram atrás de Èsù e de Òrunmilá e alguém lembrou que Èsù usava uma roupa de búzios (símbolo de magia).
Èsù sabia que o povo de Ileto e os soldados vinham em sua perseguição. Olhava para trás e ria. Falou a Òrunmilá -"O povo vem aí, traz lanças, facas e soldados. Mostre a força de sua magia agora". Òrunmilá, sempre muito calmo, disse a Èsù -"A mim não pegam. Eu adivinho que você matou o galo e comeu-o, porque o sangue pinga de seu bolso". E disse:
"A ki gbo iku a fibi oba sa".
"Não se pode ter má notícia da terra. Ela não morre".
Depois de proferir estas palavras mágicas, Òrunmilá disse a Èsù - "Agora você dá a solução".
Èsù sugeriu que subissem em uma árvore sagrada (dendezeiro - ikin), de cuja madeira são feitos instrumentos para o culto, e esperassem para ver os Ode passarem. Os soldados e o povo viram o sangue, e revistando a árvore acharam Èsù lá em cima, junto com Òrunmilá.
Alguns ficaram de guarda à árvore, enquanto outros foram buscar machados e facões para derrubá-la.
Quando começaram a cortar a árvore, Èsù riu e disse a Òrunmilá - "É agora! Vamos cair os dois, faça a sua magia, eu faço a minha e veremos qual o poder maior".
A árvore caiu. Òrunmilá se enterrou no chão e virou água. Èsù bateu no chão e virou pedra.
O povo e os Ode procuraram e não acharam ninguém. O lugar virou uma grande confusão, com todos gritando e se acusando mutuamente.
Os que estavam sedentos, viram a água que era Òrunmilá, beberam dela e se acalmaram.
Os que estavam cansados sentaram na pedra que era Èsù e ficaram agitados.
E daí para a frente, dois tipos de pessoas se criaram no mundo, os calmos e os agitados. E todos que jogam Ifá (antigo sistema yorubá de adivinhação), têm que cultuar Èsù e Òrunmilá..."
IV
Conta-se que ele teve relações amorosas com um certo número de divinidades, como Yemanjá, Aje (a Riqueza, filha de Olokum), Oxum e outras mulheres entre as quais podemos citar: Osumileyo, e Apetebi, que é o título, utilizado pela mulher do Babalawô, aquela encarregada de cuidar dos objectos de que ele se serve para realizar a adivinhação. Sendo o símbolo da mulher a cabaça Igbadu. Há vários sistemas de adivinhação derivados de Ifá, que podem ser ligados com Orunmilá, um deles utiliza dezasseis kauris (Búzios) e é Exu quem dá as respostas; noutro são utilizadas as quatro partes da noz de cola e é o Orixá que responde directamente às perguntas do consultante
V
Num tempo em que Ifá era pobre, consultou seu Kpoli para saber de que forma poderia mudar de vida e conquistar a simpatia de Metolõfi, que não gostava dele.
Na consulta, surgiu Oturukpon Meji, que mandou que pegasse um cabrito, uma cabaça, todas as frutas redondas que encontrasse e preparasse um ebó, que deveria ser levado a sua mãe e entregue com as seguintes palavras: "Veja minha mãe, eu nunca recebi desta vida qualquer alegria. O rei deste pais não gosta de mim. Oturukpon Meji me disse que oferecesse este sacrifício, pois de ti depende minha sorte nesta vida"!
Ifa, no entanto respondeu: Isto é impossível. Minha mãe não está aqui. Ela partiu há algumas semanas para uma reunião em lugar muito remoto. De que maneira, estando ela ausente, poderei oferecer-lhe o ebó?
Legba intervindo disse: "Em troca de alguma coisa que me ofereças, reaproximarei tua mãe de ti. Em pagamento quero um galo e alguns bolos".
Ifa pagou o exigido a Legba que, durante a noite, procurou sua mãe e lhe disse: "Seu filho está morto já fazem quinze dias e não há ninguém para oficiar seus funerais. Anda, vá ao pais de Metolõfi para fazer a cerimónia".
Desesperada a velha pôs-se a chorar, dizendo: "Que fazer? Sou tão velha, mal posso andar..."
"Dá-me qualquer coisa que te transportarei", disse Legba.
A velha possuía um bode que tinha doze chifres na cabeça, ao vê-lo Legba falou: "Se me deres este bode de doze chifres, te levarei, agora mesmo, para junto de teu filho".
"Mas este bode não é meu..."Respondeu a velha. "...ele pertence a Vida. Ele me foi confiado e está sob minha responsabilidade".
"Se não me deres o bode, sem dúvida não te poderei ajudar".
"Tudo bem, carrega-o! Eu já perdi tudo o que tinha para perder, o bode não fará diferença!"
Legba, pegando o bode, matou-o. O sangue que escorria do corpo do animal era fogo que espalhando-se, cobriu o corpo de Legba. Aterrorizado com tão estranho acontecimento, Legba foi consultar Ifa e na consulta surgiu Oturukpon Meji, ordenando que os intestinos do bode fosse retirados e oferecidos em sacrifício, num caminho qualquer.
Naquele tempo, Legba não possuía cabeça e pegando a cabeça do bode, colocou na panela para cozinhá-la. Durante dias e dias, Legba insistiu na tentativa de cozinhar a cabeça por mais que gastasse lenha, nada conseguia.
Cansado, resolveu procurar a mãe de Ifa e, para isto, transportou a cabeça e a carne do animal até o reino de Metolõfi.
Para conduzir a enorme panela, Legba derramou a água nela contida, preparou uma rodilha que depositou sobre os ombros para servir de base à panela que estava completamente enegrecida pela fumaça. A rodilha fixou-se em seus ombros, transformando-se em pescoço e a panela transformou-se um cabeça e Legba descobriu que agora, como todo o mundo, também possuía uma cabeça. Alegre pôs-se a cantar:
Eu operei uma magia em meu caminho,
Assim adquiri uma cabeça!
