segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

LENDAS DE OBALUAIYÊ

I

Nanã era considerada a deusa mais guerreira de Daomé. Um dia, ela foi conquistar o reino de Oxalá e se apaixonou por ele. Mas este não queria se envolver com outra orixá que não fosse sua amada esposa Iemanjá. Por isso, explicou tudo a Nanã, mas ela não se fez de rogada.

Sabendo que Oxalá adorava vinho de palma, embriagou-o. Ele ficou tão bêbado que se deixou seduzir por Nanã, que acabou ficando grávida. Mas por ter transgredido uma lei da natureza, deu a luz a menino horrível, não suportando vê-lo, lanço-o no rio. A criatura foi mordida por caranguejos, ficando toda deformada; por sua terrível aparência, passou a viver longe dos outros orixás.

De tempos em tempos os orixás se reuniam para uma festa. Todos dançavam, menos Obaluaê, que ficava espreitando da porta, com vergonha de sua feiura. Ogum percebeu o que acontecia e, com pena, resolveu ajudá-lo, trançando uma roupa de mariwo - uma espécie de fibra de palmeira - que lhe cobriu todo o corpo. Com este traje ele voltou a festa e despertou a curiosidade de todos, que queriam saber quem era o orixá misterioso. Iansã, a mais curiosa de todas, aproximou-se; neste momento, formou-se um turbilhão e o vento levou a palha, revelando um rapaz muito bonito. Desde então os dois orixás vivem juntos, e é por isso que a Segunda-feira é considerada a eles, que tem o poder de reinar sobre os mortos.

II

Nanan, esposa de Orixalá, gerou e deu à luz a um filho. Sua criação não foi perfeita, nascendo uma criança doente, com muitas chagas recobrindo seu pequeno corpo. Ela não conseguia imaginar que maldição era aquela, que trouxe de suas entranhas uma criatura tão infeliz!

Sentindo-se impossibilitada de cuidar daquela criança, pois mal conseguia olhar para ela, resolveu deixá-la perto do mar. Se a morte a levasse seria melhor para todos.

Yemonjá, que estava saindo do mar, viu aquele pequeno ser deitado nas areias da praia. Ficou olhando por algum tempo, para ver se havia alguém tomando conta dele, mas ninguém aparecia. Então, a grande divindade das água foi ver o que estava acontecendo. Quando chegou mais perto, pôde compreender que aquela criança tinha sido abandonada por estar gravemente enferma. Sentindo uma imensa compaixão por aquela pobre criatura, não pensou em mais nada, a não ser em adotá-lo como a um filho.

Com seu grande instinto maternal, Yemonjá dispensou a ele todo o carinho e os cuidados necessários para livrá-lo da doença. Ela envolveu todo o corpo do menino com palhas, para que sua pele pudesse respirar e, assim, fechar as chagas.

Obaluayê cresceu e continuou usando aquele tipo de roupa, e ninguém, a não ser sua querida mãe, tinha visto seu rosto. Era um ser austero e misterioso, provocando olhares curiosos e assustados de todos. Ninguém conseguia imaginar o que se escondia sob aquelas palhas.

Oyá, certa vez, o encarou, pedindo que descobrisse seu rosto, pois queria desvendar, de uma vez por todas, aquele mistério. Obaluayê, sem lhe dar a menor atenção, negou-se a fazê-lo. Ela, que nunca se deu por vencida, resolveu enfrentá-lo. Usando toda sua força, evocou o vento, fazendo voar as palhas que o protegiam.

Quando a poeira assentou, Oyá pode ver um ser de uma beleza tão radiante, que só poderia ser comparado ao sol. Nem mesmo ela, como orixá, conseguia erguer os olhos para ele. Assim, todos entenderam que aquele mistério deveria continuar escondido.

III

Uma outra lenda nos mostra que esse poderoso orixá, em suas andanças pelo mundo, pode presenciar o desenrolar de muitas guerras. Os povos que Olorun criou e deu vida brigavam por um pedaço de terra. Muitas pessoas morriam, para que seus líderes pudessem conquistar extensões maiores para seu reinado. Os limites, para esses guerreiros, eram insuperáveis, e as guerras não tinham mais fim. Obaluayê não entendia o motivo destas guerras, já que Olorun havia criado a terra para todos.

