LENDAS DE EXÚ
I
Exú sempre foi o mais alegre e comunicativo de todos os orixás. Olorun, quando o criou, deu-lhe, entre outras funções, a de comunicador e elemento de ligação entre tudo o que existe. Por isso, nas festas que se realizavam no orun (céu), ele tocava tambores e cantava, para trazer alegria e animação a todos.
Sempre foi assim, até que um dia os orixás acharam que o som dos tambores e dos cânticos estavam muito altos, e que não ficava bem tanta agitação.
Então, eles pediram a Exú, que parasse com aquela actividade barulhenta, para que a paz voltasse a reinar.
Assim foi feito, e Exú nunca mais tocou seus tambores, respeitando a vontade de todos.
Um belo dia, numa dessas festas, os orixás começaram a sentir falta da alegria que a música trazia. As cerimônias ficavam muito mais bonitas ao som dos tambores.
Novamente, eles se reuniram e resolveram pedir a Exú que voltasse a animar as festas, pois elas estavam muito sem vida.
Exú negou-se a fazê-lo, pois havia ficado muito ofendido quando sua animação fora censurada, mas prometeu que daria essa função para a primeira pessoa que encontrasse.
Logo apareceu um homem, de nome Ogan. Exú confiou-lhe a missão de tocar tambores e entoar cânticos para animar todas as festividades dos orixás. E, daquele dia em diante, os homens que exercessem esse cargo seriam respeitados como verdadeiros pais e denominados Ogans.
II
EXÚ – Um Orishá Muito Polémico
Por Ìyá Sandra Medeiros Epega
Atoto arere. Ifá fe f'oun e dake.
Orunmilá e Exú eram amigos, mas disputavam entre si o poder.
Houve uma guerra na cidade de Ajala Eremi. Tendo isso chegado ao conhecimento de Exú, por seus seguidores que invocavam-no e pediam a sua ajuda, ele correu a Orunmilá para contar a novidade.
Orunmilá ficou curioso de saber como Exú já sabia da guerra, uma vez que a cidade era longe e parcos os recursos.
Exú, muito vaidoso, disse saber tudo, em virtude de seus poderes, e completou - "Vamos lá salvá-los".
Viajaram juntos, e chegando à Ajala Eremi, ajudaram o povo a vencer a guerra, e foram reverenciados e louvados.
Na volta, Exú disse a Orunmilá - "Você vai ver, a minha magia é maior que a sua".
Orunmilá riu, disse que seus poderes eram bem maiores, e disse também:
"Ki okunrin ma to ato rin
Ki obinrin ma to ato rin
Ki awo eni ti aso re yio rin".
"O homem fica em pé e urina andando
A mulher fica em pé e urina andando
Vamos ver a roupa de quem fica molhada primeiro".
Com essas palavras ele desafiou Exú.
Caminharam muito até que anoiteceu, e pararam em Ileto (pequena cidade baale - aldeia pobre). Orunmilá pediu aos mais velhos pousada por uma noite para ambos.
O Rei permitiu que dormissem e determinou em que casa ficariam. No meio da noite, estando Orunmilá dormindo, Exú acordou bruscamente.
Exu saiu para o pátio, foi ao local onde as galinhas dormiam, agarrou o galo pelos pés, torceu-lhe o pescoço, arrancou-lhe a cabeça e enfiou no bolso. Fez uma ótima e solitária refeição com a carne e alguns inhames, pimentas, tomates e cebolas que achou nos campos, temperou tudo com óleo dendê, bebeu vinho de palma e completou com litros e litros de água fresca.
Voltando à casa, chamou Orunmilá, e disse -" Vamos embora depressa". Orunmilá acordou estremunhado, e ainda tonto, achou que era de manhã, e seguiu com Exú pela estrada como bons amigos.
Em Ileto, assim que amanheceu, descobriram a morte do galo, a fuga dos hóspedes e o povo, revoltado, decidiu persegui-los. Juntaram os Ode (soldados). Correram atrás de Exú e Orunmilá e alguém lembrou que Exú usava uma roupa de búzios (símbolo de magia).
Exú sabia que o povo de Ileto e os soldados vinham em sua perseguição. Olhava para trás e ria. Falou a Orunmilá -"O povo vem aí, traz lanças, facas e soldados. Mostre a força de sua magia agora". Orunmilá, sempre muito calmo, disse a Exú -"A mim não pegam. Eu adivinho que você matou o galo e comeu-o, porque o sangue pinga de seu bolso". E disse "A ki gbo iku a fibi oba sa". ("Não se pode ter má notícia da terra. Ela não morre".)
Depois de proferir estas palavras mágicas, Orunmilá disse a Exú:
-"Agora você dá a solução".
Exú sugeriu que subissem em uma árvore sagrada (ikin), de cuja madeira são feitos instrumentos para o culto, e esperassem para ver os Ode passarem. Os soldados e o povo viram o sangue, e revistando a árvore acharam Exú lá em cima, junto com Orunmilá. Alguns ficaram de guarda à árvore, enquanto outros foram buscar machados e facões para derrubá-la.
Quando começaram a cortar a árvore, Exú riu e disse a Orunmilá:
- "É agora! Vamos cair os dois, faça a sua magia, eu faço a minha e veremos qual o poder maior".
A árvore caiu. Orunmilá se enterrou no chão e virou água. Exú bateu no chão e virou pedra.
O povo e os Ode procuraram e não acharam ninguém. O lugar virou uma grande confusão, com todos gritando e se acusando mutuamente.
Os que estavam sedentos, viram a água que era Orunmilá, beberam dela e se acalmaram.
Os que estavam cansados sentaram na pedra que era Exú e ficaram agitados.
E daí para a frente, dois tipos de pessoas se criaram no mundo, os calmos e os agitados. E todos que jogam Ifá (antigo sistema yorubá de adivinhação), têm que cultuar Exú e Orunmilá.
III
Exu foi o primeiro filho de Iemanjá e Oxalá. Ele era muito levado e gostava de fazer brincadeiras com todo mundo.Tantas fez que foi expulso de casa. Saiu vagando pelo mundo, e então o país ficou na miséria, assolado por secas e epidemias. O povo consultou Ifá, que respondeu que Exu estava zangado porque ninguém se lembrava dele nas festas; e ensinou que,para qualquer ritual dar certo, seria preciso oferecer primeiro um agrado a Exu. Desde então, Exu recebe oferendas antes de todos, mas tem que obedecer aos outros Orixás, para não voltar a fazer tolices.
IV
Um homem rico tinha uma grande criação de galinhas. Certa vez, chamou um pintinho muito travesso de Exu, acrescentando vários xingamentos. Para se vingar, Exu fez com que o pinto se tornasse muito violento. Depois que se tornou galo, ele não deixava nenhum outro macho sossegado no galinheiro: feria e matava todos os que o senhor comprava. Com o tempo, o senhor foi perdendo a criação e ficou pobre. Então, perguntou a um babalaô o que estava acontecendo. O sacerdote explicou que era uma vingança de Exu e que ele precisaria fazer um ebó pedindo perdão ao Orixá. Amedrontado, o senhor fez a oferenda necessária e o galo se tornou calmo, permitindo que ele recuperasse a produção.
V
Certa vez, dois amigos de infância, que jamais discutiam, esqueceram-se, numa segunda-feira, de fazer-Ihe as oferendas devidas para Èsù.