Eu saí sem cabeça para uma viagem,
retorno agora para casa com cabeça!
Desta forma, chegou diante de Ifá, que também era desprovido de cabeça.
Ao tomar conhecimento do destino do bode, Ifá exclamou revoltado: "Como? Já paguei a Legba por seus serviços! Ele recebeu de mim o exigido e ainda conseguiu uma cabeça!..."
Zangado, preparou seu ebó composto de várias frutas redondas e o entregou a sua mãe, para que o conduzisse a Metolõfi.
Entregando as frutas ao rei a mulher disse: "Eu venho de muito longe em reconhecimento ao seu nome. Como não sou rica, aceite estas coisas. É tudo o que tenho para oferecer!"
Metolõfi, ordenou que a mulher pegasse um mamão e que o cortasse em duas partes iguais. As sementes negras se derramaram e o mamão, colocado sobre os ombros de Ifá, ali se fixou, transformando-se em cabeça.
Notando que a mulher estava cansada, o rei mandou que lhe oferecessem uma esteira, mas ela negou-se a sentar-se na presença de Sua Majestade. De tanto que o rei insistisse, a mulher acabou sentando-se sobre algumas almofadas.
Vendo-a acomodada e mais calma, o rei perguntou qual era o seu nome, ao que lhe respondeu, afirmando chamar-se "Nã". Metolõfi então disse: "Nã Taxonumeto" (aquela que coloca uma cabeça nas pessoas).
Depois deste facto, para que as crianças possam receber uma cabeça, as mães devem, durante a gestação, pedir a protecção de Nã Taxonumeto todos os dias.
É sob este signo que as crianças vêem ao mundo "de cabeça".
Ifá tornou-se muito conhecido graças à sua mãe e ao bode de doze chifres que não era outro senão o próprio Sol.
Foi através do fogo misterioso do bode, que Legba adquiriu controle sobre as chamas e visão para compreender as mensagens surgidas no Oráculo.
Foi desta forma que Legba e Ifá, conseguiram cabeças, graças a Oturukpon Meji que rege tudo o que e redondo, como redondas são as cabeças.
VI
"A criança que está agora no ventre, fala a sua mãe"
Certo dia, quando Ifá encontrava-se ainda no ventre de sua mãe, estando ela ocupada em recolher lenha no interior de uma floresta, foi surpreendida por uma voz que dizia: "Mãe! Eu vou dizer uma coisa. Trata-se de um segredo que jamais deverá ser revelado!" - Espantada, a mulher começou a procurar no meio da floresta, pela pessoa que lhe falava, sem encontrar ninguém. Novamente a voz se fez ouvir: "O que estás procurando? Sou eu, teu filho quem está falando! Quero prevenir-te que no décimo sexto dia, a partir de hoje, me darás à luz! nesse mesmo dia haverá uma guerra em nossa vila e meu pai será morto pelo inimigo... Tu, minha mãe, serás capturada e separada de mim...".
No dia seguinte, ao raiar do sol, o menino novamente fez contacto com sua mãe, dizendo-lhe: "Compreendeu bem o que lhe disse ontém? Faltam sòmente quinze dias para o acontecimento!...". E todos os dias de manhã ele falava com a mãe e no décimo sexto dia depois do primeiro contacto, disse: "Eis que é chegado o dia!" E imediatamente iniciou-se o parto. No exacto momento em que a criança vinha ao mundo, iniciou-se um ataque contra a cidade. Durante a batalha, o pai do menino foi morto e a mulher foi capturada e levada como escrava. Ifá, escondido em lugar seguro, viu quando um homem se aproximava e dirigindo-se a ele, implorou: "Leva-me contigo! Estou só no mundo. meu pai está morto e minha mãe reduzida à condição de escrava! Leva-me contigo e não te arrependerás por fazeres esta caridade!"
Comovido, o homem pegou o recém-nascido e levou-o consigo em total segurança, para sua própria casa. Ifá imediatamente começou a realizar curas miraculosas. Sempre que alguém adoecia, o menino após identificar o tipo de doença, receitava ervas que traziam a cura imediata. Todos os doentes recuperados faziam questão de pagar muito bem pela cura e desta forma, o homem que recolheu a criança tornou-se muito rico e poderoso. Naquele tempo, o país era governado por um rei chamado Lõfin, que logo que soube dos milagres, chamou à sua presença o responsável pela criança, que ali chegando, narrou de que forma encontrara o pequenino, o pedido de ajuda e seus maravilhosos poderes sobrenaturais. O rei, entre espantado e descrente, afirmou: "Se isto é verdade, se este menino for realmente dotado de tantos poderes, ocupará ao meu lado, um lugar no reino deste país!"
Logo o menino foi transferido para o palácio e sempre que um familiar do rei adoecia, era por ele curado. Nada mais se fazia no reino sem uma prévia consulta a Ifá e suas orientações eram seguidas no mínimos detalhes. Com o passar do tempo, o menino cresceu e logo que se tornou adolescente, recebeu de Lõfin uma cidade onde foi coroado rei. Seu milagres se multiplicavam, todos aqueles que sofriam vinham atrás dele em busca de auxílio. sua fortuna aumentava a cada dia, possuía muitas mulheres e muitos servos, além de todas as coisas que representam riqueza para os seres humanos. Ifá na esperança de um dia encontrar sua mãe, adquiria escravas na mão de um mercador. Era chegado o dia em que se deveria comemorar a festa chamada Fanuwiwa que todos os anos se faz em honra a Ifá. As mulheres de Ifá, junto com suas escravas, ficaram encarregadas de pilar milho para produzir a farinha que seria usada na festa. Entre as escravas estava a mãe de Ifá, que devido à situação miserável em que se encontrava, tinha medo de identificar-se e não ser aceita pelo filho. Enquanto realizava sua tarefa, a mulher entoava uma triste canção, na qual dizia: "Ifá Di-Meji, Tu não me conheces mais?" Ao ouvir a canção, Ifá ordenou que a mulher fosse levada à sua presença, interpelando-a da seguinte forma: "Então tu me conheces?" E a mulher respondeu: "Mas não fostes tu mesmo quem me anunciastes o dia do teu nascimento? Tu me dissestes que no décimo sexto dia virias ao mundo e que no mesmo dia teu pai seria morto e eu feita escrava". "És tu minha mãe!" Gritou Ifá e ordenou que a banhassem e oferecessem muitos e belíssimos vestidos, além de um torso branco para adornar a cabeça. Em seguida, Ifá fez com que a mulher se assentasse ao seu lado, sobre uma grande almofada branca denominada akpakpo e pegando uma cabra, ordenou que a imolassem em honra de sua mãe, que passou desde então, a viver ao seu lado, cercada de todas as honrarias e reverências reservadas à mãe de um rei.