As lutas traziam muita dor e destruição, e ninguém mais sabia dar o devido valor à vida humana. Os homens só pensavam em seus interesses materiais.

Obaluayê, indignado com essa situação, resolveu mostrar a eles que a vida é o maior tesouro que alguém pode ter.

O poderoso orixá traçou, então, com seu cajado, um grande círculo no chão, no centro dos conflitos. Colocou dentro dele todo tipo de doença existente. Todo guerreiro, que por ali passasse, iria contrair algum tipo de doença.

De fato, foi o que aconteceu. Muitas pessoas adoeceram, inclusive os líderes dos exércitos. Só isso conseguiu por fim às guerras.

As doenças se transformaram em epidemias, deixando populações inteiras à beira da morte.

Um babalawô revelou o mau presságio, pedindo a todos que refletissem sobre o que estava acontecendo, por culpa deles próprios. Obaluayê havia mandado essas mazelas para a terra, a fim de mostrar que, enquanto temos saúde e uma vida plena, não devemos nos preocupar excessivamente com coisas materiais. Desta vida nada se leva, a não ser o conhecimento e a experiência que acumulamos.

Assim, os que aceitaram esses desígnios e fizeram oferendas, conforme explicou o babalawô, conseguiram livrar-se de suas enfermidades e restabelecer sua dignidade. Mas, infelizmente, nem todos agiram assim.

Talvez, por isso, existam tantos povos africanos vivendo do mesmo jeito há milhares de anos, tentando não se desligar da natureza.

IV

Atotô

Xapanã nasceu em Empê, no território Tapá, também chamado, Nupê.

Era um guerreiro terrível que, seguido de suas tropas, percorria o céu e os quatro cantos do mundo. Ele massacrava sem piedade aqueles que se opunham à sua passagem. Seus inimigos saíam dos combates mutilados ou morriam de peste.

Assim, chegou Xapanã em território Mahí, no Daomé. A terra dos Mahis abrangia as cidades de Savalú e Dassa Zumê.

Quando souberam da chegada iminente de Xapanã, os habitantes desta região, apavorados, consultaram um adivinho. E assim ele falou: "Ah! O Grande Guerreiro chegou de Empê! Aquele que se tornará o senhor do país! Aquele que tornará esta terra rica e próspera, chegou! Se o povo não o aceitar, ele o destruirá!

É necessário que supliquem a Xapanã que os poupe. Façam-lhe muitas oferendas; todas as que ele goste: inhame pilado, feijão, farinha de milho, azeite de dendê, picadinho de carne de bode e muita, muita pipoca!

Será necessário também que todos se prosternem diante dele, que o respeitem e o sirvam. Logo que o povo o reconheça como pai, Xapanã não o combaterá, mas protegerá a todos!"

Quando Xapanã chegou, conduziu seus ferozes guerreiros, os habitantes de Savalú e Dassa Zumê reverenciaram-no, encostando suas testas no chão, e saudaram-no:

"Totô hum! Totô hum! Atotô! Atotô!"

"Respeito e Submissão!"

Xapanã aceitou os presentes e as homenagens, dizendo: "Está bem! Eu os pouparei! Durante minhas viagens, desde Empê, minha terra natal, sempre encontrei desconfiança e hostilidade. Construam para mim um palácio. É aqui que viverei a partir de agora!"

Xapanã instalou-se assim entre os Mahis. O país prosperou e enriqueceu e o Grande Guerreiro não voltou mais a Empê, no território Tapá, também chamado Nupê.

Xapanã é considerado o deus da varíola e das doenças contagiosas. Ele tem também o poder de curar. As doenças contagiosas são, na realidade, punições aplicadas àqueles que o ofenderam ou conduziram-se mal. Seu verdadeiro nome é perigoso demais pronunciar. Por prudência, é preferível chamá-lo Obaluaê, o "Rei, Senhor da Terra" ou Omulú, o "Filho do Senhor".

Quando Xapanã instalou-se entre os Mahis recebeu, em uma nova terra, o nome de Sapatá. Aí, também, era preferível chamá-lo Ainon, o "Senhor da Terra", ou, então, Jeholú, o "Senhor das pérolas".

