segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Os orixás protegem os desvalidos

Era uma vez um homem que tocava tambor na rua enquanto cantava e dizia que, enquanto o seu anjo guardião não vendesse não haveria Rei que pudesse fazer-lhe nada. Um seu inimigo ouviu-o um dia e foi contar ao Rei da cidade. Este mandou buscar o homem e lhe pediu que guardasse um colar de coral que era muito apreciado por ele. O homem que era cego, partiu para sua casa e o seu inimigo segui-o com a intenção de ver onde ele guardava o colar. Tão depressa como o cego guardou o colar num lugar que pensava ser seguro, seu inimigo o levou e jogou-o no mar.

Passados poucos dias o Rei foi ter com o cego e pediu-lhe que lhe entregasse o colar. O cego foi a sua casa e quando procurou o colar não o encontrou. Por isso foi visitar Orunmilá para que o ajudasse. Este lhe disse que tinha que fazer um ebó dando de comer à sua cabeça um peixe grande e que depois do pedido abrisse o peixe e o limpasse. O cego assim o fez e foi enorme a sua surpresa quando ao limpar o peixe depois do ebó apareceu dentro dele o colar que havia perdido, salvando-se assim da traição do Rei e do seu inimigo.

II

ITAN TI ORUGAN

Orugan foi o primeiro Babalawo e sua mulher chamava-se Orixabi. Carregava os búzios na barriga para Orugan jogar. Diziam que Orugan tinha em sua casa um pé de obi. Exú pediu a Ifá para jogar. Ifá mandou que Exú trouxesse 10 nozes de cola para o jogo. Exú, então, foi à casa de Orugan pedir os frutos, pois sabia que só ele tinha um pé de obi em casa. Exú pediu os frutos à Orugan e este disse que só daria os frutos se ele aprendesse a jogar e depois lhe ensinasse. Exú concordou e prometeu que logo soubesse jogar voltaria para ensinar a Orugan.

Exú então, foi apanhar os frutos, os macacos que estavam no pé de obi iam tirando os frutos, descascando, partindo e jogando para Exú. Entretanto Orixabi, mulher de Orugan a tudo assistia, ia apanhando os frutos que os macacos jogavam e colocando em sua barriga.

Os Babalawo na África, por este motivo, quando vão jogar, levam a sua mulher para carregar o jogo, as quais são chamadas de Ìyápetebi. Se por um acaso o Babalawo não for casado ou for viúvo, ele leva sua mãe.

III

ITAN TI IKÚ

Quando Olorun procurava matéria apropriada para criar o ser humano (o homem), todos os ebora partiram em busca da tal matéria. Trouxeram diferentes coisas: mas nenhuma era adequada. Eles foram buscar lama, mas ela chorou e derramou lágrimas. Nenhum ebora quis tomar da menor parcela. Mas Ikú, Òjègbé-Aláxo-Òna, apareceu, apanhou um pouco de lama - eerúpé - e não teve misericórdia de seu pranto. Levou-o a Olodumare, que pediu a Orixalá e a Olúgama que o modelaram e foi Ele mesmo que insuflou seu hálito. Mas Olodumare determinou a Ikú que, por ter sido ele a apanhar a porção de lama, deveria recolocá-la em seu lugar a qualquer momento, e é por isso que Ikú sempre nos leva de volta para a lama.

IV

ITAN TI ÒBÀRISÀ, ODÙA ATI ÒGÚN

Três orixás, Odùa, Obarixá e Ogun vêm, do orun, instalar-se sobre a terra. Odùa é a única mulher e ela se queixa a Olorun por não ter nenhum poder. Este elege-a Mãe para a eternidade. Entrega-se axé sob a forma de uma cabaça contendo um pássaro e recomenda-lhe que se mostre prudente no que se refere ao uso do poder que ele lhe outorga.

Todos os lugares de adoração encontram-se em seu ika, no quintal onde Obarixá não pode penetrar. Este, vendo seu poder diminuído, consulta Ifá e é aconselhado a fazer uma oferenda constituída de ìgbín - caracóis - e um paxan, uma haste de àtòrì. Ifá adverte-o para que tenha muita paciência e astúcia para conquistar Ìyá-mi e sair vitorioso. Com efeito, Ìyá-mi esquece as recomendações de Olodumare e abusa de seu poder em relação a Orixalá, sempre prudente. Finalmente Ìyá-mi insiste para que vivam juntos em sua morada já que juntos vieram do orun e já que Ogun está ocupado com suas ferramentas e suas guerras. Obarixá concorda. Uma vez na vivenda, adora sua cabaça com os ìgbín e bebe sua água. Ele oferece a Odù que negligentemente aceita. A água parece-lhe deliciosa e ela também come, com Obatalá, a carne dos ìgbín.

Obatalá se queixa: ele lhe revela todos os seus segredos e ela continua a esconder-lhe os seus. Odùa o conduz ao ika, descobre para ele a vestimenta-símbolo de Egungun. Quando Odùa sai, ela apanha as vestimentas, as modifica, veste-as e, tomando do paxan na mão, saí a percorrer a cidade. Sabe falar como os ará-òrun. Todos reconhecem-no como o verdadeiro Egungun e o aclamam. Odùa reconhece "seus" panos e admite que Obarixá torna presente Egungun melhor do que ela. Ela ordena a seu pássaro de pousar no ombro de Egungun; com o axé de eleye, tudo o que Egungun prognostica e diz se realizará. Egungun está completo. Eleye e Egungun andarão juntos. Quando Obarixá regressa, Odùa entrega-lhe o poder de manejar Egungun e se retira para sempre de seu culto. Só eleye indicará seu poder e marcará a relação entre Egungun e a ìyá-mi.

V

LENDA DA SEPARAÇÃO DO ÒRUN E DO ÀIYÉ

No tempo em que o àiyé e o òrun era limítrofes, a esposa estéril de um casal de certa idade apresentou-se em várias ocasiões a Orixalá, divindade mestra da criação dos seres humanos, e lhe implorou que lhe desse a possibilidade de gerar um filho. Repetidamente Orixalá se tinha recusado a atendê-la. Enfim, movido pela grande insistência, aquiesce ao desejo da mulher, mas com a condição: a criança não poderia jamais ultrapassar os limites do àiyé. Por isso, desde que a criança deus seus primeiros passos, seus pais tomaram todas as precauções necessárias. Contudo, toda vez que o pai ia trabalhar no campo, o pequeno pedia para acompanhá-lo. Toda sorte de estratagemas eram feitas para evitar que a criança acompanhasse o pai. À medida que a criança ia crescendo, o desejo de acompanhar seu pai aumentava. Tendo atingido a puberdade, uma noite, ele decidiu fazer um buraquinho no saco que o pai levava todos os dias de madrugada e de pôr certa quantidade de cinza no fundo. Assim, guiado pela trilha de cinza, conseguiu localizar seu pai e o seguiu. Eles andaram muito tempo até chegar ao limite do àiyé onde o pai possuía suas terras. Neste exato momento, o pai apercebeu-se que estava sendo seguido por seu filho. Mas este não pôde mais deter-se, atravessou o campo e, apesar dos gritos do pai e dos outros lavradores, continuou a avançar. Ultrapassou os limites do àiyé sem prestar atenção às advertências do guarda e entrou no òrun. Lá, começou uma longa odisséia no decorrer da qual o rapaz gritava e desafiava o poder de Orixalá, faltando ao respeito a todos os que queriam impedi-lo de seguir seu caminho. Atravessou os vários espaços que compõem o òrun, lutando contra uns e outros, até chegar ao ante-espaço do lugar onde se encontrava o grande Orixalá a cujos ouvidos chegou seu desafio insólito. Apesar de ter sido chamado a atenção várias vezes, o rapaz insistiu até que Orixalá, irritado, lançou seu cajado ritual, o opaxoro, que atravessando todos espaços do òrun, veio cravar-se no àiyé separando-o para sempre do òrun, antes de retornar às mãos de Orixalá. Entre o àiyé e o òrun apareceu o sánmò que se estendera entre os dois.