É por isto que sempre que se oferece um sacrifício a Odi Meji, deve-se lembrar desta história e pega-se um akpakpo que serve de assento para Nã, um pano de cabeça (kpokun abuta), uma cabra, farinha de milho misturada com azeite de dendê (amiwo) e oferece-se a Nã Naxixe a mãe de Ifá.
VII
Odi Meji disse: "Metolõfi, por avareza, não quis sacrificar um boi, de malhas brancas e a morte veio buscá-lo."
Quando Ifá estava ainda no ventre de sua mãe, pediu que seu pai pegasse um boi malhado de branco e oferecesse em sacrifício, a fim de evitar que dentro de três anos, uma guerra viesse dizimar o seu reino. Seu pai negligenciou o sacrifício e no dia do nascimento de Ifá, seu pai morreu e sua mãe foi capturada como escrava.
Três anos depois, a guerra arrasou o pais e Ifá mandou que Ajinoto, a parteira, o encerrasse dentro de uma cabaça, de forma que ninguém o pudesse ver. A parteira foi encarregada também, de avisá-lo logo que alguém passasse por perto, para que ele revelasse ao passante, a causa de seus sofrimentos e os remédios e sacrifícios que resolveriam todos os seus problemas.
Tudo ocorreu da forma como Ifá planejara e o homem que passou naquele local, não hesitou em levar para sua casa, a cabaça onde Ifá havia sido encerrado.
Para deslumbramento de todos, Ifá, de dentro da cabaça, dava conselhos, receitava medicamentos e resolvia os mais difíceis problemas.
Um dia, Ifá ordenou que alguém se dirigisse ao mercado onde, pelo preço de quarenta e um cauris, deveria comprar sua mãe que estava sendo vendida junto com outras escravas. "A primeira mulher que for oferecida deve ser comprada, pois esta é minha mãe".
Naquela época, Ifá costumava aceitar sacrifícios humanos no festival de Fanuwiwa.
Quando a escrava adquirida no mercado foi trazida, Ifá ordenou que lhe fosse entregue certa quantidade de milho, para que pilasse e transformasse em farinha destinada à preparação do amiwo.
Enquanto pilava o milho, a mulher ouvia os consultantes invocando Ifá, "Orunmilá! Akefoye! Agbo wi dudu nu do fe to!" (Orunmilá! Akefoye! Se teu nome é Ifá, jamais esquecerás de mim!). Reconhecendo em Ifá o seu próprio filho, a pobre mulher pôs-se a cantar em voz alta a saudação que ouvia: "Orunmilá! Akefoye! Agbo wi dudu nu do fe to!"
As pessoas contaram a Ifá sobre a mulher que cantava aquela saudação enquanto pilava o milho e Ifá ordenou que ela largasse aquele trabalho e que, no dia seguinte pela manhã, chamasse por ele, junto com seus fiéis, para que pudesse mostrar a todos de que forma deveria ser correctamente alimentado. Ordenou ainda, que fosse preparado um akpakpo e dois panos brancos de cabeça denominados kpokun abuta, proibindo a todos de olharem para aqueles objectos.
Como Ifá vivera até então, fechado dentro de sua cabaça, jamais havia sido visto por ninguém. Quando todos se afastaram, Ifá saiu de sua cabaça coberto por um grande chapéu, vestindo um avental de pérolas e calçando sandálias, indo sentar-se no alto de um tripé de onde gritou: "Olhem bem, sou eu Ifá! que ninguém viu jamais... A mulher que mandei comprar no mercado de escravos, deve ser trazida até aqui!"
A mulher foi trazida à sua presença e Ifá mostrou-a a todo mundo, dizendo: "Olhem bem, esta é minha mãe! Quando eu estava no seu ventre, determinei que meu pai deveria sacrificar um boi malhado de branco, para evitar malefícios que já estavam previstos, mas meu pai não atendeu minha orientação e todo mal acabou por se concretizar.
Tanto tempo se passou e eu comprei esta escrava para ser sacrificada em minha honra. Entretanto não sacrificarei, não poderia trair minha própria mãe, mesmo que ela me tenha traído."
Dito isto, ordenou que cortassem os longos cabelos de sua mãe, que envolvessem sua cabeça com um belo torso branco e que a instalassem sobre a almofada akpakpo. Depois pediu um boi e um cabrito para serem sacrificados. Com a farinha moída por sua mãe, mandou preparar um amiwo para ela, que não poderia ser comido em sua presença.
Desta forma, assentada sobre um akpakpo, transformou-se ela em Nã, mãe de um rei.
Aos jovens que prepararam as carnes do boi e do cabrito, assim como o amiwo, ordenou que fosse dado uma parte de cada coisa, para que comessem depois da cerimônia.
Depois das cerimônias de Nã, aqueles que prepararam os alimentos a ela oferecidos, recebem uma pequena parte destes alimentos, parte esta que recebe o nome de kle ou kele e que só pode ser consumido depois que o Vodun for servido. (Este rito acompanha as cerimônias às Divindades Nagô sob o nome Atowo e as divindades Fon sob o nome de Nudide).