Foram para o campo trabalhar, cada um na sua roça. As terras eram vizinhas, separadas apenas por um estreito canteiro. Èsù, zangado pela negligência dos dois amigos, decidiu preparar-Ihes um golpe à sua maneira.
Ele colocou sobre a cabeça um boné pontudo que era branco do lado direito e vermelho do lado esquerdo. Depois, seguiu o canteiro, chegando à altura dos dois trabalhadores amigos e, muito educadamente, cumprimentou-os:
-"Bom trabalho, meus amigos!"
Estes, gentilmente, responderam:
-"Bom passeio, nobre estrangeiro!"
Assim que Èsù afastou-se, o homem que trabalhava no campo à direita, falou para o seu companheiro:
-"Quem pode ser este personagem de boné branco?"
-"Seu chapéu era vermelho", respondeu o homem do campo a esquerda.
-"Não, ele era branco, de um branco de alabastro, o mais belo branco que existe!"
-"Ele era vermelho, um vermelho escarlate, de fulgor insustentável!"
-"Ele era branco, tratar-me de mentiroso?"
-"Ele era vermelho, ou pensas que sou cego?"
Cada um dos amigos tinha razão e ambos estavam furioso da desconfiança do outro. Irritados, eles agarraram-se e começaram a bater-se até matarem-se a golpes de enxada.
Èsù estava vingado! Isto não teria acontecido se as oferendas a Èsù não tivessem sido negligenciadas. Pois Èsù pode ser o mais benevolente dos òrìsà se é tratado com consideração e generosidade.
VI
Conta-se que Aluman estava desesperado com uma grande seca. Seus campos estavam secos e a chuva não caia. As rãs choravam de tanta sede e os rios estavam cobertos de folhas mortas, caidas das árvores.
Nenhum òrìsà invocado escutou suas queixas e gemidos. Aluman decidiu, então, oferecer a Èsù grandes pedaços de carne de bode.
Èsù comeu com apetite desta excelente oferenda. Só que Aluman havia temperado a carne com um molho muito apimentado. Èsù teve sede. Uma sede tão grande que toda a água de todas as jarras que ele tinha em casa, e que tinham, em suas casas, os vizinhos, não foi suficiente para matar sua sede!
Èsù foi á torneira da chuva e abriu-a sem pena. A chuva caiu. Ela caiu de dia, ela caiu de noite. Ela caiu no dia seguinte e no dia depois, sem parar.
Os campos de Aluman tornaram-se verdes. Todos os vizinhos de Aluman cantaram sua glória:
"Joro, jara, joro Aluman,
Dono dos dendezeiros, cujos cachos são abundantes;
Joro, jara, joro Aluman,
Dono dos campos de milho, cujas espigas são pesadas!
Joro, jara, joro Aluman,
Dono dos campos de feijão, inhame e mandioca!
Joro, jara, joro Aluman!"
E as rãzinhas gargarejavam e coaxavam, e o rio corria velozmente para não transbordar! Aluman, reconhecido, ofereceu a Èsù carne de bode com o tempero no ponto certo da pimenta. Havia chovido bastante. Mais, seria desastroso! Pois, em todas as coisa, o demais é inimigo do bom.
VII
Lenda de Eshu Jelu ( Ijelu ou Ajelu )
Mandaram Eshú fazer um ebó, com o objetivo de obter fortuna rapidamente e de forma imprevista.
Depois de oferecer o sacrifício, Exú empreendeu viagem rumo a cidade de Ijelu.
Lá chegando, foi hospedar-se na casa de um morador qualquer da cidade, contrariando os costumes da época, que determinavam que qualquer estrangeiro recém chegado receberia acolhida no palácio real.
Alta madrugada, enquanto todos dormiam, Exú levantou-se sorrateiramente e ateou fogo as palhas que serviam de telhado à construção em que estava abrigado, depois do que, começou a gritar por socorro, produzindo enorme alarido, o que acordou todos os moradores da localidade.
Eshú gritava e esbravejava, afirmando que o fogo, cuja origem desconhecia, havia consumido uma enorme fortuna, que trouxera embrulhada em seus pertences, que como muitos testemunharam, foram confiados ao dono da casa.
Na verdade, ao chegar, Exú entregou ao seu hospedeiro um grande fardo, dentro do qual, segundo declaração sua, havia um grande tesouro, fato este, que foi testemunhado por enumeras pessoas do local.
Rapidamente, a notícia chegou aos ouvidos do Rei que, segundo a lei do país deveria indemnizar a vitima de todo o prejuízo ocasionado pelo sinistro.
Ao tomar conhecimento do grande valor da indemnização e ciente de não possuir meios para saldá-la, o rei encontrou, como única solução, entregar seu trono e sua coroa a Eshú, com a condição de poder continuar, com toda sua família, residindo no palácio.
Diante da proposta, Eshú aceitou imediatamente, passando a ser deste então o rei de Ijelu.
VIII
Sobre Eshú existem muitas lendas, mas esta demonstra bem o carácter irreverente de Eshú:
Eshú, sabedor de que uma rainha fora abandonada pelo seu Rei (dormindo assim em aposentos separados), procurou-a, entregou a ela uma faca e disse que se ela desejasse ter ele de volta, deveria cortar alguns fios da sua barba ao anoitecer quando o Rei dormisse. Em seguida, foi à casa do Príncipe Herdeiro do trono, situada nos arredores do palácio e disse ao Príncipe que o Rei desejava vê-lo ao anoitecer com o seu exército. Em seguida, foi até ao Rei e disse: "A Rainha magoada vai tentar matá-lo à noite. Finja que está dormindo para não morrer. E a noite veio. O Rei deitou-se e fingiu dormir e viu depois a Rainha aproximar uma faca de sua garganta. Ela queria apenas cortar um fio da barba do Rei, mas ele julgou que seria assassinado. O Rei desarmou-a e ambos lutaram, fazendo grande algazarra. O Príncipe, que chegava com os seus guerreiros, escutou gritos nos aposentos do Rei e correu para lá. O Príncipe entrou nos aposentos e viu o Rei com a faca na mão e pensou que ele queria matar a Rainha e empunhou a sua espada. O Rei, vendo o Príncipe entrar no palácio armado, à noite, pensou que o Príncipe queria matá-lo, gritou pelos seus guardas pessoais e houve uma grande luta, seguida de um massacre generalizado.
IX
Conta-nos uma lenda, que Òsùn queria muito aprender os segredos e mistérios da arte da adivinhação, para tanto, foi procurar Èsù, para aprender os princípios de tal dom.
Èsù, muito matreiro, disse a Òsùn que lhe ensinaria os segredos da adivinhação, mas para tanto, ficaria Òsùn sobre os domínios de Èsù durante sete anos, passando, lavando e arrumando a casa do mesmo. Em troca, ele a ensinaria.
E, assim foi feito. Durante sete anos, Òsùn foi aprendendo a arte da adivinhação que Èsù lhe ensinava e consequentemente, cumprindo seu acordo de ajudar nos afazeres domésticos na casa de Èsù.
Findando os sete anos, Òsùn e Èsù, tinham se apegado bastante pela convivência em comum, e Òsùn resolveu ficar em companhia desse Òrìsà.
Em um belo dia, Sàngó que passava pelas propriedades de Èsù, avistou aquela linda donzela que penteava seus lindos cabelos na margem de um rio e, de pronto agrado, foi declarar sua grande admiração para com Òsùn.