O òfurufú, ar divino, é que separa os dois níveis de existência, o òrun da vida.

VI

LENDA DA CRIAÇÃO DO MUNDO

Quando Olorun decidiu criar a terra, chamou Obatalá, entregou-lhe o "saco da existência", àpò-ìwà, e deu-lhe as instruções necessárias para a realização da magna tarefa. Obatalá reuniu todos os orixás e preparou-se, sem perda de tempo. De saída, encontrou-se com Odùa que lhe disse que só acompanharia após realizar suas obrigações rituais. Já no òna-òrun, caminho, Obatalá passou diante de Exú. Este, o grande controlador e transportador de sacrifícios que domina os caminhos, perguntou-lhe se já tinha feito as oferendas propiciatórias. Sem se deter, Obatalá respondeu-lhe que não tinha feito nada e seguiu seu caminho sem dar mais importância à questão. E foi assim que Exú sentenciou que nada do que ele se propunha empreender seria realizado. Com efeito, enquanto Obatalá seguia seu caminho começou a ter sede. Passou perto de um rio, mas não parou. Passou por uma aldeia onde lhe ofereceram leite, mas ele não aceitou. Continuou andando. Sua sede aumentava e era insuportável. De repente, viu diante de si uma palmeira Igì-òpe e, sem se poder conter, plantou no tronco da árvore seu cajado ritual, o òpá-sóró, e bebeu a seiva (vinho de palmeira). Bebeu insaciavelmente até que suas forças o abandonaram, até perder os sentidos e ficou estendido no meio do caminho. Nesse meio tempo, Odùa, que foi consultar Ifá, fazia suas oferendas a Exú. Seguindo os conselhos dos Babalawo, ela trouxera cinco galinhas, das que têm cinco dedos em cada pata, cinco pombos, um camaleão, dois mil elos de cadeia e todos os outros elementos que acompanham o sacrifício. Exú apanhou estes últimos e uma pena da cabeça de cada ave e devolveu a Odùa a cadeia, as aves e o camaleão vivos. Odùa consultou outra vez os Babalawo que indicaram ser necessário, agora, efetuar um ebó, isto é, um sacrifício, aos pés de Olorun, de duzentos ìgbín, os caracóis que contêm "sangue branco", "a água que apazigua", omi-èrò.

Quando Odùa levou o cesto com ìgbín, Olorun aborreceu-se vendo que Odùa ainda não tinha partido com os outros. Odùa não perdeu sua calma e explicou que estava obedecendo as ordens de Ifá. Foi assim que Olorun decidiu aceitar a oferenda e ao abrir seu Àpére-odù - espécie de grande almofada onde geralmente Ele está sentado - para colocar a água dos ìgbín, viu com surpresa, que não havia colocado no àpò-Iwà - bolsa da existência - entregue a Obatalá, um pequeno saco contendo a terra. Ele entregou a terra nas mãos de Odùa para que ela, por sua vez, a remetesse a Obatalá. Odùa partiu para alcançar Obatalá. Ela o encontrou inanimado ao pé da palmeira, contornado por todos os orixás que não sabiam que fazer. Depois de tentar em vão acordá-lo, ela apanhou o àpò-iwà que estava no chão e voltou para entregá-lo a Olorun. Este decidiu, então, encarregar Odùa da criação da terra. Na volta de Odùa, Obatalá ainda dormi; ela reuniu todos os orixás e explicou-lhes que fora delegada por Olorun e eles dirigiram-se todos juntos para o Òrun Àkàsò por onde deviam passar para assim alcançar o lugar determinado por Olorun para a criação da terra. Exú, Ogun, Oxossi e Ìja conheciam o caminho que leva às águas onde iam caçar e pescar. Ogun ofereceu-se para mostrar o caminho e converteu-se no Asiwajú e no Olúlànà - aquele que está na vanguarda e aquele que desbrava os caminhos. Chegando diante do Òpó-òrun-oún-Àiyé, o pilar que une o òrun ao mundo, eles colocaram a cadeia ao longo da qual Odùa deslizou até o lugar indicado por cima das águas. Ela lançou a terra e enviou Eyelé, a pomba, para esparramá-la. Eyelé trabalhou muito tempo. Para apressar a tarefa, Odùa enviou as cinco galinhas de cinco dedos em cada pata. Estas removeram e espalharam a terra imediatamente em todas as direções, à direita, à esquerda e ao centro, a perder de vista. Elas continuaram durante algum tempo. Odùa quis saber se a terra estava firme. Enviou o camaleão que, com muita precaução, colocou primeiro uma pata, tateando, apoiando-se sobre esta para, colocou a outra e assim sucessivamente até que sentiu a terra sob suas patas.

Quando o camaleão pisou por todos os lados, Odùa tentou por sua vez. Odùa foi a primeira entidade a pisar na terra, marcando-a com sua primeira pegada. Essa marca é chamada esè ntaiyé Odùdúwà.

Atrás de Odùa vieram todos os outros orixás colocando-se sob sua autoridade. Começaram a instalar-se. Todos os dias Orunmilá - patrão do oráculo Ifá - consultava Ifá para Odùa. Nesse meio tempo Obatalá acordou e vendo-se só sem o àpó-iwà retornou a Olorun, lamentando-se de ter sido despojado do àpò. Olorun tentou apaziguá-lo e em compensação transmitiu-lhe o saber profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres profundo e o poder que lhe permitia criar todos os tipos de seres que iam povoar a terra.

VII

ITAN TI SETILU

Setilu foi uma criança que nasceu cega. Lamentando a sorte ficaram na dúvida em sacrificar ou poupar-lhe a vida a fim de diminuir a carga familiar. Os sentimentos paternos foram mais fortes e a criança foi poupada. Cresceu como uma criança extraordinária pêlos seus dotes de adivinhação. Aos cinco anos de idade já exercitava seus dotes, predizendo que lhe visitaria e com que objetivo. E sua capacidade foi crescendo com trabalhados de magia e cura. No começo de sua prática usou dezesseis pedrinhas para o ato da consulta, conquistando o respeito e admiração de todos. Alguns se tornam seus adeptos e seguidores, mesmo os sacerdotes mais afamados da região. Em razão disso, os maometanos resolveram expulsar Setilu da região. Assim, Setilu cruzou rio Níger e seguiu para Benin, permanecendo algum tempo na cidade de Òwò, daí para Àdó. Depois migrou para Ilé ifè, ficando aí permanentemente. Logo se tornou famoso. Impressionando a todos e adquirindo confiança quase que absoluta, procurou modificar certos costumes, entre eles o de abolir as marcas tribais - ilà - feitas na face das pessoas, uma vez que esse tipo de corte no rosto não era feito em Tápà, terra de Setilu.