A mãe de Ifá disse então a seu filho que sentia-se muito envergonhada pois não merecia tantas honrarias e que naquela dia iria encontrar-se em Lõ (local para onde vão os espíritos dos mortos), com seu finado esposo.
"A partir de hoje, quando fizerem uma cerimónia em minha honra, digam: "Nã Kuagba! (Nã seja bem vinda!) e virei receber as oferendas." Disse a mulher.
Nã disse ainda, que faria o Sol tornar-se mais brando ou mais quente, comandando-o de cima de seu akpakpo.
A partir de então, realiza-se sempre o ritual de Xe Nã (dar comida a Nã), quando terminam os festivais Fanuwiwa.
VIII
Esta é a história da criança gerada por Ajé, mulher de Metonlonfin, chefe de todos os feiticeiros.
Em seu nascimento, esta criança prometida a Olofin - mestre de todas as coisas, aos homens, para servir de intermediador entre eles, recebeu o nome de Fá Aydegun. Logo depois de haver nascido, apesar da missão a que fora destinado. Fá Aydegun permanecia preso de um mutismo inexplicável, o que deixava seu pai muitíssimo irritado. Por mais que se insistisse, o menino limitava-se a chorar, sem emitir uma só palavra.
Certo dia, já bastante irritado pelo enigmático mutismo da criança, Metonlonfin deu-lhe uma pancada com um pedaço de marfim entalhado que portava no momento e o menino, interrompendo seu pranto permanente, gritou em alta voz: "Ogbe".
Admirado, Metonlonfin golpeou-o novamente e o menino gritou a palavra Oyeku. A um terceiro golpe, foi dito Iwori e recebendo golpes consecutivos, o menino foi falando: Odi, Irosun, Owonrin, Obara, Okanran, Ogunda, Osá, Ika, Oturukpon, Otura, Irete, Oshe e Ofun.
Depois de pronunciados este dezesseis nomes, o pai parou de bater no menino que então lhe disse: "Pai, as palavras que me ouvistes pronunciar, são os nomes de meus dezesseis filhos espirituais. Eu não posso anunciar mais que um deles por cada golpe recebido, por conseguinte, não poderei manter uma conversação se não receber consecutivos golpes de teu bastão, ao qual darei o nome de Irofá.
Assim sendo, quanto mais tempo me baterem com o Irofá, mais tempo manterei contacto com os homens. Devo revelar agora, os segredos de cada um dos meus dezasseis filhos. De posse destes segredos, qualquer ser humano poderá aliviar seus sofrimentos, amenizar suas vicissitudes.
Todos eles apresentam duplas características, são Meji (duplos), podendo assim, causar o bem e o mal. Seus nomes são sagrados e não devem ser pronunciados de forma profana, por bocas ímpias, sob pena de terríveis maldições. Para que se sintam bem e possam sempre trazer benções para os homens, devem ser tratados e agradados com os seguintes elementos que lhes pertencem especificamente:
Ogbe Meji - a água fria.
Oyeku Meji - a galinha preta.
Iwori Meji - as bebidas alcóolicas.
Odi Meji - a banana.
Irosun Meji - o galo de penas amarelas.
Oworin Meji - a galinha de penas arrepiadas.
Obara Meji - a abóbora
Okanran Meji - o galo negro.
Ogunda Meji - peixe fresco.
Osa Meji - o óleo de palma.
Ika Meji - o pombo.
Oturukpon Meji - o pato.
Otura Meji - o carneiro
Irete Meji - o porco e o cabrito.
Oshe Meji - o milho torrado e o galo.
Ofun Meji - os ovos, as manteigas de ori e de cacau.
Um dia, Fá Aydegun, após revelar seus segredos a seu pai, transformou-se numa palmeira e por isto, é até hoje representado pelos negros caroços desta palmeira. É por este motivo que os adivinhos, para invocarem os filhos espirituais de Ifá, batem em seu Oponifá com os seus Irofá, pois só desta forma, Ifá estabelece conversa com eles.
IX
A ORIGEM DE FA - O SISTEMA DAHOMEANO DE ADIVINHAÇÃO
Gbadu nasceu após os gêmeos Agbe e Naete. Possui dezesseis olhos e é um deus andrógino. Mawu designou-o a viver no alto de uma árvore de palma, no Orum, a fim de observar os reinos do mar, da terra e do céu. Mais tarde, Mawu lhe diria os deveres que deveria executar. Gbadu está sempre na árvore. À noite, quando dorme, seus olhos se fecham e depois não pode abri-los sozinho. Legba foi encarregado por Mawu, para escalar a árvore de palma, a cada manhã, para abrir os olhos de seu irmão. Quando Legba escala a árvore de palma, pergunta primeiro a Gbadu que olhos deseja ter aberto, se os detrás, da frente, da direita ou da esquerda. Ao ouvir a pergunta, Gabdu presta atenção ao reino do mar, da terra e do céu; não quer falar porque outros podem ouvir. Em resposta a Legba, põe semente da palma em sua mão. Se colocar uma semente, significa que deseja abrir um de seus olhos e se forem duas sementes, Gabdu deseja que dois de seus olhos sejam abertos. Quando Legba abre seus olhos, ele mesmo olha bem de perto o que está acontecendo no mar e na terra e prometeu a Gbadu, a quem nós também chamamos de Fa, que relataria tudo a ele, inclusive o que acontece no domínio de Mawu, o Orum. E desta maneira aconteceu. Depois de um tempo, Gbadu começou a gerar crianças. A primeira criança era Minona, uma filha. A segunda criança também era uma filha. Todas as outras crianças eram filhos e foram chamados de: Aovi, Abi, Duwo, Kiti, Agbankwe e Zose. Um dia, Gabadu confidenciou a Legba que estava incomodado porque Mawu ainda não tinha lhe designado seu trabalho. O único que conhecia a língua de Mawu era Legba e este prometeu a Gbadu que o ensinaria. Algum tempo após isto, Legba disse a Mawu que havia uma grande guerra na terra, no mar e no céu e que, se Gbadu ficasse apenas olhando do alto, esses três reinos seriam logo destruídos. A água do mar não sabia seu lugar e a chuva não soube cair. Isto estava acontecendo porque os donos daqueles reinos não compreendiam a língua de Mawu.