Foi-se a tal ponto que Sàngó, viu-se completamente apaixonado por aquela linda mulher, e perguntou se não gostaria de morar em sua companhia no seu lindo castelo na cidade de Oyó. Òsùn rejeitou o convite, pois lhe fazia muito bem a companhia de Èsù.
Sàngó então, irado por ter sido contrariado, sequestrou Òsùn e levou-a em sua companhia, aprisionando-a na masmorra de seu castelo.
Èsù, logo de imediato sentiu a falta de sua companheira e saiu a procurar, por todas as regiões, pelos quatro cantos do mundo, sua doce pupila de anos de convivência.
Chegando nas terras de Sàngó, Èsù foi surpreendido por um canto triste e melancólico que vinha da direcção do palácio do Rei de Oyó, da mais alta torre. Lá estava Òsùn, triste e a chorar por sua prisão e permanência na cidade do Rei.
Èsù, esperto e matreiro, procurou a ajuda de Òrùnmílá, que de pronto agrado lhe cedeu uma poção de transformação para Òsùn fugir dos domínios de Sàngó.
Èsù, através da magia, pôde fazer chegar às mãos de sua companheira a tal poção.
Òsùn tomou de um só gole a poção mágica e transformou-se numa linda pomba dourada, que voou e pode então retornar em companhia de Èsù para a sua morada.
X
Como Èsù tornou-se Òsijè-Ebó
Essa história revela o nascimento do 17o. Odù, como e de onde nasceu Òsetùwá, em decorrência, veremos a analise através de como Èsù se tornou Èsù Òsijè-Ebó, o transportador e encarregado de encaminhar as oferendas entre a terra e o òrun.
Quem deveria consultar o porta-voz-principal-do-culto-de-Ifá; a nuvem está pendurada por cima da terra...
Bábálàwó dos tempos imemoriais;
Os "siris" estão no rio; a marca do dedo requer Yèréòsùn (pó sagrado de Ifá).
Estes foram os Bábálàwó que jogaram Ifá para os quatrocentos Irúnmolè, senhores do lado direito, e jogaram Ifá para os duzentos malè, senhores do lado esquerdo. E jogaram Ifá para Òsun, que tem uma coroa toda trabalhada de contas, no dia em que ele (Òsetùá) veio a ser o décimo sétimo dos Irùnmolè que vieram ao mundo, quando Òlódumàrè enviou os òrìsà, os dezesseis, ao mundo, para que viessem criar e estabelecer a terra.
E vieram verdadeiramente nessa época. As coisas que Òlódumàrè lhes ensinou nos espaços do òrun constituíram nos pílares de fundação que sustentam a terra para a existência de todos os seres humanos e de todos os ebora. Olódumàrè lhes ensinou que quando alcançassem a terra, deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a de Orò, o Igbó Orò. Deveriam abrir uma clareira na floresta, consagrando-a a Eégún, o Igbó Eégún, que seria chamado Igbó Òpá. Disse que deveriam abrir uma clareira na floresta consagrando-a a Odù Ifá, o Igbó Odù, onde iriam consultar o oráculo a respeito das pessoas.
Disse ele que deveriam abrir um caminho para os Òrìsà e chamar esse lugar de Igbó Òrìsà, floresta para adorar os òrìsà. Olódumàrè lhes ensinou a maneira como deveriam resolver os problemas de fundação (assentamento) e adoração dos ojóbo (lugares de adoração) e como fariam as oferendas para que não houvesse morte prematura, nem esterilidade, nem infecundidade, que não houvesse perda, nem vida paupérrima, não houvesse nada de tudo isso sobre a terra. Para que as doenças sem razão não lhes sobrevivessem, que nenhuma maldição caísse sobre eles, que a destruição e a desgraça não se abatessem sobre eles.
Olódumàrè ensinou aos dezasseis òrìsà o que eles deveriam realizar para evitar todas as coisas. Ele os delegou e enviou à terra, a fim de executarem tudo isso. Quando vieram ao òde àiyé, a terra, fundaram fielmente na floresta o lugar de adoração de Orò, o Igbá Orò. Fundaram na floresta o lugar de adoração de Eégún. Fundaram na floresta o lugar de adoração de Ifá que chamamos Igbódù. Também abriram um caminho para os òrìsà, que chamamos igbóòòsa.
Executaram todos esses programas visando a ordem.
Se alguém estava doente, ele ia consultar Ifá ao pé de Òrúnmìlá. Se acontecia que Eégún poderia salvá-lo, dir-lho-iam. Seria conduzido ao lugar de adoração na floresta de Eégún ao Igbó-Igbàlè, para que ele fizesse uma oferenda para Egúngún. Talvez que um de seus ancestrais devesse ser invocado como Eégún, para que o adorasse, a fim de que esse Eégún o protegesse. Se havia uma mulher estéril, Ifá seria consultado, a respeito dela, a fim de que Orúnmìlà pudesse indicar-lhe a decoação de Òsun, que ela deveria tomar. Se havia alguém que estava levando uma vida de miséria, Orúnmìlà consultaria Ifá, a respeito dele. Poderia ser que Orò estivesse associado à sua própria entidade criadora. Orúnmìlà diria a essa pessoa que é a Orò que ela devia adorar. E ela seria conduzida à floresta de Orò.
Eles seguiram essa prática durante muito tempo.
Enquanto realizavam as diversas oferendas, eles não chamavam Òsun. Cada vez que iam à floresta de Eégún, ou à floresta de Orò, ou à floresta de Ifá, ou à floresta de Òòsà, a seu retorno, os animais que eles tinham abatido, fossem cabras, fossem carneiros, fossem ovelhas, fossem aves, entregavam-nos a Òsun para que ela os cozinhasse.
Preveniram-na que quando ela acabasse de preparar os alimentos, não devia comer nenhum pouco, porque deviam ser levados aos Malè, lá onde as oferendas são feitas.
Òsun começou a usar o poder das mães ancestrais - àse Iyá-mi - e a estender sobre tudo o que ela fazia esse poder de Iyá-mi-Àjé, que tornava tudo inútil.
Se se predissesse a alguém que ele ou ela não fosse morrer, essa pessoa não deixava de morrer. Se fosse proclamado que uma pessoa não sobreviveria, a pessoa sobreviveria. Se se previsse que uma pessoa daria à luz um filho, a pessoa tornava-se estéril. Um doente a quem se dissesse que ele ficaria curado não seria jamais aliviado de sua doença.
Essas coisas ultrapassavam seu entendimento, porque o poder de Olódumàre jamais tinha falhado. Tudo que Olódumàre lhes havia ensinado eles o aplicavam, mas nada dava resultado. Que era preciso fazer ?
Quando se congregaram numa reunião, Orúnmìlà sugeriu que, já que eles eram incapazes de compreender o que se estava passando por seus próprios conhecimentos, não havia outra solução senão consultar Ifá novamente.
Em consequência, Orúnmìlà trouxe seu instrumento adivinatório, depois consultou Ifá. Contemplou longamente a figura do Odù que apareceu e chamou esse Odù pelo nome de òsetùá.