O fato de ser chamado Jeholú e Ainon causou mal-entendidos entre Sapatá e os reis do Daomé, pois eles também usavam estes títulos.

Enciumados, os Jeholú de Abomey expulsaram, várias vezes, Jeholú Ainon do Daomé e obrigaram-no a voltar momentaneamente, à terra dos Mahis.

Jeholú Ainon vingou-se: vários reis daomeanos morreram de varíola!

Atotô!

V

Por causa do feitiço usado por Nanã para engravidar, Omolu nasceu todo deformado. Desgostosa com o aspecto do filho, Nanã abandonou-o na beira da praia,para que o mar o levasse. Um grande caranguejo encontrou o bebê e atacou-o com as pinças, tirando pedaços da sua carne. Quando Omolu estava todo ferido e quase morrendo, Iemanjá saiu do mar e o encontrou. Penalizada, acomodou-o numa gruta e passou a cuidar dele, fazendo curativos com folhas de bananeira e alimentando-o com pipoca sem sal nem gordura até que o bebê se recuperou. Então Iemanjá criou-o como se fosse seu filho.

VI

Omolu tinha o rosto muito deformado e a pele cheia de cicatrizes. Por isso, vivia sempre isolado, se escondendo de todos. Certo dia, houve uma festa de que todos os Orixás participavam, mas Ogum percebeu que o irmão não tinha vindo dançar. Quando lhe disseram que ele tinha vergonha de seu aspecto, Ogum foi ao mato, colheu palha e fez uma capa com que Omolu se cobriu da cabeça aos pés, tendo então coragem de se aproximar dos outros. Mas ainda não dançava, pois todos tinham nojo de tocá-lo. Apenas Iansã teve coragem; quando dançaram, a ventania levantou a palha e todos viram um rapaz bonito e sadio;e Oxum ficou morrendo de inveja da irmã.

VII

Quando Obaluaê ficou rapaz, resolveu correr mundo para ganhar a vida. Partiu vestido com simplicidade e começou a procurar trabalho, mas nada conseguiu. Logo começou a passar fome, mas nem uma esmola lhe deram. Saindo da cidade, embrenhou-se na mata,onde se alimentava de ervas e caça, tendo por companhia um cão e as serpentes da terra. Ficou muito doente.Por fim, quando achava que ia morrer, Olorun curou as feridas que cobriam seu corpo. Agradecido, ele se dedicou à tarefa de viajar pelas aldeias para curar os enfermos e vencer as epidemias que castigaram todos que lhe negaram auxílio e abrigo.

VIII

Chegando de viagem à aldeia onde nascera, Omulu viu que estava acontecendo uma festa com a presença de todos os orixás. Omulu não podia entrar na festa, devido à sua medonha aparência. Então ficou espreitando pelas frestas do terreiro. Ogum, ao perceber a angústia do orixá, cobriu-o com uma roupa de palha, com um capuz que ocultava seu rosto doente, e convidou-o a entrar e aproveitar a alegria dos festejos. Apesar de envergonhado, Omulu entrou, mas ninguém se aproximava dele. Iansã tudo acompanhava com o rabo do olho. Ela compreendia a triste situação de Omulu e dele se compadecia. Iansã esperou que ele estivesse bem no centro do barracão. O xirê estava animado. Os orixás dançavam alegremente com suas equedes. Iansã chegou então bem perto dele e soprou suas roupas de palha, levantou-lhe as palhas que cobriam sua pestilência. Nesse momento de encanto e ventania, as feridas de Omulu pularam para o alto, transformadas numa chuva de pipocas, que se espalharam brancas pelo barracão. Omulu, o deus das doenças, transformara-se num jovem, num jovem belo e encantador.

Omulu e Iansã Igbalé tornaram-se grandes amigos e reinaram juntos sobre o mundo dos espíritos dos mortos, partilhando o poder único de abrir e interromper as demandas dos mortos sobre os homens.

Lenda concedida por Reginaldo Prandi - Prof. de Sociologia da USP.

IX

Frobenius escreveu que lhe contaram que Xapana, havia sido rei dos Tapas.

Algumas lendas de Ifá confirmam esta suposição: "Obaluaye era originário de Empe (Tapa) e havia levado os seus guerreiros em expedição aos quatro cantos da terra. Uma ferida feita pelas suas flechas tornava as pessoas cegas, mancas.