Mawu perguntou: "O que deve ser feito?". Legba disse que o melhor seria enviar Gbadu à terra. Mas Mawu respondeu: "Não, deixe Gbadu permanecer aqui, mas darei a compreensão de minha língua para alguns homens na terra, dessa maneira, os homens saberão o futuro e como comportarem-se". Mawu mandou Legba encontrar três filhos de Gabdu. Antes que essas crianças de Gabadu fossem para a terra, Mawu entregou as chaves do futuro para Gabdu. Disse-lhe que aquela era uma casa com dezesseis portas e que cada uma correspondia aos olhos de Gabdu. A árvore de palma em que Gbadu descansou foi chamada de Fa. Assim, quando Gbadu recebeu as chaves, Mawu disse que Legba era o "inspector" do mundo e que desejava que Gbadu fosse o intermediário entre os três reinos e ela mesma. Quando os homens desejassem saber o futuro a fim de guiarem suas acções, deveriam pegar as sementes e jogá-las aleatoriamente e isto abriria os olhos de Gbadu que correspondem ao número de sementes e a ordem em que caíram. Porque as sementes abririam o olho que correspondesse a uma porta na casa do futuro, o destino para quem fossem jogadas poderia ser visto. O que cada casa do futuro continha foi ensinado às três crianças que foram enviadas à terra. As crianças escolhidas para ligarem a terra Gbadu e Legba, consequentemente a Mawu, foram Duwo, Kiti e Zose. Trouxeram sementes da palma com elas, mostrando aos homens como usá-las. Ensinaram e disseram a cada homem o que era seu sekpoli (destino). Disseram que o sekpoli é a alma que Mawu deu a tudo, mas antes de chamar esta alma, deve-se abrir os olhos de Gbadu. É necessário saber o número de olhos de Gbadu que estão abertos antes de chamar esta alma, de modo que se um homem souber o número de linhas que o Fa seguiu para ele, sabia seu sekpoli. Foi dito que nenhum santuário era necessário para a adoração de sekpoli porque o próprio corpo humano já é seu santuário. Quando os três tinham terminado de ensinar aos homens, voltaram ao céu. Mais tarde, Mawu enviou todas as crianças de Gbadu à terra. Foram conduzidos por Legba, que os instalou. Quando voltaram, Zose recebeu o título de Faluwono, também conhecido como Bakonon, que quer dizer "possuidor dos segredos de Fa", que Gbadu tinha lhe dado. Minona tornou-se uma deusa e reside na casa das mulheres, onde ela tece algodão em seu eixo. Duwo recebeu o nome de Bokodaho. Reside nas casas de Pa (crianças de Agbadu), enquanto Kiti e Duwo foram ajudar Zose, que é Faluwono, fazer seu trabalho. Zose joga as sementes da palma. Ele tem somente um pé e, no começo, quando traçava linhas do destino, as pessoas não acreditavam nele. Seu irmão, Aovi, o azarado, foi encarregado de fazer com que as pessoas respeitassem o culto. Hoje, se o Fa disser algo e você não fizer, chama-se Aovi para puni-lo. Então você deve respeitar o Fa. Pa fez uma figura pequena de argila de Legba e colocou-a de um lado de sua casa , Aghannukwe. Abi foi chamado para dar a Minona a mesma função que Aovi tem para o Fa. Abi é cinzas, combustão. É isso que faz com que as mulheres respeitem Minona. Quando uma mulher cozinha e Minona está irritada com ela, o fogo queima-a ou sua casa pega fogo. E é por esta razão que, quando na cerâmica é ateado fogo, está se chamando Abi, porque as cinzas, a combustão, são abundantes. Pouco a pouco as pessoas começaram a compreender o "novo sistema" e porque Aovi é muito severo, o culto passou a ser respeitado. Assim, o culto do Fa espalhou-se em toda parte. Um dia, veio à terra visitar o culto do Fa com Gbadu. Como era seu hábito, compartilharam da mesma esteira para dormir. Mas, tarde da noite, levantou-se secretamente e foi à Minona. Entretanto, Gbadu acordou e descobriu que Legba o tinha enganado com sua própria filha. Discutiram e foram para o Orum levar o caso a Mawu. Legba não admitiu que tinha dormido com Minona. Mawu então, mandou que se despisse. Quando estava nú, Mawu viu que seu pênis estava erecto e disse: "Você me enganou e deitou-se com sua irmã. Por este motivo eu ordeno que seu pênis seja sempre erecto e você não poderá mais saciar-se". Legba mostrou indiferença a esta punição porque jogou com Gbadu antes que Mawu o repreendesse, ordenando que seu pênis ficasse erecto para sempre, assim já sabia o que ia acontecer. É por esta razão, que as danças de Legba são semelhantes a este acontecimento, tentando-se ver o que toda mulher tem na mão.
X
AS ATRIBUIÇÕES DE IFÁ
O povo iorubá conta que IFÁ era um deus que desceu do Orun com a finalidade de ser o porta-voz de Orunmilá, o deus do oráculo.
Sua missão foi organizar o mundo, ajudar na doença e nos partos, ensinar o uso da medicina e dar orientação aos homens que a ele recorressem, sobre todo e qualquer assunto, valendo-se para isso da interpretação dos Odus.
Ifá chegou ao mundo e percorreu diversas localidades, instalando pelo caminho pontos de consulta. Quando chegou a Ile-Ifé instalou-se e ficou sendo o local para sua adoração.