Ele olhou em todos os sentidos. A partir do resultado definitivo de sua leitura, Orúnmìlà transmitiu a resposta a todos os outros Odù-àgbà. Estavam todos reunidos e concordaram que não havia outra solução para todos eles, os òrìsàs-irúnmàlè, senão encontrar um homem sábio e instruído que podesse ser enviado a Olódumàrè, para que mandasse a solução do problema e o tipo de trabalho que devia ser feito para o restabelecimento da ordem, a fim de que as coisas voltassem a normalizar-se, e nada mais interferisse em seus trabalhos.
Ele, Orúnmìlà, deveria ir até a Olódumàrè. Orúnmìlà ergueu-se. Serviu-se de seus conhecimentos para utilizar a pimenta, serviu-se de sua sabedoria para tomar nozes de obi, despregou seu òdùn (tecido de ráfia) e o prendeu no seu ombro, puxou seu cajado do solo, um forte redemoinho o levou, e ele partiu até aos vastos espaços do outro mundo para encontrar Olódumàrè. Foi lá que Orúnmìlà reencontrou Èsù Òdàrà. Èsù já estava com Olódumàrè. Èsù fazia sua narração a Olódùmarè. Explicava que aquilo que estava estragando o trabalho deles na terra era o fato de eles não terem convidado a pessoa que constitui a décima sétima entre eles. Por essa razão, ela estragava tudo, Olódumàrè compreendeu.
Assim que Orúnmìlà chegou, apresentou seus agravos a Olódumàrè. Então Olódumàrè lhe disse que deveria ir e chamar a décima sétima pessoa entre eles e levá-la a participar de todos os sacrifícios a serem oferecidos. Porque, além disso, não havia nenhum outro conhecimento que Ele lhes pudesse ensinar senão as coisas que Ele já lhes havia dito.
Quando Orúnmìlà voltou à terra, reuniu todos os òrìsà e lhes transmitiu o resultado de sua viagem.
Chamaram Òsun e lhe disseram que ela deveria segui-los por todos os lugares onde deveriam oferecer sacrifícios. Mesmo na floresta de Eégún. Òsun recusou-se: ela jamais iria com eles. Começaram a suplicar a Òsun e ficaram prostrados um longo tempo. Todos começaram a homenageá-la e a reverenciá-la. Òsun os maltratava e abusava deles. Ela maltratava Òrìsànlá, maltratava Ògún, maltratava Orúnmìlà, maltratava Òsányín, maltratava Orànje, ela continuava a maltratar todo mundo. Era o sétimo dia, quando Òsun se apaziguou. Então eles disseram que viesse. Ela replicou que jamais iria, disse, entretanto, que era possível fazer uma outra coisa já que todos estavam fartos dessa história.
Disse que se tratava da criança que levava no seu ventre. Somente se eles soubessem como fazer para que ela desse à luz uma criança do sexo masculino, isso significaria que ela permitiria então que ele a substituísse e fosse com eles. Se ela desse à luz uma criança do sexo feminino, podiam estar certos que esta questão não se apagaria em sua mente. Ficariam aí, pedaços, pedaços, pedaços. E eles deveriam saber com certeza que esta terra pereceria; deveriam criar uma nova. Mas se ela desse à luz um filho homem, isso queria dizer que, evidentemente, o próprio Olórun os tinha ajudado.
Assim apelou-se para Òrìsàlá e para todos os outros òrìsà para saber o que deveriam fazer para que a criança fosse do sexo masculino. Disseram que não havia outra solução a não ser que todos utilizassem o poder - àse - que Olódumàrè tinha dado a cada um deles; cada dia repetidamente deveriam vir, para que a criança nascesse do sexo masculino, Todos os dias iam colocar seu àse - seu poder - sobre a cabeça de Òsun, dizendo o que segue:
"Você Òsun ! Homem ele deverá nascer, a criança que você traz em si!" Todos respondiam "assim seja", dizendo "tó!" acima de sua cabeça...
Assim fizeram todos os dias, até que chegou o dia do parto de Òsun. Ela lavou a criança. Disseram que ela deveria permitir-lhes vê-la. Ela respondeu "não antes de nove dias". Quando chegou o nono dia, ela os convocou a todos. Esse era o dia da cerimónia do nome, da qual se originaram todas as cerimónias de dar o nome. Mostrou-lhes a criança, e a pôs nas mãos de Òrìsàálá. Quando Òrìsàálá olhou atentamente a criança e viu que era um menino, gritou: "Músò"...! (hurra...!). Todos os outros repetiram "Músò".....! Cada um carregou a criança, depois o abençoaram. Disseram "somos gratos por esta criança ser um menino". Disseram: "Que tipo de nome lhe daremos?". Òrìsàálá disse: "Vocês todos sabem muito bem que cada dia abençoamos sua mãe com nosso poder para que ela pudesse dar à luz uma criança do sexo masculino, e essa criança deveria justamente chamar-se À-S-E-T-Ù-W-Á (o poder trouxe ela a nós)" Disseram: "Acaso você não sabe que foi o poder do àse, que colocamos nela, que forçou essa criança a vir ao mundo, mesmo se antes ela não queria vir à terra sob a forma de uma criança do sexo masculino? Foi nosso poder que a trouxe à terra". Eis por que chamaram a criança de Àsetùwà.
Quando chegou o tempo, Orúnmìlà consultou o oráculo Ifá acerca da criança, porque todos devem conhecer sua origem e destino, colheram o instrumento de Ifá para consultá-lo. Eles o manipularam e o adoraram. Era chegado o momento de consultar Ifá a respeito dele, para saberem qual era seu Odù, para que o pudessem iniciar no culto de Ifá. Levaram-no à floresta de Ifá, que chamamos Igbódù, onde Ifá revelaria que Òsè e Òtùá eram seu Odù. Este foi o resultado que ele deu a respeito da criança. Orúnmìlà disse: "a criança que Òsè e Òtùá fizeram nascer, que antes chamamos de Àsetùwá", disse, "chamemo-la de Òsètùá". Foi por isso que chamaram a criança com o nome do Odù de Ifá que lhe deu nascimento, Òsètùá.
Àsetùá era o nome que ele trazia anteriormente. Assim, a criança participou do grupo dos outros Odù, ao ponto de ir com eles a todos os lugares onde se faziam oferendas na terra. Foi assim que todas as coisas que Olódùmàrè lhes tinha ensinado deixaram de ser corrompidas. Cada vez que proclamavam que as pessoas não morreriam, elas realmente sobreviviam e não morriam. Se diziam que as pessoas seriam ricas, elas tornavam-se realmente ricas. Se diziam que a mulher estéril conceberia, ela realmente dava à luz. A própria Òsun deu a essa criança um nome nesse dia. Disse ela: "Osó a gerou (significando que a criança era filho do poder mágico), porque ela mesma era uma ajé e a criança que ela gerou é um filho homem. Disse ela: "Akin Osò", (Akin Osò: poderoso mago; homem bravo dotado de um grande poder sobrenatural) eis o que a criança será !
É por isso que eles chamaram Òsetùá de Akin Osò, entre todos os Odù Ifá e entre os dezasseis òrìsà mais anciãos. Depois eles disseram que em qualquer lugar onde os maiores se reunissem, seria compulsório que a criança fosse um deles. Se não pudessem encontrar o décimo sétimo membro, não poderiam chegar a nenhuma decisão, e se dessem um conselho, não poderiam ratifica-lo.