Com o tempo, os coquinhos, as peças de ferro e as bolsas de marfim foram sucessivamente usadas, ao invés de pedrinhas. Atualmente, os coquinhos passaram a ser usados por serem considerados uma forma de conciliação, pois os outros métodos exigem custosos sacrifícios e até sangue humano.

Setilu iniciou vários seguidores nos mistérios do culto a Ifá, e ele se tornou gradativamente o oráculo de consulta de toda a nação yorubá. O sistema empregado para a prática da consulta ainda é o mesmo dos dias atuais, e será examinado mais adiante.

Um outro relato de oficialização do culto a Ifá foi feita pelo rei Ofiran, filho de Onígbógi.

Ónígbógi era um dos filhos do Aláàfin Olúàso com Arùgbá-Ifá, mulher oriunda da cidade de Òtá. Ela estava ausente quando Onígbógi ascendeu ao trono pela morte do pai, e voltou para assisti-lo no seu governo com seus conselhos. Sendo muito superticiosa e desejando que seu filho tivesse um reinado duradouro e próspero, ela o aconselhou a introduzir o culto a Ifá em Òyó, como uma divindade nacional. Inquirida sobre as oferendas necessárias para Ifá, ela respondeu que eram 16 òkété (espécie de roedor do tipo de rato), 16 bolsas de conchas (búzios), 16 peixes, 16 galinhas, 16 pedaços de tecido e 16 porcos. Diante disto, o conselho da cidade rejeitou a idéia, por não concordar em adorar coquinho. Arùgbá-Ifá retorna para Òtá acompanhada de seus adeptos, levando todas as peças utilizadas no culto: ajé, opón, ajere, òsùn e ìróké. Chegam à cidade chorando muito e se lamentando pela decisão. Indagados sobre a razão do choro, contam o que havia acontecido. O soberano da cidade de Àdó tomou conhecimento e convidou todos a morar com ele. E dessa convivência surgiu a curiosidade do conhecimento das coisas de Ifá. O soberano, Aládó, acabou sendo iniciado nos mistérios, com o que lhe foi conferido, igualmente, o direito de iniciar outras pessoas. Algum tempo depois, no reinado seguinte de Òyó, quando decidiram adotar o culto a Ifá, foi esse Aládó que foi à cidade fazer a iniciação das pessoas nos mistérios, ritos e cerimônias do culto a Ifá.

VIII

ITAN TI OBÌ

Olófin, "O Senhor das Leis", um dos título de Olódùmarè, decidiu um dia visitar a terra e ver de perto como as coisas andavam. Em sua caminhada conheceu um homem que se chamava Obì, e que lhe impressionou muito por ser ele uma pessoa muito justa, sem orgulho e pretensões, e sem nenhuma vaidade.

Então Olófin decidiu que Obì deveria viver muito alto, vestido de branco por fora e por dentro, que sua alma seria imortal e que trabalharia para ele. Em seguida, Olófin lhe apresentou Exú, e entre ambos surgiu grande amizade, sendo que os amigos de um passaram a ser amigos do outro. O pobres, os ricos, os corretos, os desajustados, todos eram amigos de Exú.

Com o correr do tempo, Obì, do alto de sua branca posição, começou a se tornar vaidoso e cheio de si. O orgulho tomou conta dele, que passou a evitar as pessoas que lhe eram inferiores; até Exú ele evitava, devido as suas amizades que não agradavam Obì.

Desejando celebrar uma festa, Obì convidou Exú e pediu-lhe que evitasse convidar suas amizades. Exú, que havia notado a mudança de comportamento de Obì, convidou os poderosos e ricos, mas também os vagabundos e miseráveis da cidade. Quando Obì chegou em casa e viu aquela gente estranha, ficou irado e perguntou: "Quem convidou esta gente à minha casa?" Todos responderam: "Foi Exú".

Obì se enfureceu e expulsou a todos, dizendo que não admitia vagabundos em sua casa. Exú chegou no momento em que todos saíam, dizendo que Obì era vaidoso e ingrato. Em seguida, saiu acompanhando seus amigos.

Compreendendo o que havia feito, Obì tentou reconsiderar, dizendo que havia se equivocado ao tratar daquela forma os amigos pobres de Exú. Tratou de pedir perdão; Exú, porém, não lhe fez caso, seguindo o seu caminho.

Certo dia, Olófin convocou Exú à sua presença e pediu-lhe que levasse um recado para Obì, porém Exú se recusou, e, ao ser inquirido sobre a razão da recusa de ir à casa de seu amigo, respondeu-lhe que Obì havia mudado de comportamento, tornara-se muito vaidoso e se recusava a receber em sua casa os pobres e os humildes. Olófin escutou em silêncio o relato de Exú, e, quando este terminou-lhe disse: "Vou ensinar uma lição a Obì."

Usando de um disfarce, Olófin foi até a casa de Obì. Tocando a porta, foi recebido por Obì, que não lhe reconheceu, e foi dizendo para se afastar dali, que ele não dava esmolas a ninguém. Olófin, ao ouvir aquilo, firmou a voz e lhe disse: "Olhe para mim! Veja quem sou eu!"...

Obì, diante da presença de Olófin, tratou de corrigir-se alegando um engano. Olófin então falou: "Eu lhe acreditava um homem honesto, íntegro e bom, sem falso orgulho ou vaidade, por isso o fiz branco por todos os lados e com espírito imortal. Parece que de viver tão alto, sua cabeça chegou às nuvens. Mas vou corrigir tudo isso. Você, a partir de agora, viverá no alto, mas só que no alto das árvores, porém caíras e rolarás por terra, para que aprendas que por mais elevado que uma pessoa esteja, também poderá cair por terra. Você se vestirá de verde por fora e branco por dentro, mas algumas vezes será negro. Quando aprender a corrigir seus erros, eu o perdoarei. Até lá, você deverá servir a todos os orixás e ajudará a predizer o futuro a todos que desejarem saber, tanto os ricos como os pobres e necessitados, sem distinção social ou de cor".

IX

LENDA DO SURGIMENTO DOS ORIXÁS

Do consórcio de Obatalá, o céu, com Odùdúwà, a terra, nasceram dois filhos, Aganju, a terra firme, e Iyemoja, as águas. Desposando de Aganju, Iyemoja deu à luz Orugan, o ar, as alturas, o espaço entre a terra e o céu. Orugan concebe incestuoso amor por sua mãe e, aproveitando a ausência do pai, raptou-a e a violou. Aflita e entregue ao violento desespero, Iyemoja desprende-se dos braços do filho, foge alucinada, desprezando as infames propostas da continuação às ocultas daquele amor criminoso. Persegue-a Orugan, mas , prestes a deitar-lhe a mão, cai morta Iyemoja. Desmesuradamente cresce-lhe o corpo e dos seios monstruosos nascem dois rios que adiante se reúnem, constituindo uma lagoa. Do ventre enorme que se rompe, nascem:

Dadá, deusa ou orixá dos vegetais,

Xangô, deus do trovão,

Ogun, deus do ferro e da guerra,

Olókun, deus do mar,

Oloxá, deus dos lagos,

Oyá, deusa do rio Níger,

Oxun, deusa do rio Oxun,

Obà, deusa do rio Obà,

Okô, orixá da agricultura,

Oxossi, deus dos caçadores,

Okê, deus das montanhas,

Ajê-Xaluga, deusa da riqueza,

Xaponan, deus da varíola,

Orun, o sol,

Oxupá, a lua..