Obaluaye-Xapana, chegou assim ao território Mahí ao norte de Dahomey, vencendo e dizimando os seus inimigos, e logo depois de massacrar e destruir tudo o que se encontrava no seu caminho. Os Mahis consultaram o Babalawo, aprenderam como acalmar Xapana com oferendas de pipoca. Asim, tranquilizado pelas atenções recebidas, Xapana mandou construir um palácio onde ele passaria a viver, não voltando mais ao país de Empe. Os Mahi prosperaram e tudo se acalmou. Apesar de ter escolhido, Xapana continua sendo saudado como "Kabiyes! À Olutapa Lempe (Rei de Nupe no país de Empe". A origem tapa de Obaluaye parece confirmada pela suposição de ser o irmão mais velho de Xango, este também nascido em Empe.

X

Outras das lendas existentes sobre a origem de Sapata-Sanponna: "Um caçador Molusi (iniciado de Omulu) viu passar um antílope (agbanlin), intentando matar o animal, mas este levanta uma de suas patas dianteiras e anoiteceu em pleno dia. Pouco depois a claridade voltou e o caçador encontrou-se em presença de um Aziza, (Aroni, em Yoruba), que declarou ter a intenção de dar-lhe um poderoso talismã para ele colocar num montículo de terra que deveria levantar em frente à sua casa. Também lhe deu um apito, com o qual lhe chamaria em caso de necessidade. Sete dias depois uma epidemia de varicela começou a açolar a região. O Molusi voltou à floresta e soprou o apito. Aziza lhe apareceu dizendo que aquele era o poder de Sapata e que era preciso construir para ele um templo onde todo o mundo deveria, obedecer ao Molusi. Assim Sapata instalou-se em Pingini Vedji". As proibições de Sapata com relação a Agbalin são galinha de angola (sonu), um peixe chamado sosogulo, cujas espinhas são atravessadas, e o carneiro. As oferendas indicadas são o cabrito, galos, porcos. No culto a Sapana-Obaluaye, segundo Frobenius o deus Xapana: de origen Tapa, que eles chamam Sanponna-Airo, não é outro que o que tinha ido a Oyo, vindo de Dahome que eles chamam Sanponna-Boku, aproximando-se assim a Nana-Buruku que demostra os laços existentes entre Obaluaye e Nana-Buruku.

XI

Owonrin Meji fazia parte do elenco de Oduduwa e vivia em sua companhia e de seus irmãos, num lugar lá no alto.

Ele era por demais violento, atacava indiscriminadamente homens e animais e não hesitava em abater maldosamente a quem avistasse.

Descontente, Oduduwa mandou chamá-lo a sua presença mas, temendo ser castigado, Owonrin Meji refugiou-se sobre a Terra.

Descoberto a esconderijo, Oduduwa ordenou que se transformasse em Sakpata e que passasse a viver para sempre na Terra em que vivem os homens e os bichos. É por isso que, sempre que alguém faz um juramento sobre Sakpata, deve recolher uma pitada de terra do chão e engolir.

XII

Existem duas qualidades de Sakpata, um chamado Zunxolu, Rei da Floresta, é selvagem e o outro, chamado Je-Xolu, Rei das Pérolas, é doméstico.

Je-Xolu possuia duzentos cavalos e igual número de bois, galinhas d’Angola, igbis, galinhas e galos caipiras, cabritos, cães, gatos e porcos. Era nesta época solteiro e, todo animal que começasse a criar reproduzia-se abundantemente, mas por proibição de Owonrin Meji, signo pelo qual veio ao mundo, estava impedido de abater qualquer animal.

Certo dia um desconhecido, abatido pela fome, bateu em sua porta e Je-Xolu,, não tendo como alimentá-lo, sacrificou uma galinha, oferecendo-a ao estranho.

No outro dia surgiu outro estranho, ao qual foi oferecido um cabrito. No outro dia a um terceiro, foi oferecido um porco, a um quarto, um cavalo e depois, a um outro, um boi.

Desta forma foi sendo abatido um animal de cada espécie, até que chegou a vez da galinha d’Angola que, na hora de ser sacrificada, pôs-se a gritar: "Tu vais me matar! Tu vais me matar!" Com estes gritos todos os animais despertaram.