Finalmente, aconteceu! Sobreveio uma seca na terra. Tudo estava seco! Não havia nem orvalho! Fazia três anos que tinha chovido pela última vez. O mundo entrou em decadência. Foi então que eles voltaram a consultar Ifá, Ifà àjàlàiyé. (aquele que administra a terra) Quando Orúnmìlà consultou Ifá àjàlàiyé, disse que deveriam fazer uma oferenda, um sacrifício, e preparar a oferenda de maneira que chegasse a Olódùmàrè, para que Olódùmàrè pudesse ter piedade da terra, e assim não virasse as costas à terra e se ocupasse dela para eles. Porque Olódùmàrè não se ocupava mais da terra. Se isso continuasse, a destruição era inevitável, era iminente. Somente se pudessem fazer a oferenda, Olódumàrè teria sempre misericórdia deles. Ele se lembraria deles e zelaria pelo mundo.
Foi assim que prepararam a oferenda. Eles colocaram, uma cabra, uma ovelha, um cachorro e uma galinha, um pombo, uma preá, um peixe, um ser humano e um touro selvagem, um pássaro da floresta, um pássaro da savana, um animal doméstico.
Todas essas oferendas, e ainda dezasseis pequenas quartinhas cheias de azeite de dendê que eles juntaram nesse dia. E ovos de galinha, e dezasseis pedaços de pano branco puro. Prepararam as oferendas apropriadas usando folhas de Ifá, que toda oferenda deve conter. Fizeram um grande carrego com todas as coisas. Disseram então, que o próprio Èjì-Ogbè deveria levar essa oferenda a Olódumàrè. Ele levou a oferenda até as portas do òrun, mas elas não lhe foram abertas. Èjì-Ogbè voltou à terra. No segundo dia Òyèkú-Méji a carregou, ele voltou. Não lhe abriram as portas. Ìwòrí-Méji levou a oferenda, assim fizeram Òdi-Méji; Ìrosùn-Méji; Òwórin-Méji; Òbàrà-Méji; Òkànràn-Méji; Ogúndá-Méji; Òsá-Méji; Ìká-Méji; Òtúrúpòn-Méji; Òtúá-Méji; Ìrètè-Méji; Òsè-Méji; Òfún-Méji. Mas não puderam passar, Olórun não abria as portas. Assim decidiram que o décimo sétimo entre eles deveria ir e experimentar o seu poder, antes que tivessem que reconhecer que não tinham mais nenhum poder.
Foi assim que Òsetùá foi visitar certos Babaláwo, para que eles consultassem o oráculo para ele. Esses Babaláwo traziam os nomes de Vendedor-de-azeite-de-dendê e Comprador-de-azeite-de-dendê. Ambos esfregaram seus dedos com pedaços de cabaça. Jogaram Ifá para Akin Osò, o filho de Enìnàre (aquela que foi colocada na senda do bem) no dia em que ele conseguiu levar a oferenda ao poderoso òrun. Disseram que ele deveria fazer uma oferenda; disseram, quando ele acabasse de fazer a oferenda, disseram, no lugar a respeito do qual ele estava consultando Ifá, disseram, ali, ele seria coberto de honras, disseram, sucederá que a posição que ele ali alcançasse, disseram, essa posição seria para sempre e não desapareceria jamais.
Disseram, as honras que ele ali receberia, disseram, o respeito, seriam intermináveis.
Disseram: "Você verá uma anciã no seu caminho", disseram, "faça-lhe o bem". Assim, quando Òsetùá acabou de preparar a oferenda, seis pombos, seis galinhas com seis centavos e quando estava em seu caminho, ele encontrou uma anciã. Ele carregava a oferenda no caminho que levaria a Èsù, quando encontrou essa anciã na sua rota. Essa anciã era da época em que a existência se originou. Disse: "Akin Osò! à casa de quem vai você hoje ?" Disse: "eu ouvi rumores a respeito de todos vocês na casa de Olófin, que os dezasseis Odù mais idosos levaram uma oferenda ao poderoso òrun sem sucesso".
Disse: "assim seja".
Disse: "é sua vez hoje?''
Disse: "é minha vez".
Disse: "tomou alimentos hoje?"
Respondeu ele: "eu tomei alimentos".
Disse ela "quando você chegar a seu sitio, diga-lhes que você não irá hoje".
Disse ela: "Esses seis centavos que você me deu", Disse: "há três dias não tinha dinheiro para comprar comida"
Disse: "diga-lhes que você não irá hoje".
Disse: "quando chegar amanhã, você não deve comer, você não deve beber antes de chegar ali".
Disse: "você deve levar a oferenda".
Disse: "todos esses que ali foram, comeram da comida da terra, essa é a razão por que Olórun não lhes abriu a porta!"
Quando Òsetùá voltou a casa de Oba Àjàlàiyè, todos os Odù Ifá estavam reunidos lá. Disseram: "você deve estar pronto agora, é sua vez hoje de levar a oferenda ao òrun, talvez a porta seja aberta para você!" Disse ele que estaria pronto no dia seguinte, porque não tinha sido avisado na véspera.
Quando chegou o dia seguinte, Òsetùá, foi encontrar Èsù e lhe perguntou o que deveria fazer.
Èsù respondeu: "Como! Jamais pensei que você viria me avisar antes de partir". Disse ele: "isso vai acabar hoje, eles lhe abrirão a porta !" Perguntou ele: "Tomou algum alimento?" Òsetùá lhe respondeu que uma anciã lhe tinha dito na véspera que ele não devia comer absolutamente nada. Então Òsetùá e Èsù puseram-se a caminho. Partiram em direcção aos portões do òrun.
Quando chegaram lá, as portas já se encontravam abertas. Quando levaram a oferenda a Olódùmarè e Ele examinou. Olòdumarè disse: "Haaa! Você viu qual foi o último dia que choveu na terra?! Eu me pergunto se o mundo não foi completamente destruído. Que pode ser encontrado lá?" Òsetùá não podia abrir a boca para dizer qualquer coisa. Olódùmarè lhe deu alguns "feixes" de chuva. Reuniu, como outrora, as coisas de valor do òrun, todas as coisas necessárias para a sobrevivência do mundo, e deu-lhas. Disse que ele, Òsetùá, deveria retornar.
Quando deixaram a morada de Olódumarè, eis que Òsetùá perdeu um dos "feixes" de chuva. Então a chuva começou a cair sobre a terra. Choveu, choveu, choveu, choveu....
Quando Òsetùá voltou ao mundo, em primeiro lugar foi ver Quiabo. Quiabo tinha produzido vinte sementes. Quiabo que não tinha nem duas folhas, um outro não tinha mesmo nenhuma folha em seus ramos.
Voltou-se em direcção à casa do Quiabo escarlate, Ilá Ìròkò tinha produzido trinta sementes. Quando chegou a casa de Yáyáá, esse havia produzido cinquenta sementes. Foi então até à casa da palmeira de folhas exuberantes, que se encontrava na margem do rio Awónrin Mogún. A palmeira tinha dado nascimento a dezasseis rebentos. Depois que a palmeira deu nascimento a dezasseis rebentos ele voltou à casa de Oba Àjàlàiyé.
Àse se expandia e se estendia sobre a terra. Sémen convertia-se em filhos, homens em seu leito de sofrimento se levantavam, e todo o mundo tornou-se aprazível, tornou-se poderoso. As novas colheitas eram trazidas dos plantios. O inhame brotava, o milho amadurecia, a chuva continuava a cair, todos os rios transbordavam, todo mundo era feliz.