X

ITAN TI ÀBÍKÚ

Um caçador estava no local limite entre o òrun e o àiyé, e ali ouviu as promessas de três àbíkú ao Oníbodè quanto aos seus destinos e a época exata de suas mortes e consequente retorno ao òrun.

Um deles prometeu que deixaria o mundo assim que o fogo utilizado por sua mãe para preparar sua comida se apagasse por falta de lenha. O outro àbíkú disse que iria morrer quando o tecido usado por sua mãe para carregá-lo nas costa se rasgasse. Ela ia cair e morreria. A terceira, que era uma memina, morreria no dia em que seus pais lhe autorizassem a casar e ir morar com o marido.

O caçador saiu dali e foi visitar as três mães no momento em que elas estavam dando à luz os filhos àbíkú. Aconselhou à primeira que não deixasse a lenha queimar inteiramente sob o pote que cozinharia os legumes para seu filho; à segunda, que não deixaria rasgar o pano que ela usaria para carregar o filho nas costas, usando um reforço; à terceira, que não especificasse o dia e hora em que sua filha deveria ir viver na casa de seu futuro marido.

As três mães, então, foram consultar um Babalawo, que lhe recomendou que fizessem, respectivamente, as oferendas de um tronco de bananeira, de uma cabra e de um galo, que impediriam os três àbíkú de manter o compromisso de morrer nas datas em que haviam sido ditas ao Oníbodè. Com o tronco de bananeira cheio de seiva no fogo, o calor permaneceria, mas o fogo se apagaria, e o àbíkú, vendo o calor não se apagava, concluiria que o momento não seria aquele para a sua partida; a pele de cabra oferecida serviria para reforçar o tecido que não rasgaria e a criança não cairia no chão para morrer. Para a última criança, os pais não deveriam dizer nada com relação ao momento de viver com o marido, enviando-a para a casa dele sem nada anunciar.

Com isto, os três àbíkú não puderam mais manter a promessa porque as circunstâncias que deveriam anunciar suas partidas não se realizaram da forma como foi estabelecida. E assim seguiram um outro caminho em sua vida terrena.

XI

ITAN TI ALUKÓSÓ

Um certo Alukósó teve toda uma vida de miséria até os 40 amos de idade, quando decidiu se suicidar. Em sua tentativa, ele apenas desfaleceu e se viu diante de Oníbodè, o guardião da entrada entre o òrun e o àiyé, que lhe perguntou por que estava ali se não era aquela a sua hora? Alukósó, então, lhe fez um relato de sua vida. Quando terminou, Oníbodè lhe pediu que ficasse numa sala e o intruiu para ficar ouvindo as coisas que iam acontecer. Depois de algum tempo, ele ouviu vozes de pessoas que estavam no mundo e haviam chegado. Ouviu vários relatos de cada uma sobre seu destino, e como ele foi selado por Oníbodè. Quando todos haviam ido embora, Oníbodè cantou:

Alukósó - Àiyé Alukósó do mundo

Sé o ngbó o? Vocês estavam ouvindo?

Bi àiyé se nye mà rèé o É assim que se organiza

a vida no mundo

Dessa forma, Alukósó tomou conhecimento de que as coisas que lhe iam acontecer na Terra estavam de acordo com o seu destino. Depois, Oníbodè lhe mostrou um local em que havia grande quantidade de gado e bens terrestres, dizendo que tudo aquilo seria seu após os 40 anos de idade, de acordo com o que foi determinado pelo seu destino. Mas agora ele estava privado de todo o seu futuro devido à sua impaciência.

Alukósó caiu em prantos e pediu a Olódùmarè que lhe concedesse mais 10 anos de vida, nos quais poderiam usufruir da fortuna que lhe fora destinada...

XII

LENDA DA FUNDAÇÃO DE OSOGBO

Três caçadores, Gbaemu, Balogun e Aramoro foram a um bosque perto da localidade de Ede para matar animais, eranko, quando em dado momento próximo ao rio escutaram um som sobrenatural que lhes dizia "Oso igbo... Oso igbo º.. o pele o rora o".

Os três caçadores assustados, correram para suas casas. Passados três dias resolveram voltar ao mesmo local e, tornaram a ouvir o mesmo som e as mesmas palavras.

Indignados resolveram consultar Ifá, para saber o porque do som e quem estava provocando aquele acontecimento, até então, fantasmagórico. Ifá respondeu-lhe que o som de Irunmale e de Oxun que ficassem perto dele, pois o mesmo iria ajuda-los.

Passado algum tempo, os três caçadores, conforme haviam prometido a Ifá, tranfeririam-se com suas familias para o local onde haviam ouvido o som e para consolidar a promessa, contruiram suas casas e ficaram morando no bosque com suas familias.

A liderança do grupo foi entregue a Balogun, por ter sido o primeiro dos caçadores a ouvir o som. Com a morte de Balogun, a liderança do grupo foi transferida à familia de gbaemu e, posteriormente, a familia de Aramoro.

O grupo cresceu e já se tornara um grande conglomerado de familias quando Ifá, consultado, determinou que o primeiro som ouvido pêlos caçadores, "Oso igbo o", seria o nome da localidade.

Por outro lado, Ifá determinou, também que a comunidade teria de professar o culto a Deusa Oxun.

XIII

A PENA DO EKODIDÉ

Existia numa aldeia uma sociedade só de mulheres virgens. Essas mulheres eram compradas por homens de posse só para casar com reis e príncipes, e elas passavam por ensinamento das anciãs. Existia, nesta aldeia, uma mocinha muito pobre e feia. Seu pai vivia muito triste e, um dia, disse:

- Eu sei que nunca vou achar um comprador para você, Por isso vou te levar eu mesmo para o ensinamento das anciãs.

A menina ficou muito triste, chorou e foi deitar. Então, chegou uma mulher muito bonita à sua cama, com uma cuia tampada na mão, e disse:

-Olhe, amanhã é dia dos compradores virem. Eles vêm trazendo um príncipe para ele mesmo escolher uma mulher. Tem aqui ossum, waji, obi e ekodidé. Você come o obi e o resto passa no corpo. A pena de ekodidé você coloca na testa como enfeite. Fique na janela, porém não diga nada a seu pai, pois ele vai para a roça e não deve saber.

A mulher entregou-lhe a cuia e a mocinha tornou a pegar no sono.

De manhã, deixou o pai sair e fez tudo como a mulher mandou. Atou a pena na testa com uma iko, uma palha da costa. Neste momento, vinha passando uma caravana com o príncipe. Ele olhou para a janela e, vendo a mocinha, ficou encantado.
-Que coisa linda! Será que é o que estou vendo?

Chegou perto da janela:

- Minha iyaô! Minha noiva! Todos ficaram boquiabertos e ajoelharam-se em frente à janela, admirados com tanta beleza e com a luz que emanava da bela donzela.