Ifá conhecia todos os idiomas do céu e da terra, e pode orientar os homens de todos os povos e levar suas mensagens a Olorun. Era também médico, e até hoje seus poderes são exaltados nos orin e oriki em seu louvor.
XI
Diz o mito que Obatalá havia reunido todos os materiais necessários à criação do mundo e que mandou a Estrela da Manhã convocar todos os orixás a fim de começar o trabalho com sua ajuda. Mas na hora marcada, apenas Orunmilá apareceu. Obatalá gostou muito da atitude de Orunmilá e o recompensou, ordenando à Estrela da Manhã que revelasse a Orunmilá todos os segredos da criação e do porvir. E ela entregou a Orunmilá todos os segredos e materiais que compõem a vida humana, e que estavam escondidos há muito tempo dentro de uma concha de caramujo guardada num vaso que ficava entre as pernas de Obatalá. Orunmilá tornou-se, desde este dia, o dono dos segredos, das magias, das fórmulas dos ebós, dos rituais, de tudo quanto envolvia o conhecimento da alma humana e de seu destino. Ele conhece a vontade dos orixás e sabe com que matéria foi feito cada homem.
XII
Outro mito narra que Orunmilá/Ifá é filho dos dois princípios mágicos. Que nasceu mudo e não disse uma só palavra até à adolescência, quando seu pai lhe bateu com um bastão. E neste dia ele disse : "Gbê-medji", palavra que ninguém compreendia. Quando apanhou de novo, tempos depois, disse: "Yeku-medji". E assim, em diversas ocasiões, ele foi dizendo palavras, as 16 palavras que compõem o opelê-ifá. Depois, disse a seu pai que se apanhasse mais poderia dizer muito mais que uma só palavra. O pai então bateu muito em Orunmilá, que disse então que ele não ficaria na terra, mas que entregaria a seu pai uma herança que serviria eternamente para todos os deuses de Oxalá. E explicou que os 16 nomes que havia dito eram os nomes de seus futuros filhos e que cada um deles tinha um conhecimento. Que se transformaria numa palmeira e que com os caroços de seus frutos (seus filhos) se faria o jogo de Ifá, que poderia ser consultado quando se quisesse saber o futuro ou como resolver problemas.
XIII
Como Sacrifício ganha de Remédio
Ifá foi consultado por Sacrifício, filho de Òrúnmílá;
Ifá foi consultado por Remédio, filho de Òsányìn;
"...Um dia Òsányìn falou ao rei Àjàláyé que ele, era mais velho que Òrúnmílá, por seu poder e conhecimento ele era muito superior a Òrúnmílá.
Òsányín alardeou à todos os feitiços que costumava fazer e todos os remédios que preparava.
O rei Àjàláyé avisou Òrúnmílá: Òsányìn disse-me que é maior que você. Agora o rei quer saber, se é você que é maior que Òsányìn ou se é Òsányìn que é maior que você.
Òrúnmílá acedeu: verdadeiramente sou mais velho que Òsányìn. Seja lá o que for que o rei disser para testá-los ele o diria no momento. Rei Àjàláyé falou: Que desejava que cada um fosse buscar o filho mais velho.
Ambos os trouxeram. Rei Àjàláyé disse o que deveria ser feito, deveriam enterrar o filho de Òrúnmílá e o filho Òsányìn. Dentro de sete dias se Òrúnmílá fosse mesmo poderoso a criança ainda estaria viva. Quando a desenterrassem, deveria estar falando como uma pessoa viva.
Òsányìn também deveria enterrar seu filho. Se acontecesse que ambos estivessem vivos nenhum seria maior que o outro perante o Rei. Ele concordaria que ambos eram grandes homens. Porém se um dos filhos falassem e o outro não, significaria que um dos dois não era o que proclamava ser.
Òsányìn pediu que lhe trouxessem o filho mais velho. Era Oògùn(Remédio). Òrúnmílá mostrou o seu. Era Ebo (Oferenda).
Um buraco foi cavado e eles foram enterrados. Òrúnmílá foi para casa e consultou Ifá. Estaria seu filho vivo daí a sete dias? A resposta era que deveria oferecer èkuru, bolos de feijão, pimenta da costa, um galo e um bode, um pombo, um coelho e dezasseis búzios.
Òrúnmílá fez as oferendas e preparou-as para serem colocadas em quatro locais, uma, na estrada uma, na encruzilhada uma, para Èsù uma, na praça do mercado.
Òrúnmílá obedeceu às indicações e ofertou o coelho. Èsù colocou nele o seu poder e o coelho cavou um buraco na encruzilhada que foi dar onde o filho de Òrúnmílá estava enterrado. E, assim, o coelho levou alimento para ele. O filho de Òrúnmílá estava comendo.
O filho de Òsányìn, Remédio, possuía muitos feitiços. Ao ficar com fome e nada tinha para comer, colocou sua força na terra que se abriu para ele chegar até o filho de Òrúnmílá. Perguntou: O que você tem comido nestes 3 dias? Ele estava quase morto de fome.
O filho de Òrúnmílá disse que seu pai tinha enviado comida. Remédio pediu que, por favor, lhe desse algo para comer.
Ah! como poderia ele, Oferenda, dar-lhe alguma coisa, Existia uma disputa que os envolvia. Se começasse a alimentá-lo em cinco dias ele não estaria morto, e assim daria vitória ao seu pai ?
Por favor, dê-me comida, quando chegar o dia, quando me chamarem, não responderei. Oferenda, então, alimentou Remédio até que chegou a data.
Chamaram o filho de Òsányìn: Remédio! Remédio! Remédio! Mas ele não respondeu. Certo! Remédio estava morto! Chamaram Oferenda, filho de Òrúnmílá: Oferenda! Ele respondeu: Sim! Oferenda apareceu são e bem disposto. Remédio apareceu são e bem disposto.