Na manhã seguinte, os animais se reuniram num lugar secreto e constataram que, de cada espécie, faltava uma unidade e concluíram: "é isto o que nosso dono pretende fazer a todos nós, ele nos matará a todos"

Naquele tempo, Zunxolu nada possuía de seu, nem jamais fizera qualquer prece a Oduduwa para que o grande Vodun dispensasse alguns bens em seu favor.

No dia exacto em que os animais pertencentes a Je-Xolu estavam reunidos, Zunxolu passou pelo local, havendo se alimentado somente de ervas, por todo o caminho, cujos restos ia abandonando em seu percurso.

Os animais vendo as folhas e raízes caídas no chão, foram seguindo a trilha, acabando por chegar a casa de Zunxolu que, neste exacto momento, tinha diante de si uma galinha d’Angola que se destinava a um sacrifício. Vendo a casa invadida por tantos animais, entre os quais inúmeras galinhas d’Angola, Zunxolu pegando um pouco de oshe-dudu (*) salpicou de preto sua galinha para que não se confundisse com as muitas que acabaram de chegar. É preciso que se saiba que, naquela época, as galinhas d’Angola eram inteiramente brancas.

Quando todos os animais acabaram de entrar em sua casas, Zunxolu tocou-os todos para dentro de um grande aposento que possuía, trancando-os. Depois, munido de um sino, pôs-se a badalar para apressar alguns animais que pudessem ter se atrasado no caminho.

No dia Seguinte, Je-Xolu dando falta de seus bichos, resolveu sair para procurá-los e, seguindo as pegadas chegou a casa de Zunxolu, a quem, depois de saudar, perguntou: "Todos os meus animais desapareceram, não terá você visto para onde eles foram?"

"Não, tenho aqui apenas uma galinha d’Angola que crio para oferecer em sacrifício!" respondendo o outro, mostrando sua galinha d’Angola.

Todos os animais presos no quarto, ouviram a conversa e, apesar de reconhecerem a voz de seu verdadeiro dono, ficaram bem quietos para não terem que seguí-lo de volta, correndo o risco de serem posteriormente sacrificados para servirem de alimentos para alguém.

Foi assim que Zunxolu ficou com tudo e Je-Xolu sem nada. É por isto que quando a varíola entra numa casa não se deve imolar qualquer animal, nem permitir que corra sangue no chão. Se esta regra não for obedecida, a fúria da doença será incontrolável e ela transformando-se em epidemia, se alastrará por todo o país.

Não se deve violar a interdição de Sakpata.

(*) Sabão preto - Sabão da Costa.

XIII

Xapanã nasceu em Empê, no território Tapá, também chamado, Nupê. Era um guerreiro terrível que, seguido de suas tropas, percorria o céu e os quatro cantos do mundo. Ele massacrava sem piedade aqueles que se opunham à sua passagem. Seus inimigos saíam dos combates mutilados ou morriam de peste. Assim, chegou Xapanã em território Mahí, no Daomé. A terra dos Mahis abrangia as cidades de Savalú e Dassa Zumê. Quando souberam da chegada iminente de Xapanã, os habitantes desta região, apavorados, consultaram um adivinho. E assim ele falou: "Ah! O Grande Guerreiro chegou de Empê! Aquele que se tornará o senhor do país! Aquele que tornará esta terra rica e próspera, chegou! Se o povo não o aceitar, ele o destruirá! É necessário que supliquem a Xapanã que os poupe. Façam-lhe muitas oferendas; todas as que ele goste: inhame pilado, feijão, farinha de milho, azeite de dendê, picadinho de carne de bode e muita, muita pipoca Será necessário também que todos se prosternem diante dele, que o respeitem e o sirvam. Logo que o povo o reconheça como pai, Xapanã não o combaterá, mas protegerá a todos!" Quando Xapanã chegou, conduziu seus ferozes guerreiros, os habitantes de Savalú e Dassa Zumê reverenciaram-no, encostando suas testas no chão, e saudaram-no:

"Totô hum! Totô hum! Atotô! Atotô!"