O pai da menina veio chegando e o príncipe fez a oferta de casamento. Até o pai ficou admirado com tanta beleza. O casamento foi no outro dia e, quando ela foi dormir, sonhou que outra vez chegava junto à sua cama a mulher, que lhe dizia:

- Olha, eu sou Oxum. Você é minha filha! – e sumiu.

E a menina tornou-se princesa.

XIV

A MULHER QUE SABIA DEMAIS

Existia uma mulher que achava que tudo quem mais sabia era ela. Uma amiga lhe disse:

- Mulher, tira essa mania de tudo você dizer que sabe mais do que os outros.

Os amigos e a vizinhança já andavam aborrecidos com ela e não queriam mais conversa, pois só ela sabia de tudo e sempre tinha razão. De certa feita, armaram uma cilada para desmascará- la.

- Olha, vai haver uma festa na cidade e todos nós fomos convidados. E você? – perguntaram à mulher.

- Ah!- ela logo gritou – Eu estou sabendo, pois até me chamaram para sair na frente da carroça – pois, naquele tempo, não havia carro.

Aí, alguém logo disse:

Mas será que você sabe que quem chegar primeiro à praça, e com o vestido mais engraçado, vai Ter um prêmio?

- Eu sei! E já tenho uma idéia – ela logo respondeu.

Então ela foi para a sua casa e começou a fazer a fantasia, a mais horrenda possível. E arrumou a sua carroça, mas ao mesmo tempo ficou matutando:

- Eu não vejo ninguém falar nada... Hum... Mas, como é competição, tá certo!

No dia da festa ela levantou cedo, se arrumou e foi para a praça, que já estava cheia. Ela começou a desconfiar de que tinha caído numa armadilha, e perguntou:

- Como é que é ? Não vai haver competição?

E aí todos começaram a rir e a vaiá-la

- Ô mulher! Você não sabe tudo? Como você não sabia do que nós armamos para você? Pois tudo aquilo que nós lhe falamos, você diz logo "Eu já sei!" E não é assim! Ninguém sabe tudo. Às vezes, nós temos que recorrer aos nossos irmão, pois quem sabe tudo é Olorum. Tanto assim, que ele criou a nós e a você. Isto vai lhe servir de exemplo.

XV

O COLHEDOR DE FOLHAS

Antigamente, não existiam tantos médicos e era muito difícil para a pessoa pobre conseguir tratamento. O que se usava nos tratamentos eram folhas e as raízes. Graças a Olorum e Ossâim, este hábito milenar está voltando.

Nestes tempos, existia um homem que vivia de apanhar ervas para vender. Ele ia chegando, entrava no mato, não pedia licença e não tinha dono. Ele começou a sentir dificuldade de encontrar certas folhas de grande utilidade. Ele começou a ficar cabreiro e a achar que alguma coisa não ia bem.

Existia, perto dali, uma Tia africana, e ele foi se queixar a ela:

Olha Tia, eu sempre tirei folha para vender, mas agora eu entro no mato e não acho nada. Até parece que algo de ruim está para acontecer. Tropeço em cobra, marimbondo me morde, os mosquitos me pegam, a tiririca me corta. Até parece coisa mandada.

A velha estava calada, só escutando. Quando ele acabou de contar, ela disse:

- Você gostaria que alguém entrasse em sua casa, apanhasse o que é seu, chegasse em sua plantação, colhesse tudo e saísse sem lhe dar satisfação? Pois é isto aí! O dono dos matos não está gostando da sua ousadia. Entretanto na sua casa sem pedir licença e saindo sem dar satisfação!

- Veja! Mato Tem dono! – respondeu ele com uma risada.

- Não ria, pois o pior pode vir a lhe acontecer. Experimente entrar mais uma vez para colher folhas sem levar um agrado nem pedir licença – respondeu a africana.

Ele ficou com medo e disse:

- Ô Tia, me socorre, pois eu tenho filho para criar.

- Tá com medo?

- Eu estou. Se é assim como a senhora falou... – disse o homem.

A velha viu que ele estava falando a verdade e se levantou. Apanhou um cachimbo, uma garrafa de cachaça, um punhado de milho, um pedaço de fumo, um fósforo, uma vela, e um coité.

- Vai. Leva isso e ainda essa moeda, entra e pede agô a Ossâim. A partir desse dia o catador de folhas passou a pedi agô, licença a Ossâim, e toda vez que ele ia para o mato, levava uma oferenda. Assim, ele voltou a encontrar as folhas que ele buscava.

XVI

IYÁ MI, A MÃE ANCESTRAL

Existia antigamente, uma mulher de uma idade já avançada que teve um menino e, no ato de partir, morreu indo para junto das mães ancestrais. Lá chegando, a mulher ficou muito triste pôr ter deixado o filho recém-nascido, precisando mamar. Contam muitos casos de Iyá Mi como má, mas em tudo existe o mal e o bem. Um tem cumplicidade com o outro e, ás vezes, o bem vence o mal. Foi o que aconteceu com Iyá Mi aquele dia. Ela chamou a mulher e disse: - Olha, nós aqui, quando saímos do mundo, chegamos aqui e temos de esquecer tudo. Mas como você está assim, triste com seu filho, eu vou lhe fazer virar uma coruja e você vai se assentar na cumeeira da casa que foi sua e ficar esperando. Quando não tiver ninguém no quarto, você se vira em uma mulher e amamenta seu filho. Isto acontecerá todos os dias até que ele fique forte e mais criado.
Assim a mulher fez, até que o menino não quis mais pegar no peito. Todos diziam:

- Engraçado, esta coruja todo dia ela senta em cima desta casa. Parece até agouro.

Mas nunca desconfiaram de que ela era uma mãe ancestral. Assim ela de foi para o Orun, para o céu, para nunca mais voltar. Só em casos de grandes necessidades é que elas vêm aqui.

XVII

O CAROÇO DE DENDÉ

Quando o mundo foi criado, o caroço de dendezeiro teve uma grande responsabilidade dada pôr Olorum, a de guardar dentro dele todos os segredos do mundo. No mundo Iorubá, guardar dentro ele todos os segredos do mundo. No mundo Iorubá, guardar segredos é o maior Dom que Olorum pode dar a um ser humano. É pôr isso que todo caroço de dendê que tem quatro furinhos é o que tem todo o poder. Através de cada furo, ele vê os quatro cantos do mundo para ver como vão as coisas e comunicar a Olorum. E mais ninguém pode saber desses segredos, para não haver discórdia e desarmonia. É pôr meio dessa fórmula que o mundo tem seus momentos de paz. Existe também o caroço de dendê que tem três furos, mas a esse não foi dada a responsabilidade de guardar os segredos.

Existe uma lenda que diz que Exu, com raiva desta condição que Olorum deu ao coco dendezeiro de quatro furos, quis criar o mesmo poder de ver tudo à sua moda, com brigas e discórdias. Ele chamou o coco de dendê de três furos e disse.
- Olhe, de hoje em diante, eu quero que você me conte tudo o que vê.

Aí o dendê lhe respondeu:

- Como? Se eu só tenho três olhos e não quatro, como meu irmão, a quem Olorum deu este poder?

- Ousas me desobedecer a dendê? – disse Exu aborrecido.

- Sim! Tu não és mais do que aquele que é responsável pela minha existência e a tua – respondeu o coco de dendê.

Dizendo isto, sumiu. E Exu, desta vez, não foi feliz na sua trama.