Quando Òsetùá chegou, carregaram-no para montar num cavalo (signo de realeza: só os mais poderosos podem-se permitir a criar ou montar cavalos em País Yorùbá). Estavam mesmo a ponto de levantar o cavalo do chão para mostrar até que ponto as pessoas estavam ricas e felizes. Estavam de tal forma contentes com ele, que o cobriram de presentes, os que estavam em sua direita os que estavam em sua esquerda. Começaram a saudar Òsetùá: "Você é o único que conseguiu levar a oferenda ao òrun, a oferenda que você levou ao outro mundo era poderosa !
Disseram, "sem hesitação, rápido, aceite meu dinheiro e ajude-me a transportar minha oferenda ao òrun! Òsetùá! Aceite rápido! Òsetùá aceite minha oferenda!" Todos os presentes que Òsetùá recebeu, os deu todos a Èsù Òdàrà. Quando os deu a Èsù, Èsù disse: "Como!" Há tanto tempo ele entregava os sacrifícios, e não houve ninguém para retribuir-lhe a gentileza.
"Você Òsetùá! Todos os sacrifícios que eles fizerem sobre a terra, se não os entregarem primeiro a você, para que você possa trazer a mim, farei que as oferendas não sejam mais aceitáveis".
Eis a razão pela qual sempre que os Babaláwo fazem sacrifícios, qualquer que seja o Odù Ifá que apareça e qualquer que seja a questão, devem invocar Òsetùá para que envie as oferendas a Èsù. Porque é só de sua mão que Èsù aceitará as oferendas para levá-las ao òrun. Porque quando Èsù mesmo recebia os sacrifícios das pessoas da terra e os entregava no lugar onde as oferendas são aceitas, eles não demonstravam nenhum reconhecimento pelo que ele fazia por todos até o dia em que Òsetùá teve de carregar o sacrifício e Èsù foi abrir o caminho apropriado para o òrun, para alcançar a morada de Olódumàrè. Quando se abriram as portas para ele. A qualidade de gentileza que Èsù recebeu de Òsetùá era realmente muito valiosa para ele (Èsù). Então ele e Òsetùá decidiram combinar um acordo pelo qual todas as oferendas que deveriam ser feitas deveriam ser-lhe enviadas por intermédio de Òsetùá. Foi assim que Òsetùá converteu-se no entregador de oferendas para Èsù. Èsù Òdàrà, foi assim que ele se converteu em O portador de oferendas para Olódumàrè, Èsù Òsijé-Ebó, no poderoso òrun. É assim como este Itan (verso) Ifá explica, a respeito de Èsù e Òsetùá.
XI
"Exu, filho primogénito de Iemanjá com Orunmilá, o deus da adivinhação e irmão de Ogum, Xangô e Oxóssi, era voraz e insaciável. Conseguiu comer todos animais da aldeia em que vivia. Depois disso, passou a comer as árvores, os pastos, tudo que via até chegar ao mar. Orunmilá previu então que Exu não pararia e acabaria comendo os homens, e tudo que visse pela frente, chegando mesmo a comer o céu. Ordenou então a Ogum que contivesse o irmão Exu a qualquer custo. Para conseguir isto, Ogum foi obrigado a matar Exu, a fim de preservar a terra criada e os seres humanos. Mas mesmo depois da morte de Exu, a natureza, os pastos, as árvores, os rios, tudo permaneceu ressecado e sem vida, doente, morrendo. Um babalaô (representante de Orunmilá na terra) alertou Orunmilá de que o espírito de Exu sentia fome e desejava ser saciado, ameaçando provocar a discórdia entre os povos como vingança pelo que Orunmilá e Ogum haviam feito. Orunmilá determinou então que em toda e qualquer oferenda que fosse feita pelos homens a um orixá, houvesse uma parte em homenagem a Exu, e que esta parte seria anterior a qualquer outra, para que se mantivesse sempre satisfeito e assim possibilitasse a concórdia".
XII
Filho de Oxalá com Yemanjá e irmão gémeo de Ogum, Elegbará sempre aprontava para chamar a atenção, devido aos seus ciúmes.
Destemido, valente e brincalhão, adorava se envolver em tudo o que acontecia na Terra. Devido à sua imensa curiosidade e vontade de viver, ele andou pelos quatro cantos do mundo, buscando descobrir todos os segredos e mistérios que envolviam a nosso planeta.
Elegbará era um orixá que ao mesmo tempo que era amado, era muito temido, pois já intimidava a todos com seus olhos, que eram duas bolas de fogo. Ao contrário de alguns orixás que ansiavam em ter um reino, fundando nações, ele queria o mundo todo, por isto saía pelas estradas, vivendo aventuras e angariando adoradores em todas as tribos que visitava.
Elegbará é aquele que vive no plano intermediário entre o Orum e o Aiyê.
Ele é o protector dos aventureiros, jogadores e todos aqueles que gostam de viver.
XIII
CONTOS
O Teste de Ifá
Eleg, cafião de extrema curiosidade, vivia a andar pela Terra, tentando descobrir todos os segredos e mistérios que existiam no planeta. Em nome desta ânsia do saber, pediu a seu irmão gémeo, Ogun, que cuidasse de sua tribo. Este, no entanto, recusou-se, argumentando que também não dava a devida atenção à sua própria tribo. Por fim os dois deixaram suas tribos sob os cuidados de sua mãe, Yemanjá, pois ela sempre dava atenção a quem quer que fosse... O sol estava no ponto mais alto do céu, fustigando a vegetação, enquanto uma leve e quente brisa soprava o cheiro da mata quase seca. A cada passo, Eleg podia sentir o chão seco e a poeira colar em seus calcanhares suados, enquanto pensava em que caminho tomaria, para encontrar algo que saciasse sua sede de conhecimento. Embora parecesse absorto em suas divagações, estava sempre alerta a tudo o que acontecia à sua volta, tanto que podia ouvir o bater das asas de uma borboleta, ou o abrir e fechar dos olhos de um macaco à longa distância e distinguir os sons de tal forma, que podia prestar atenção a tudo. Devido a esta sua capacidade, todos o comparavam ao vento, dizendo que ele estava em todos os lugares.
Com sua apurada audição, ele sentiu a aproximação de uma desembestada manada de rinocerontes ao longe. Isto se transformou em uma distracção, pois acompanhava com os olhos a corrida desorientada dos bichos que, por onde passavam, espantavam pássaros, derrubavam árvores e atropelavam outros animais. De repente a manada virou-se em sua direcção e ele, sem querer influir no arbítrio dos rinocerontes, decidiu sair de seu caminho. Num salto rápido alcançou o topo de uma grande pedra que estava ali perto, saindo da frente dos animais que levantaram uma imensa nuvem de poeira, que o deixaram sem visão por um instante. Do alto da rocha, assim que se dissipou a nuvem poeirenta, ele divisou ao longe, na vasta savana, um ancião deitado à sombra de um arbusto, parecendo estar dormindo, dada sua inércia. Não precisou pensar muito para ver que a manada estava na direção do pobre velho, que poderia machucar-se muito.
Vendo aquilo, Eleg sentiu-se condoído, não lhe agradava a idéia de que alguém pudesse ter um fim tão trágico. Tentando alertar o ancião, juntou todo o ar que seu pulmão pudesse suportar e gritou. No entanto o velho nem sequer se mexeu. Sem atinar se o barulho da manada abafara o seu berro, pensou que o homem pudesse estar ali desmaiado ou doente. Eleg sentiu em seu ser que deveria ajudá-lo.