Xapanã aceitou os presentes e as homenagens, dizendo: "Está bem! Eu os pouparei! Durante minhas viagens, desde Empê, minha terra natal, sempre encontrei desconfiança e hostilidade. Construam para mim um palácio. É aqui que viverei a partir de agora!" Xapanã instalou-se assim entre os Mahis. O país prosperou e enriqueceu e o Grande Guerreiro não voltou mais a Empê, no território Tapá, também chamado Nupê. Xapanã é considerado o deus da varíola e das doenças contagiosas. Ele tem também o poder de curar. As doenças contagiosas são, na realidade, punições aplicadas àqueles que o ofenderam ou conduziram-se mal. Seu verdadeiro nome é perigoso demais pronunciar. Por prudência, é preferível chamá-lo Obaluaê, o "Rei, Senhor da Terra" ou Omulú, o "Filho do Senhor". Quando Xapanã instalou-se entre os Mahis recebeu, em uma nova terra, o nome de Sapatá. Aí, também, era preferível chamá-lo Ainon, o "Senhor da Terra", ou, então, Jeholú, o "Senhor das pérolas". O fato de ser chamado Jeholú e Ainon causou mal-entendidos entre Sapatá e os reis do Daomé, pois eles também usavam estes títulos. Enciumados, os Jeholú de Abomey expulsaram, várias vezes, Jeholú Ainon do Daomé e obrigaram-no a voltar momentaneamente, à terra dos Mahis Jeholú Ainon vingou-se: vários reis daomeanos morreram de varíola!

Atotô!

XIV

Esta é uma das variáveis da lenda do Olubajé: Todos os Orixás davam grandes festas mas não convidavam Omolu pelo medo da grande fama de doenças que o acompanhavam. Não sabiam eles que Omolu não só trazia as doenças como também as levava. Omolu muito triste pelo fato de nunca ser convidado resolveu fazer uma grande festa para todas as pessoas que estavam doentes. Neste banquete Omolu fez a comida que representava a todos os Orixás e disse: Todos vocês que comem neste momento comam mas sempre deixem um pouco sobre a folha para que seja passado pelo corpo como um ebó pedindo apenas saúde. Omolu curou a todas as pessoas que naquela festa estavam, sendo assim o Olubajé ficou conhecido como um grande ebó para a saúde da humanidade.

XV

Outra variável, mais completa desta vez

Sàngó viva sempre em ira. Por isso todos seus servos e esposas procuravam sempre agradá-lo. Querendo fazer-lhe uma surpresa, suas esposas Oyá, Òsún e Obà decidiram fazer uma grande homenagem à Sàngó com todas suas comidas de preferência. Convidaram os outros Òrìsà e cada um traria seu ajeum de preferência para agradar Sàngó; este ficou muito contente ao ver todos, mas notou a falta de Obàlúaiyé.Todos ficaram desapontados pois esqueceram de convidar Obàlúaiyé. Imediatamente a pedido de Sàngó, Obatalá deu ordens para que preparassem épa (amendoim) e ebá (mingau de farinha de mandioca e omi), que todos Òrìsà levassem seus pratos e agrados para a Terra de Obàlúaiyé. À frente seguia Esù, levando em sua cabeça um ekodidé e em seus braços muita carne de bode temperada e inúmeros servos levando emu (vinho de Palma). Chegando, todos chamaram por Obàlúaiyé: Ilé gbi gbona o! Você que é a Terra quente dos ancestrais!Obàlúaiyé ficou muito contente e disse: que na véspera, ojo awo (dia de Ifá e Esù, dia do segredo), seus Bàbálawo previram todo o ocorrido, e que ele era a Terra, tendo se esquecido dele, haviam se esquecido da Terra, e também dos seres humanos, dos quais a Terra é a matéria prima. Sugeriu que a esteira fosse arriada no chão da praça da aldeia e que todos habitantes fossem convidados a participar do ajeum sem restrições. Desta forma as árvores dariam frutos, as mulheres teriam filhos, os animais se reproduziriam, os caçadores voltariam vitoriosos de suas caçadas. No término de tudo Obàlúaiyé propôs que todos anos na época de chuvas leves, quando a terra se abrisse para deixar sair seus frutos, essa festa se repetisse. Enquanto Òrìsà habitar Ilu Aiyé (o planeta Terra, o mundo), vivendo nos Ilé (templos), no Okan (coração) e no Orí (cabeça) dos seres humanos, haverá a festividade do Olubajé (O Deus abençoa os alimentos), em louvor à Terra que dá as comidas de homens e de Òrisá. E todos cantam até hoje: A! E! Olubajé, Olubajé ajeum bó (O Deus (Obàlúaiyé) abençoa as comidas, vamos louvar o alimento).