XVIII

O HOMEM QUE SE CASOU E QUERIA TER FILHOS

Existia num lugarejo um homem que se casou e tinha uma vontade danada de que sua mulher parisse. Mas o deu lugar onde eles moravam era muito difícil encontrar uma aparadeira, uma parteira.

Quando a mulher dele engravidou, o povo começou a lhe dizer:

- Fulano, sua mulher já está muito velha para parir.

- Que nada. Eu tenho fé em Nanã que tudo vai dar certo – disse ele, pois era devoto de Nanã. :

Quando estavam chegando os nove meses, o homem sonhou que Nanã mandava sua mulher sentar na beira de uma Quarta- de- milho de farinha, que é uma caixa de madeira que no interior se usa para medir farinha, feijão, arroz, milho e cereais. Nanã mandava que , depois de sentar com as pernas abertas, a mulher forrasse o chão com bastante pano, e que ele desse uma garrafa a ela para assoprar. Ele, com um chapéu de palha na cabeça deveria dizer assim:

Na Quarta tu te senta, a garrafa vai assoprando,

Com chapéu eu te abano, e o filho tu vai botando,

Em nome de Nanã, que vai te ajudando.

Assim eles fizeram. Então a mulher pariu, e ele mediu três dedos e cortou o umbigo da criança. O homem enterrou a placenta com cuidado no quintal, com jeito para não botar emborcada. A criança se tornou um lindo menino, que ele deram a uma senhora que morava ali perto para batizar. Essa senhora não tinha filhos e era iniciada de Nanã. Até hoje, essa senhora é muito feliz, pôr Ter esse afilhado, e o pai satisfeito pôr Nanã ter ajudado a sua mulher a parir.

XIX

O MENINO QUE TINHA MUITO SABER

Um homem tinha um filho que era dotado de grande sabedoria. O menino era muito respeitado pôr todos, mas seu pai dizia:

- Menino, você pára, que eu não quero ver você envolvido nestas coisas de adivinhação.

Mas moleque cada vez mais adquiria poderes. Vinha gente de longe para ouvir suas palavras e seus ensinamentos. Um dia ele acordou e disse para seu pai, que era lenhador: - Pai, esta noite tive um sonho com um velho que me dizia que tinha visto através dos búzios que hoje é Quinta – feira, e que o senhor não deve cortar madeira, que algo muito ruim vai lhe acontecer.

O homem deu uns cocorotes no menino e foi para a mata trabalhar, sem se importar com o aviso. Lá chegando, foi cortar uma árvore. Perto desta árvore, quando ele começou a trabalhar, veio um vulto a espreitá-lo, e que fazia:

- Ôooi! Ôoi!

Ele ouvia isto toda vez que ele suspendia o machado para cortar a árvore.

- Ah! Isso é ilusão. Eu estou com as maluquices daquele menino na cabeça. Vou continuar meu trabalho, pois não são essas maluquices que vão me dominar.

Bateu o machado e cortou a árvore. A mesma caiu sobre as suas pernas e o machucou bastante. O filho, que estava em casa, teve um pressentimento, pois não viu o pai chegar. Ele andou até a mata e o encontrou desmaiado com a árvore em cima das pernas. Chamou a vizinhança, que o levou para casa, mas o lenhador ficou paralítico. Isto é o preço pago pelas pessoas que, ás vezes, não ouvem um conselho, e pensam que elas são sábias. Todo ser aqui na terra habita tem a sua hora. As árvores também têm suas. Elas são responsáveis pelo progresso da mãe natureza e não devem se molestadas.

XX

OYÁ SEJU

Oyá Seju era uma negrinha muito sapeca que era criada por uma mulher muito severa. A mulher não deixava Oyá Seju parada, era Oyá Seju pra lá, Oyá Seju pra cá.

- Oyá Seju lava louça!

- Oyá Seju vai à feira!

- Oyá Seju passa roupa! - Oyá Seju apanha meu saco de costura!

Oyá Seju já vivia danada, e suas perninhas sempre finas. Eram tão finas que pareciam um graveto.

Um dia, a senhora virou e disse:

- Olha negrinha, eu vou te dar esse pote de mel você ir vender. Só me apareça quando vender tudo.

Lá se foi a sapeca negrinha com o pote na cabeça. Perto dali, morava um negrinho, capetinha como ela, e os dois quando se encontravam pintavam o sete. Neste corre para cá, corre para lá, quebraram o pote de mel. Aí, os dois se puseram a chorar. Então, veio de lá o gambá todo sujo de mel, com o corpo cheio de folhas, e viu os dois sentados na beira da estrada chorando. O gambá logo se condoeu e perguntou, pois, neste tempo os bichos falavam:

- O que houve com vocês que tanto choram?

- Eu querei o pote de mel que minha sinhá mandou vender, mas o culpado foi esse capeta, pois eu sou uma boa menina – disse Oyá Seju.

O gambá olhou assim para ela, desconfiado, e começou a rir dizendo:

- Eu sei. Pelos seus olhos e sua cara, já vi que você é um anjo! Só falta a asa. Mas eu estou com pena de vocês, e sei onde vocês podem arrumar mel. Só digo se você, negrita, falar a verdade. Vocês São irmãos?

A moleca logo gritou:

- Eu lá sou irmã deste moleque? Você veja, o nome dele é Idjebi. Que nome feio é este!

O gambá lhe disse:

- Você sabe o que quer dizer o nome dele? Quer dizer "sem culpa", e ele é um menino bom. Até agora, eu só ouvi você condenar ele, e ele assumindo a culpa. E você aí com essa cara de santa! Olha, eu só digo onde tem o mel se você também assumir a culpa. Do contrário, eu deixo você apanhar.

A negrinha levantou e disse:

- Olha, seu gambá, fui eu que chamei ele para brincar. Aí derramamos o mel.

- Olha, a casa da comadre abelha é aqui perto. Ela é muito caridosa e trabalhadeira. Ela dá o mel a você. Num instante, ela faz outro. Mas não diz a ela que fui eu, pois eu não posso aparecer, porque toda noite eu vou lá roubar o seu mel – disse o gambá.

O gambá ensinou como chegar à casa da abelha, e lá se foram eles.

A abelha, que era muito boa, deu o mel, nem vendeu. A negrinha foi para o mercado, vendeu todo o pote de mel e levou o dinheiro para sua senhora.

Sabe, essa história coloca que a gente nunca deve tirar da nossa culpa e botar no nosso irmão. Logo, Oyá Seju estava errada e Ibjebi, por ser um bom menino, não a condenou em nenhum momento.

XXI

ARAMAÇÁ

Esta história eu dediquei a aramaçá, que é um peixe que tem a boca torta. Eu vou contar uma história sobre uma filha de Yemanjá muito teimosa.

Existe um peixe que tem a boca torta. Ele é chato, e é um dos maiores ewós de Yemanjá. Ewó quer dizer quizila. Um dia, o marido dessa filha de Yemanjá trouxe uma enfieira de aramaçá. Enfieira é uma vara fina que você enfia na guelra do peixe e vai botando um a um para ficar mais fácil para carregar. Quando ela viu o marido com a enfieira de aramaçá ficou contente, pois ela era louca por peixe.

-Ah! Graças a Deus! Graças a Olorum! Hoje eu vou comer peixe.