Usando de sua fantástica velocidade, ele correu pela savana e, quando alcançou a manada, pulou e andou por sobre o lombo dos rinocerontes num malabarismo fantástico, vencendo um a um. Como tinha o poder de encantar qualquer animal, destemido, ele pulou à frente da manada, tomou uma distância segura, ergueu as mãos ao céu num gesto magistral e exalou todo seu poder. Um a um os animais paravam, deitavam-se e caiam em um profundo sono. Toda savana testemunhou um inesquecível espectáculo, tendo como produto final, o que parecia ser um imenso tapete de rinocerontes. Tal foi a força do encanto, que fez calar tudo ao redor. Se uma mosca houvera passado por ali, com certeza cairia desfalecida pelo chão árido.
Depois de afastar o perigo, Eleg, cansado pelo grande desprendimento de energia, virou-se e andou em direcção ao ancião para ver o que acontecera. Quando estava chegando perto, pôde ver o velho levantar-se, tirando o pó das rotas vestes.
Era um ser curvado, de movimentos lentos, que se apoiava num carcomido cajado. Com os olhos quase cobertos pelas pálpebras, fitou seu benfeitor com candura e um sorriso trémulo, curvando-se em sinal de agradecimento.
O viril cafião pensou que era algum tribal que fora abandonado à sorte pelos seus patrícios. Curioso Eleg indignado indagou:
- Quem é você? O que faz aí, bem à frente de uma desembestada manada, preste a ser demolido por completo?
- Quer saber quem sou? Perguntou o velho sorridente, mostrando apenas dois dentes na boca, e caiu no chão sobre si, cobrindo-se com seus trapos, parecendo querer esconder-se.
De repente, uma imensa luz despedaçou os trapos como se fossem de vidro. Neste momento surgiu à frente do cafião um ser que brilhava como o Sol, que chegou a ofuscar seus olhos de fogo. Quando se acostumou com o brilho, ele viu que se tratava de Ifá, um ser de luz, enviado de Olorum na Terra, encarregado de ouvir a todos aqueles que buscam ajuda, detentor de segredos e mistérios.
Perplexo, Eleg perguntou:
- O que aconteceu, para você, um orixá, materializado como um velho, estar caído à sombra de um arbusto, esperando ser pisoteado pelos rinocerontes - neste momento o cafião percebeu que não estava na savana , mas numa floresta à beira de um rio, o ar era húmido e com um maravilhoso cheiro de verde. O carcomido cajado cintilava e tinha na ponta uma reluzente bola de cristal, que rodava sem parar em volta de seu próprio eixo. Ela era como a íris do grande olho que se formou no ponto mais alto do cajado.
Ifá com voz solene, que parecia ecoar pela floresta, pacientemente explicou:
- Isto tudo se tratava de um teste, pois, entre os orixás corre a história de que você não era capaz de ajudar ninguém, sem querer algo em troca, uma vez que só pensava em si mesmo e em suas descobertas. Mas vejo que todos estão errados, e hoje vi com meus próprios olhos que a bondade pode ser despertada em você, uma vez que correu em auxílio de um velho pobre e aparentemente sem nada para dar em troca. Frente a isto, quero lhe propor o seguinte: como sei da sua curiosidade, eu lhe darei um modo de saber o presente, o passado e o futuro - Ifá debruçou-se sobre o rio, pegou dentre as águas um punhado de conchas e prosseguiu - tome, estes são meus olhos, dou-lhe estes búzios, um jogo através do qual saberá tudo o que ocorre pelas tribos, com a condição de ajudar a todos que precisem de seu auxílio.
- Eu aceito seu presente - Eleg pegou das mãos de Ifá as conchas, enquanto as duas bolas de fogo, seus olhos, brilhavam como nunca, parecendo estarem hipnotizados, e continuou - embora não possa afirmar que correrei atrás de ninguém para ajudar, prometo auxiliar a todos que a mim vierem.
Assim que terminou de falar, ele levantou os olhos e não viu nem floresta com rio, nem o ser de luz, que havia desaparecido como se tivesse evaporado no ar, encontrava-se à sombra de um arbusto no meio da seca savana.
Eleg sentiu um misto de êxtase e torpor, ao constatar que seu esforço não fora em vão e ao ver que um sentimento tão simples pudesse lhe render tão precioso presente. Essas sensações cruzaram com ele todo o caminho de volta para sua gruta, onde guardou e sempre consultava seu jogo, para saber os acontecimentos e fofocas de todas tribos, procurando manter em segredo seu valioso presente.
Eleg Descobre o Ouro
Eleg nunca gostou de ficar parado num só lugar, seu prazer era andar pelas tribos, chamar a atenção de todos, contando suas aventuras (sempre aumentando um pouquinho) e gabando-se por suas descobertas. Muitas vezes causava intrigas, fazendo o leva-e-traz, pois tinha acesso livre a todos os reinos. Embora fosse brincalhão (deleitava-se ao pregar uma peça em alguém), gostava de estar sempre bem com todos, pois era muito político, fazia de tudo para agradar. Muitos o estimavam, era o orixá com maior número de adoradores, ele conquistava a admiração de todos, fosse com suas previsões, dadas pelo seu jogo de búzios, fosse com uma boa conversa: falava do que sabia com eloquência, e do que não sabia, sofismava com elegância, quando era surpreendido num assunto que pouco sabia, mudava de assunto tão rapidamente que ninguém percebia.
Sua chegada nas tribos era motivo de festa, as crianças saiam saltitantes de moradia em moradia, anunciando entre palmas e gritos. As pessoas se atropelavam e o circundavam, tentando tocá-lo. Quando ele parava no meio da aldeia, todos se sentavam a sua volta, ouvindo-o contar as notícias e suas peripécias, que provocam risos e veneração. Eleg era sempre portador de uma novidade, trazendo sob suas vestes algo inusitado, curiosidades que arrancavam urros de espanto dos espectadores. Quando percebia que as pessoas se cansavam de seus pertences e suas histórias e não lhe davam a devida atenção, ou ele aprontava uma pilhéria, ou entediava-se e ia embora, procurando obter a esperada consideração em outra tribo. Numa dessas visitas a uma tribo, enquanto Eleg contava suas aventuras com maestria, um forte tremor de terra fez com que todos os espectadores debandassem entre gritos desesperados, deixando o narrador sozinho no meio da aldeia. Após o rápido terremoto, o silêncio era tão grande que se podia ouvir o pensamento do cafião. Passou por sua mente a vontade de descobrir o que sucedera.
Era Odudua, a mãe natureza, demonstrando sua ira, devido à grande devastação que ocorrera numa disputa entre tribos, onde uma botou fogo na vegetação da outra, em busca de enfraquecimento do inimigo. O incêndio atingiu grande parte de uma floresta, dizimando a fauna e a flora da região.
Perplexo, ele levantou-se como quem esperava o pior, pois o silêncio era um mau presságio. Quando ele ameaçou caminhar, um novo tremor sucedeu, desta vez, mais forte e duradouro, as pedras rolaram e os gritos ecoaram pela aldeia, grandes árvores caíam por terra, arrastando consigo séculos de história. Os pássaros abandonavam as árvores em revoada, os macacos pulavam de galho em galho em total desespero.