XVI

Segundo algumas pesquisas Obàlúaiyé não aparece na lista de Odùduá. Acredita-se que este tenha vindo antes, pois o mesmo já se encontrava instalado em Okè Itase. A lenda diz que foi antes mesmo da chegada de Òrúnmìlà.O seu culto parece ser muito antigo, pois não aparecem instrumentos de ferro, o que mostra a sua chegada antes da Idade do Ferro. Algumas lendas falam da disputa entre Obàlúaiyé e Ògún, recusando-se a reconhecer a antiguidade do Deus do ferro. Essa disputa pode ser interpretada como o choque de religiões pertencentes à civilizações distintas, que surgiram num mesmo lugar antes e depois da Idade do Ferro e da mistura dos povos; alguns do oeste e outros do leste. Provavelmente sua origem venha de Tapá (ou Nupê).As pessoas confundem Sàmpònná, sob o nome de Omolu (filho do Senhor), Obàlúaiyé (Rei dono da Terra), em alguns oríkì recolhidos nas aldeias de Ketu e Abeokutá: "Meu pai, filho de Savé Opara. Meu pai que dança sobre o dinheiro. Ele dorme sobre o dinheiro e mede suas pérolas em caldeirões. Caçador negro que cobre o corpo com palha-da-costa. Não encontrei outros Òrìsà que façam como ele. Uma roupa de pele adornada com pequenas cabaças. Não queremos falar (mal) de alguém que mata e come gente. Veremos voltar, na estrada do compo, o cadáver inchado daqueles que insultam Omolu. Ninguém deve sair sozinho ao meio-dia" . Esta última saudação é uma alusão ao nome de Okodé (proprietário do exterior), dado a Omolu e a sua presença habitual nas ruas, em horas de sol intenso, ao meio-dia... e o perigo que podem correr as pessoas desprovidas de talismãs protectores. Uma parte das cerimónias de Obàlúaiyé em Ifanhim, passa-se no mercado, que tem a mesma forma de barracas; ou seja, quatro pilastras e um simples telhado, onde o lugar sagrado à entidade é coberto por uma grande panela de barro emborcada. Isso se justifica pela presença, nesse local, de um de seus templos. Seus filhos apresentam tendências masoquistas e gostam de mostrar seus sofrimentos e tristezas tirando destes uma satisfação íntima. São incapazes de se sentirem bem com a tranquilidade. Atingem situações materiais muito boas, e rejeitam todas essas vantagens por causa de certos escrúpulos imaginários. "Awa kò fo ni o mo pa ni je - Não falamos (ou não temos o costume de falar) de alguém que mata e come (as pessoas)".Opanijé é o ritmo sagrado que significa: aquele que mata e come. Este Òrìsà esta relacionado a todas as doenças de pelo, eruptivas, encaradas como castigos aos seres humanos. A varíola dizimou populações e os sacerdotes de Obàlúaiyé se encarregavam de tratar os doentes, aqueles que eram salvos iniciavam-se no culto à este Òrìsà.Algumas Ilés mantém a tradição de não usar ferro para Obàlúaiyé, em outras apenas Nanã não utiliza.

"Atoto Omolu Obàlúaiyé, omo Òrìsà Ale Bàbá Xoroxo, Egungun olá. Òrisá Sonkponna, ko si iku, ko si arun". "Silêncio em louvor a Omolu Obàlúaiyé, filho do Òrìsà cultuado em Ale, Pai magro e alto, Ancestral da riqueza, Òrisá da varíola, que não haja morte, que não haja doença". As proibições alimentares dos filhos de Obaluaye são carne de carneiro, peixe de água doce de pele lisa, caranguejos, banana-prata, jacas, melões, abóboras, e frutos de plantas trepadeiras. Acredita-se que ele é filho de Nanã Buruku e originário, como ela e Bessen, do país Mahi.Os "pejís" destes três Orixás são, por esse motivo, reunidos numa mesma "cabana", separada das dos outros Orixás.