Ela Sabia que este peixe quem é de Yemanjá não come, mas, por teimosia, fez uma moqueca com bastante azeite-de-dendê e azeite-doce.

Ela fez a moqueca e deixou em cima do fogão para esfriar, e foi lavar a roupa enquanto o arroz e o feijão cozinhavam. Ela, então, comentou com a vizinha:

-Olha, eu não lhe disse que esse negócio de ewó é invenção, é ilusão? Eu fiz a moqueca... Limpei o peixe, temperei... Ta é cheirando. Você tá vendo o cheiro?

A vizinha disse:

-Tô. Ta me cativando. Eu acho que eu vou comer com você.

Quando ela acabou de lavar a roupa, que foi destampar a panela dos aramaçás para comer, os aramaçás estavam todos vivos, mexendo os olhos e a boca. Elas saíram correndo, tanto ela quanto à vizinha, e não comeram o peixe. Tudo isto pra você ver, cada qual no seu cada qual! Se a pessoa tem o seu orixá, tem que respeitar o ewó daquele orixá para não criar complicação para si mesmo.

XXII

COMO ORUNMILA ALIMENTOU OS PRIMEIROS SERES HUMANOS

Ìyá Sandra Medeiros Epega

Olodumare, o deus criador, olhou Ilu Aiye, o planeta Terra, e viu apenas a terra, a água, os montes e vales. Era um local vazio, e ele chamou Orunmila, também chamado Ibikeji Olodumare, a segunda pessoa após Olodumare. Disse a ele: Prepare seus instrumentos de adivinhação, consulte o oráculo Ifá. Quero que a Terra seja povoada de homens e mulheres, que terão muitos filhos.

Orunmila consultou os ikin e falou que os homens precisariam comer para sobreviver na Terra. Olodumare disse: "Beeni" (muito bem), e mandou que Orunmila perguntasse aos Orixá quem saberia o que seria dado aos homens. Exu disse que ele sabia qual a comida que os homens comiam. Os primeiros seres humanos chegaram a Ilu Aiye e Exu deu a eles madeira para comer. Em uma semana estavam todos de volta ao Orun. Quando Olodumare viu os homens de volta, disse: Mas já voltaram tão cedo? O que aconteceu?

Os homens responderam que Exu dera a eles madeira para comer, que suas barrigas tinham furado, e todos eles tinham morrido. Olodumare disse: "Beeni". Chamou novamente Orunmila e disse a ele que perguntasse aos Orixá quem saberia o que se dava de comer aos homens. Obatala, rei das roupas brancas, e Yemoja, rainha das águas rasas do mar, disseram que eles iriam cuidar disso. Homens e mulheres voltaram à Terra , e Obatala e Yemoja deram a eles água pura e fresca para beber. Em uma semana estavam todos de volta ao Orun. Quando Olodumare viu os homens novamente ali, perguntou: Mas já voltaram tão cedo? O que aconteceu desta vez?

Os homens responderam que Obatala e Yemoja deram a eles muita água fresca para beber. Seus corpos derreteram e eles voltaram ao Orun. Olodumare disse: "Beeni". Chamou Orunmila e disse a ele que consultasse novamente o oráculo Ifá, que desta vez os homens só viriam morar no Ilu Aiye quando houvesse certeza de que haveria para eles comida com fartura, para que só voltassem ao Orun na hora certa, depois de uma vida longa e proveitosa, plena de realização e alegria, deixando em Ilu Aiye filhos e netos.

Orunmila respondeu a Olodumare que havia no Orun um ser estranho, chamado Osanyin, que poderia resolver o problema. Osanyin foi chamado, e prontamente jogou para Ilu Aiye muitas cabaças cheias de sementes de grãos, de frutas, de favas, de todo o tipo de vegetação que hoje cobre o mundo. Jogou primeiro plantas de crescimento rápido, como"ewa", o feijão, "agbado", o milho, "ewe tete", o caruru, "yanrin", a verdura, para que os homens tivessem o que comer logo que chegassem à Terra. E nesse atirar de sementes, também Osanyin caiu na Terra, e lá brotou e ficou morando, um ser estranho como um tronco, um pé de pau, sem pai nem mãe, um ser da Terra, folha e tronco ele também.

Os homens vieram então em definitivo, e se alimentaram das comidas nascidas das sementes do Orun. Comeram o que os Orixá comem, compartilharam seu cardápio e seus gostos, muita pimenta, muito inhame, muito milho, frutas e verduras, cebolas e tomates. E beberam muita água fresca, emu (vinho de palma) e shekete (cerveja de milho).

Olodumare ficou feliz e disse aos Orixá: Os homens morarão em Ilu Aiye, e nos adorarão. Terão muitos filhos e sua descendência povoará a Terra. Também para lá enviaremos animais, que os seres humanos sacrificarão para nós, durante os Ebo Etutu. A carne destes animais será cozida em uma boa sopa bem apimentada, que os homens nos oferecerão com muito ebá e iyan,e juntos compartilharemos este alimento pleno de Axé. E em alguns anos as árvores de obi darão frutos e comeremos juntos o obi semanal.

E, em terra yorubá, os pais contam aos filhos este Itan Ifá, e dizem a eles que quando um homem acorda (chega ao Ilu Aiye), primeiro ele pega um pedaço de madeira e esfrega nos dentes (madeira especial chamada Pako, com propriedades anti-inflamatórias e antisépticas, que substitui a escova de dentes), depois enxágua a boca com muita água fresca. Só então é que vai se alimentar, sempre chamando os Orixá para compartilhar sua comida, com a frase: "Wa ba wa jeun, Oluwa" (venha comer conosco, Deus).

AXÉ, AXÉ, AXÉ!

XXIII

ANANSI E A TARTARUGA

Um dia, Anansi, a aranha, colheu alguns inhames na sua horta. Ela os cozinhou com muito cuidado e eles ficaram cheirando deliciosamente. Ela não podia esperar para sentar e comê-los.

Nesse momento bateram à sua porta. Era a Tartaruga, que tinha viajado o dia inteiro e estava muito cansada e faminta.

"Olá, Anansi", disse a Tartaruga. Eu estou caminhando há muito tempo e senti o cheiro delicioso dos seus inhames. Você seria tão bondosa a ponto de dar-me um pouco?

Anansi não pode recusar, como era costume no seu país, dividir a sua comida com as visitas. Mas ela não ficou muito feliz pois queria comer todos aqueles deliciosos inhames sozinha.

Então Anansi bolou um plano.

- Por favor Tartaruga, entre. Eu ficarei honrada de tê-la como minha convidada esta noite. Sente-se e sirva-se você mesma.

A Tartaruga entrou e sentou-se. No momento em que ela ia se servir dos inhames, Anansi falou:

- Tartaruga, você não sabe que a gente não deve se sentar à mesa com as mãos sujas?

A Tartaruga olhou para suas mãos e viu que elas estavam bem sujas. Ela tinha estado a caminhar e não tinha tido a oportunidade de limpá-las.

A Tartaruga levantou-se e foi até ao rio para lavar as mãos. Ela caminhou de volta à casa e Anansi já tinha começado a comer. Anansi foi logo dizendo:

- Eu não quis que estes deliciosos inhames ficassem frios, então eu comecei a comer. Mas por favor junte-se a mim agora Tartaruga..