Òsányìn perguntou: se você não estava morto, porque não respondeu ? Remédio disse que não poderia Ter respondido Oferenda não lhe deixaria responder, disse que ambos tinham feito um pacto. Que se Oferenda o alimentasse, ele não atenderia o chamado de seu pai, desta forma Òrúnmílá ganharia a senioridade. Disse que se não tivesse comido por sete dias teria morrido. Então tornou-se um provérbio.
Oferenda não deixou Remédio responder Oferenda é mais poderoso que Remédio.
Significa que oferendas, são melhores de confiar do que em remédios.
Assim Òrúnmílá obteve maior prestígio que Òsányìn.
Dizem: Ifá deve ser saudado como "Ifá, aquele que é mais eficaz que qualquer remédio".
ÀYÀNMÓ KÒ GBÓ OÒGÙN.
Que o destino não nos faça usar remédios
XIV
ITAN TI SETILU
Setilu foi uma criança que nasceu cega. Lamentando a sorte ficaram na dúvida em sacrificar ou poupar-lhe a vida a fim de diminuir a carga familiar. Os sentimentos paternos foram mais fortes e a criança foi poupada. Cresceu como uma criança extraordinária pelos seus dotes de adivinhação. Aos cinco anos de idade já exercitava seus dotes, predizendo quem lhe visitaria e com que objectivo. E sua capacidade foi crescendo com trabalhados de magia e cura. No começo de sua prática usou dezasseis pedrinhas para o acto da consulta, conquistando o respeito e admiração de todos. Alguns se tornam seus adeptos e seguidores, mesmo os sacerdotes mais afamados da região. Em razão disso, os maometanos resolveram expulsar Setilu da região. Assim, Setilu cruzou rio Níger e seguiu para Benin, permanecendo algum tempo na cidade de Òwò, daí para Àdó. Depois migrou para Ilé Ifè, ficando aí permanentemente. Logo se tornou famoso. Impressionando a todos e adquirindo confiança quase que absoluta, procurou modificar certos costumes, entre eles o de abolir as marcas tribais - ilà - feitas na face das pessoas, uma vez que esse tipo de corte no rosto não era feito em Tápà, terra de Setilu.
Com o tempo, os coquinhos, as peças de ferro e as bolsas de marfim foram sucessivamente usadas, ao invés de pedrinhas. Actualmente, os coquinhos passaram a ser usados por serem considerados uma forma de conciliação, pois os outros métodos exigem custosos sacrifícios e até sangue humano.
Setilu iniciou vários seguidores nos mistérios do culto a Ifá, e ele se tornou gradativamente o oráculo de consulta de toda a nação yorubá. O sistema empregado para a prática da consulta ainda é o mesmo dos dias actuais.
XV
Um outro relato de oficialização do culto a Ifá foi feita pelo rei Ofiran, filho de Onígbógi
Ónígbógi era um dos filhos do Aláàfin Olúàso com Arùgbá-Ifá, mulher oriunda da cidade de Òtá. Ela estava ausente quando Onígbógi ascendeu ao trono pela morte do pai, e voltou para assisti-lo no seu governo com seus conselhos. Sendo muito supersticiosa e desejando que seu filho tivesse um reinado duradouro e próspero, ela o aconselhou a introduzir o culto a Ifá em Òyó, como uma divindade nacional. Inquirida sobre as oferendas necessárias para Ifá, ela respondeu que eram 16 òkété (espécie de roedor do tipo de rato), 16 bolsas de conchas (búzios), 16 peixes, 16 galinhas, 16 pedaços de tecido e 16 porcos. Diante disto, o conselho da cidade rejeitou a idéia, por não concordar em adorar coquinho. Arùgbá-Ifá retorna para Òtá acompanhada de seus adeptos, levando todas as peças utilizadas no culto: ajé, opón, ajere, òsùn e ìróké. Chegam à cidade chorando muito e se lamentando pela decisão. Indagados sobre a razão do choro, contam o que havia acontecido. O soberano da cidade de Àdó tomou conhecimento e convidou todos a morar com ele. E dessa convivência surgiu a curiosidade do conhecimento das coisas de Ifá. O soberano, Aládó, acabou sendo iniciado nos mistérios, com o que lhe foi conferido, igualmente, o direito de iniciar outras pessoas. Algum tempo depois, no reinado seguinte de Òyó, quando decidiram adoptar o culto a Ifá, foi esse Aládó que foi à cidade fazer a iniciação das pessoas nos mistérios, ritos e cerimónias do culto a Ifá.
XV
Orumilá recebe de Obatalá o cargo de Babalaô
Fazia muito tempo que Obatalá admirava a inteligência de Orumilá.
Em mais de uma ocasião Obatalá pensou em entregar a Orumilá o governo do mundo.
Pensou em entregar a Orumilá o governo dos segredos, os segredos que governam o mundo e a vida do homens.
Mas quando reflectia sobre o assunto acabava desistindo.
Orumilá, apesar da seriedade de seus actos, era muito jovem para missão tão importante.
Um dia, Obatalá quis saber se Orumilá era tão capaz quanto aparentava e lhe ordenou que preparasse a melhor comida que pudesse ser feita.
Orumilá preparou uma língua de touro e Obatalá comeu com prazer.
Obatalá então, perguntou a Orumilá por qual razão língua era a melhor comida que havia.
Orumilá respondeu:
"Com a língua se concede axé, se ponderam as coisas, se proclama a virtude, se exaltam as obras e com seu uso os homens chegam à vitória".
Após algum tempo, Obatalá pediu a Orumilá para preparar a pior comida que houvesse.
Orumilá lhe preparou a mesma iguaria.
Preparou língua de touro.
Surpreso, Obatalá lhe perguntou como era possível que a melhor comida que havia fosse agora a pior.
Orumilá respondeu:
"Porque com a língua se caluniam as pessoas, se destroi a boa reputação e se cometem as mais repudiáveis vilezas".