XVII

Também conhecido como Obaluaê (do iorubá Obaluaiyé ), é o orixá da humildade, senhor da doença, médico dos médicos, durante o dia vem em forma de cura, sanando todos aqueles que necessitam, à noite vem como a morte, recolhendo os que de alguma forma chegou a hora.

Filho primogénito de Oxalá com Nanã, Omulu (do iorubá Omolu ) era dotado de uma grande criatividade e timidez, foi o precursor da caridade, da humildade e do desapego material. Foi um grande pensador que andava pelos reinos semeando a sabedoria.

Médico dos pobres, senhor absoluto de todas as doenças de pele e infecciosas.

Protector dos desamparados, humildes, doentes e médicos.

XVIII

ITAN TI OBÀLUÀIYÉ

Omolu, um dos filhos de Nanan, nasceu na ocasião em que fazia uma viagem de Dakar para Axabá, muito doente e cheio de feridas, tendo sido por essa razão abandonado pela mãe e acolhido por sua irmã Iyemoja, que o criou.

Logo que cresceu e tomando conhecimento de sua moléstia, começou a fugir das pessoas, se enfiando nas matas, dando assim muito trabalho a Iyemoja. A fim de facilitar-lhe a tarefa de achar o filho adoptivo, Iyemoja pendurou em suas roupas diversos guizos. Então todas às vezes que o menino se escondia no mato, ficava fácil localizá-lo pelo barulho dos guizos.

XIX

ITAN TI OBÀLUÀIYÉ

Um dia em que todos os orixás reunidos no palácio de Obatalá dançavam e se divertiam, Omolu tentou imita-los. Mas este orixá é coxo e devido à sua enfermidade tropeçou e caiu. Deuses e deusas romperam em ruidosas gargalhadas. Furioso e fulo de cólera, Omolu jurou vingar-se e tentou infectar a todos os deuses de varíola. Interveio Obatalá que, de espada em punho, empurrou Omolu até à porta do palácio, e proibindo-lhe dali por diante de conviver com os outros deuses.

XX

ITAN TI OBALUÀIYÉ

Diz uma antiga lenda que Obaluaiye era filho de Nanan e que, devido a doença de que era portador, quase não parava em casa. Empreendia longas e demoradas andanças pelas estradas e caminhos, durante as quais aconteciam coisas com sua família que ela não tomava, absolutamente, conhecimento.

Num desses afastamentos encontrou Iyemoja que, compadecendo-se do seu estado, começou a curar-lhe as feridas. Resolvendo dar uma passada em casa, onde já não ia há tempo, ao se aproximar dela, uma pequena multidão formava em sua porta, não ligando, porém, aparentemente, para o que estava vendo. Acontece que aquilo decorria do fato de haver falecido sua mãe, coisa que a distância percebeu, não deixando, no entanto, transparecer, quando se aproximou, o que ia dentro de si. De repente, um vizinho, acercando-se dele disse-lhe: "Òbáluàiyé, sua mãe morreu.". E ele , com os olhos cheios de lágrimas, retrucou:

Bé ló leró

Ruá ló, yá-fibo

Bé ló leró

Ruá ló, yá-fibo

A cantiga por ele colocada como resposta à comunicação do vizinho é própria para despachar os mais fortes carregos da seita do candomblé, mas só deve, exactamente por isso, ser cantada por quem de fato sabe, já que esta cantiga quer dizer o seguinte:

"Se ela morreu, que ela vá para o espaço; quem morreu, que se dane".

E assim ele despachou o espírito de sua mãe. A seguir Òbáluàiyé saiu e, triste, fez uma roupa preta, vermelha e branca, em sinal de luto pela morte de sua mãe.

Este o motivo por que são as cores de suas contas. Depois disso, novamente retirou-se, agora com a intenção de encontrar Iyemoja, a quem disse:

"Já que me curavas e que me entendias, quero, uma vez que minha mãe se foi, pedir-te que sejas para mim a mãe que já não tenho e que soubeste ser quando me curaste as feridas".

Por isso é que se diz, com base na lenda, que Iyemoja criou Òbáluàiyé.

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