A Tartaruga sentou-se de novo e já se ia servir de inhame, quando Anansi falou para ela:

- Tartaruga, você não ouviu o que eu te disse antes? Não é educado vir para a mesa com as mãos sujas!

A Tartaruga olhou e viu que as suas mãos tinham se sujado de novo, pois ela tinha caminhado sobre elas quando voltou para a casa de Anansi.

Então a Tartaruga foi mais uma vez ao rio para se lavar. E quando voltou, caminhou cuidadosamente pela grama para que suas mãos não se sujassem de novo.

Mas antes que se sentasse à mesa, Anansi já tinha acabado de comer o último pedaço dos deliciosos inhames, não sobrando uma migalha sequer.

A Tartaruga olhou para Anansi por um momento e disse:

- Obrigado por dividir a sua comida comigo. Quando você for pelos lados da minha casa, por favor deixe-me retribuir a gentileza.

Então a Tartaruga caminhou lentamente para a porta e seguiu o seu caminho.

Os dias se passaram e Anansi pensava sempre naquele convite da Tartaruga para comer na casa dela.

Anansi estava muito interessada num jantar grátis e finalmente não esperou mais, saiu em direção à casa da Tartaruga.

Ele encontrou a Tartaruga tomando sol na beira do rio, justamente perto da hora do jantar.

A Tartaruga o viu e disse:

- Alô, Anansi, você veio para jantar comigo?

- Oh, sim, sim! Disse Anansi, que estava faminta.

A Tartaruga mergulhou no rio e nadou por baixo d'água para sua casa, para por a mesa do jantar para os dois. Logo ela retornou à margem do rio e disse para Anansi:

- O seu lugar à mesa já está posto e o jantar está pronto. Por favor, Anansi, junte-se a mim.

Então ela nadou por baixo d'água até a sua casa, sentou-se na mesa e começou a comer sua comida lentamente.
Anansi pulou na água, mas não conseguiu chegar ao fundo do rio. Ela tentou nadar, mas era tão leve que ficava boiando na superfície.

Ela tentou mergulhar. Ela tentou uma corrida para mergulhar, mas não conseguiu de jeito nenhum alcançar o fundo do rio.

Enquanto isso, a Tartaruga ia lentamente comendo a sua comida.

Anansi não estava a fim de perder um jantar grátis. Ficou andando de um lado para o outro matutando o que fazer. Finalmente ela teve uma idéia! Pegou uma pedra de bom tamanho, agarrou-se nela e pulou no rio.

Agora ela foi capaz de mergulhar até o fundo e tomar o seu lugar na mesa.

Anansi então tirou as as mãos da pedra, para poder comer. Mas logo que soltou a pedra, boiou rapidamente para a superfície, indo parar na margem do rio.

Desconsolada, Anansi enfiou a cabeça na água e viu a Tartaruga tranquilamente comendo a sua deliciosa comida.

Moral da história:

Quando você tenta enganar alguém,

de repente pode ser você o enganado.

XXIV

O Trovão e o Raio
O Trovão e o Raio (Nigéria)

Há muito tempo atrás, o Trovão e o Raio viviam na terra entre as pessoas. Trovão era uma ovelha e Raio era um carneiro, filho dela.

Raio não era muito popular entre as pessoas, porque quando alguém o ofendia ele explodia em fúria e começava a queimar o que quer que encontrasse pela frente. Isto geralmente incluía cabanas e silos de milho, e até mesmo grandes árvores. Algumas vezes ele danificou colheitas nas fazendas com o seu fogo e ocasionalmente matou pessoas que cruzaram o seu caminho.
Assim que Trovão sabia que Raio estava se comportando daquela maneira ela elevava a voz e gritava com ele o mais alto que podia, e isso era realmente muito alto. Naturalmente os vizinho ficavam muito chateados. Primeiro o dano causado por Raio e depois o ruído insuportável produzido pela mãe dele, que sempre seguia as explosões dele.

Os aldeões reclamaram ao Obá em várias ocasiões, até que afinal o Obá os mandou viver na periferia da aldeia, dizendo que eles não deviam mais se misturar com as pessoas.

Contudo isto não surtiu efeito, pois Raio ainda podia ver as pessoas caminhando pelas ruas da aldeia e descobriu que ainda era muito fácil continuar a provocar brigas com elas.

Afinal o rei os chamou novamente. " Eu lhe dei muitas chances para viver uma vida melhor, disse ele, mas eu posso ver que é inútil. De agora em diante, vocês têm que ir para longe da nossa aldeia e têm que viver na floresta. Nós não queremos ver suas caras novamente por aqui".

Trovão e Raio tiveram que obedecer ao rei e concordar em cumprir a decisão dele; assim eles deixaram a aldeia, zangados com os seus habitantes. Mas ainda haviam bastantes problemas reservados para os aldeãos, desde que Raio estava tão bravo com ser banido que ele ateou fogo na mata inteira, e como que era a estação seca isto foi extremamente danoso. As chamas se esparramaram para as pequenas fazendas das pessoas, e às vezes para as casas delas, de forma que elas ficaram novamente desesperadas.

Eles ouviam freqüentemente a voz poderosa da mãe do carneiro, chamando o filho a atenção, mas, desde que isso sempre acontecia depois do fato, não fazia grande diferença.

O rei chamou todos seus conselheiros e lhes pediu que o aconselhassem, e depois de muito debate eles deram com um plano: por que não banir Trovão e Raio para bem longe da terra, enviando os dois para morarem no céu?

E assim o rei proclamou. Trovão e Raio foram despachados para o céu onde as pessoas esperavam que eles não pudessem fazer mais mal algum.

Porém, as coisas não funcionaram bem assim, pois Raio ainda perde a paciência de vez em quando e não pode resistir a enviar fogo até a terra quando está bravo. Então você pode ouvir a sua mãe o reprovando, ralhando com ele em voz alta.

XXV

CIDADES DEBAIXO DE ÁGUA

Também havia uma bela mulher que aparecia plena de juventude e viçosidade. Chamava-se Haraké e o seu poder de atração era tal que não se sabia se era deusa ou se pertencia à espécie dos humanos mortais. A lenda afirmava que Haraké tinha os cabelos tão transparentes como as próprias águas que lhe serviam de morada. Ao entardecer, a bela tinha por costume descansar à beira do Níger, e esperar assim até que chegasse o seu amante. Assim que este se reunia com ela, ambos entravam nas profundidades daquelas águas encantadas e profundas; a jovem levava o escolhido no seu coração através de maravilhosos caminhos que conduziam a faustosas e desconhecidas cidades. Nos seus esplêndidos recintos, e entre o som do tam-tam e dos tambores, teria lugar a ostentosa cerimônia que uniria o feliz casal para toda a vida.

Todas as narrações da fábula exposta sublinham que foi Haraké quem conduziu o seu amante, e não vice-versa. Com isso se quer dar a entender que a mulher era muito respeitada entre certas tribos da África negra. Os seus privilégios provinham da sua consideração como mãe e esposa.

Embora, ao mesmo tempo, apareçam representações femininas em atitude submissa mas, se se reparar no seu rosto, observar-se-á certa classe de serenidade que, no dizer de investigadores e antropólogos, indicava a importância concedida a essa espécie de mundo anímico, ou vida interior, com que devia vestir-se a mulher negra, sob pena de pôr em questão a sua condição feminina.

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