Obatalá ficou maravilhado com a inteligência e precocidade de Orumilá.
Entregou a Orumilá nesse momento o governo dos segredos.
Orumilá foi nomeado babalaô, palavra que na língua dos orixás quer dizer pai do segredo.
Orumilá foi o primeiro babalaô.
Espero que principalmente nos povo de santo passemos a utilizar nossa língua com mais sabedoria. Ao invés de criticarmos uns aos outros porque não nos unimos?
XVI
ITAN TI ÒRÚNMILÀ
"Um certo dia, Òrúnmilà desejou se personificar em um ser humano. Vestiu-se com folhas de bananeiras como se fosse um maltrapilho e se dirigiu à cidade de Ìwó. Ali, viu o Oba em toda a sua imponência, com seus assistentes e chefes, pois era época de festa anual. Sentou-se em frente à casa do Oba e se verviu das sobras das comidas que jogavam fora. Ao ver isso, o Oba entendeu como um estranho e ordenou que servissem um prato de comida para ele. Mais tarde, Òrúnmilà disse ao Oba que queria dormir um pouco. A fim de se livrar do estranho maltrapilho, o Oba ordenou a seus servidores que preparassem um lugar para ele, com toda a roupa de cama salpicada com fiapos e sementes de uma certa planta que provocava comichão. Òrúnmilà dormiu sobre isto e, quando sentiu coceira pelo corpo, correu para o rio para se banhar. De manhã cedo, foi até o Oba e disse a ele que tinha tido um bom sono. Em seguida, jogou o Òpèlè, o rosário divinatório para o Oba, e fez previsão para ele, dizendo que teria um reinado longo e próspero. Novamente, Òrúnmilà continuou com seu comportamento estranho, comendo sobras de comida, mas predizendo para as pessoas. No seu terceiro dia em Ìwó, a filha do Oba começou a gostar de Òrúnmilà, e decidiu se casar com ele. Todos ficaram horrorizados, uma princesa se casar com o estranho maltrapilho. Mas ela insistiu, e o Oba teve de concordar, dividindo seus bens com Òrúnmilà, em forma de dote. Òrúnmilà, então, foi viver fora da cidade com a princesa. Ficou dono de muitos bens, passou a ter assistentes e muitos cavalos, devido aos presentes que recebeu do Oba.
Assim, quando as pessoas perguntavam quem era sua esposa, Òrúnmilà respondia que era a humilhação que sofreu em Ìwó. Ìyà significa humilhação, e Ìwó, o nome da cidade onde sofreu a humilhação. As duas palavras formam Ìyá Ìwó, e que veio a se tornar Ìyàwó. Desse momento em diante, os yorubá se referiram à noiva de Òrúnmilà como Ìyàwó, que assim, passou a ser palavra que define a esposa."
XVII
ITAN TI ÒRÚNMILÀ
Essa história se passa em Ifè, quando Òrúnmilànão tinha filhos e seus opositores se vangloriavam de que ele jamais teria filhos em Ifè. Mas 0estavam enganados, pois mais tarde Òrúnmilà teve oito filhos: o primeiro foi Ajerò, o seguindo Olóyémoyin, em seguida Alákegi, Ótangi, Òlélé, Eléjèlúmòpé, Owárangún e o último Olówó, o caçula do grupo e rei da cidade de Òwò.
Durante sua importante solenidade, quando Òrúnmilà celebrava um ritual, ele mandou chamar todos os filhos que haviam se tornado altos chefes de seus próprios domínios. Ao chamado acorreram todos, prestando obediência ao pai, com a saudação àbòrúbòyè bo síse - "que os rituais sejam abençoados e aceitos". Porém, o mais moço dos filhos Olówò, recusou-se a saudar o pai, além de estar vestido do mesmo modo que Òrúnmilà, o que simbolizava sua rejeição à autoridade e superioridade paterna. Permanecendo de pé, provocou um diálogo ríspido com Òrúnmilà, que, enfurecido, arranca o batão de òsùn empunhado por Olówò, o que significava por simbolismo a cassação de sua autoridade. O bastão de òsùn é uma espécie de cajado pertencente a uma antiga divindade yorubá e usado apenas pelos altos sacerdotes de Ifá, como símbolo de autoridade e superioridade. A retirada do bastão representaria, protanto, a cassação da autoridade que Òrúnmilà havia conferido aos filhos como importantes seguidores de sacerdote.
Mas a reacção do pai diante da acção prepotente do filho não parou aí. Provocou o retorno de Òrúnmilà ao òrun, onde se estabeleceu ao pé de uma palmeira de dendezeiro - igi ope - cujos ramos brotavam aqui e ali dezasseis coquinhos. O resultado dessa situação foi a fome, a peste, a confusão total na Terra, uma vez que Òrúnmilà representava o princípio da ordem, sabedoria, fertilidade e continuidade na face jovem do planeta. Sua partida da Terra, portanto, trouxe o caos total. As chuvas cessaram imediatamente. O ciclo da fertilidade das plantas e dos animais foi desfeito, ameaçando de total extinção do homem e o seu ambiente. Diante desse quadro, todos clamavam pela volta de Òrúnmilà. Foram pedir aos filhos que rogassem ao pai pela sua volta a fim de que a ordem pudesse ser restaurada. Quando os filhos chegaram ao òrun (na mitologia yorubá, na época, não havia separação física entre o Céu e a Terra), rogaram ao pai pela sua volta, entoando palavras de louvor. Mas Òrúnmilà negou-se terminantemente a segui-los e pediu que todos estendessem as mãos à frente e deu-lhes dezasseis coquinhos - ikin - da palmeira sagrada da divinização de Ifá. Disse ele: "Quando chegarem em casa, se desejarem possuir dinheiro, esposa e filho, é isto que deverão consultar se desejarem roupas, casa de morar e todas as boas coisas da Terra, é isto que deverão consultar".
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