Aos pés de Eleg o chão começou a se abrir, formando uma imensa fenda, fazendo a terra sangrar, mostrando a lava incandescente. Quando a ferida começou a cuspir bolas de fogo, o chão parou de tremer. O fogo não abalou a confiança dele, que mesmo em meio à grande e espessa fumaça, avistou um material que brilhava como a luz do Sol. Dando vazão à sua curiosidade, chegou perto da lava, uma vez que ele era o senhor do fogo e dos vulcões, o calor não lhe fez mal algum. Com as mãos colheu o material. Tratava-se de uma esfera de brilho estonteante, cuja cor dourada chegava a ofuscar seus olhos, que eram duas bolas de fogo. Frente à infinita beleza, ele decidiu apossar-se da bola brilhante no intuito de juntá-la às suas outras descobertas, que ficavam escondidas em sua gruta, cujo caminho só ele conhecia.
A fumaça e a lava já se dissipara, quando o cafião, vislumbrando seu achado, dirigia-se para fora da aldeia. Tomado por um grande delírio, pôde ouvir alguém atrás de si. Era o chefe da aldeia, correndo em sua direcção, tropeçando, gritando aflito:
- Oh! Senhor das peripécias, eu suplico, não carregues nosso precioso objecto, pois nele está o sustento de nossa aldeia! Se tirá-la de nós, tudo à nossa volta ruirá!
Demonstrando profundo desdém, o viril orixá abandonou o local, tomado pela energia da valiosa esfera.
À medida que Eleg se afastava, o que havia sobrado da aldeia caía por terra, dizimando todos que ali estavam, transformando tudo em pó e profundo silêncio.
A Grande Festa
De tempos em tempos, todas as tribos dos orixás se reuniam, para fazer a troca de energia entre eles. Eleg, como era muito exibido, achou por bem levar sua última descoberta, para mostrá-la a todos.
Oxóssi, o grande caçador, trouxe um grande animal de infinita beleza, para alimentar a todos, ofertou frutas e legumes em enormes alguidares. Ogun mostrou a todos a nova arma que forjara e logo tratou de abater o bicho trazido pelo caçador. Obá e Oxum, que sempre colocavam à prova suas habilidades culinárias, ofereciam as mais diversas iguarias. Omulu, com toda sua humildade, contou sobre as novas doenças que conheceu em suas últimas andanças. Ossayn, do meio da mata, ensinou sobre novas ervas de cura. Cada orixá tinha uma novidade para oferecer aos outros.
A certa altura da festa, o Eleg tirou de seu axó um objeto que parecia ter luz própria e ergueu-o sobre sua cabeça, neste momento Ogum e Oxalá pararam de falar, Oxóssi fez calar os atabaques, Iansã, Yemanjá e Oxum pararam de dançar, Xangô, Obá e Omulu deixaram de comer, Nanã, Oxumaré e Ewá abandonaram suas tendas, todos deixaram o que estavam fazendo para admirarem o maravilhoso artefacto.
Percebendo a estupefacção de todos os orixás e suas tribos frente à sua descoberta, Eleg encheu-se de satisfação e desfilou entre os presentes, para que todos pudessem ver de perto a esfera dourada, sem deixar ninguém tocá-la. A cada comentário, a cada sussurro de surpresa, ele girava num pé só e delirava, a energia que sentia em seu corpo podia fazê-lo levitar.
- Vejam - sussurravam alguns presentes - Eleg pegou um pedaço de Oorum!
- Que objecto maravilhoso! Diziam os mais estupefactos - que provas teve ele que vencer para conseguir tal artefacto?
Esses eram alguns dos comentários que corriam entre os mais entusiasmados. Como ele tinha os ouvidos apurados, gostou da idéia, viu nisto uma forma de aumentar sua glória. Frente aos ansiosos pedidos de lhes revelar o que ele havia feito para obter a esfera dourada ele disse com soberba.
- Cansado de explorar a Terra, que parece já não ter mistérios que alimentem minha ânsia do saber, descobri um modo de ir a outros lugares do universo (mentira), perambulando pelos astros passei pelo Oorum, de onde tive a idéia de tirar este pedaço do astro rei, para provar a minha bravura.
Depois do instante de silêncio que sucedeu à narrativa, um alarido tomou conta do lugar, enquanto uns duvidavam da sua história, outros se entregavam à sua inigualável intrepidez, fazendo-lhe os mais diversos elogios.
Oxum, filha de Oorum e a mais bela yabá de toda Terra, sentiu suas pernas tremerem e sua boca secar, dirigindo-se para sua tenda, pensou consigo: "Ah! Como meu querido pai pôde consentir que este esnobe o visitasse, sendo que eu, sua querida filha, nunca pude sequer fitá-lo daqui? Como este convencido se atreve a pegar um pedaço de meu pai?"
Durante um bom tempo ela permaneceu calada, sua ira confundia-se com sua tristeza. Quando sua mente parou de pensar por um instante na audácia de Eleg, ela atinou um plano: decidiu ter o objecto que acreditava ser um pedaço de Oorum, fazendo-se valer de sua beleza para seduzir o presunçoso cafião.
A Sedução de Oxum
A bela yabá, sabendo do profundo amor que o fanfarrão tinha por ela (o mesmo fizera questão de espalhar pelos quatro cantos do mundo, dizendo que ela um dia seria dele), foi com suas mucamas para a tenda de Eleg, ofertando-lhe um vinho, cuja safra deixava inveja ao néctar dos deuses. Ele não escondeu a surpresa e a satisfação de ter sua amada procurando sua companhia. De um salto ordenou aos convivas que se afastassem, alegando ter que dar atenção à yabá. Convidou-a educadamente a dividir seu aconchego, oferecendo uma deliciosa carne provinda da caça de Oxóssi. Deixando-se levar por seus prazeres, Eleg entregou-se totalmente aos encantos de Oxum, sem tirar nenhum momento os olhos da bela yabá, cujas madeixas eram enfeitadas com flores amarelas. Para agradá-la ainda mais, pediu a seus serviçais que enfeitassem sua tenda com tecidos amarelos que eram a cor preferida dela.
Oxum dócil e sensual, apesar de ter várias mucamas, tomava para si a tarefa de colocar uvas e os nacos de carne mal passada na boca do cafião, que a cada mastigada gemia de prazer, que com certeza não eram simplesmente pelo maravilhoso gosto do alimento. De quando em quando ele jogava-se no colo dela com a boca aberta, apontando para a quartinha de vinho, fingindo uma incontrolável impotência. Ela, por sua vez, graciosamente pegava e virava o recipiente com tal precisão que nenhuma gota caía. Depois de saborear o gole de tão sagrado líquido, uivava feito um animal no cio, chacoalhando os braços e a cabeça, deixando o suor do seu corpo espalhar-se pelo aposento, às vezes chegava a levantar-se e saltar, deixando-se levar pelo ímpeto do êxtase. Nesta ora bastava a iabá tocar-lhe docilmente, para amansá-lo e fazer com que deitasse de novo ao seu lado. Difícil saber qual prazer era maior: por um lado Eleg gozava o prazer de ter a seu lado uma yabá, cuja beleza encantava a qualquer ser, e ele nunca pôde chegar tão perto dela, mal podia acreditar no que acontecia, por outro lado Oxum deleitava-se ao ter sob seu domínio tão viril e indomável cafião, cuja sagacidade e disposição todos invejavam.
Depois de muito beber, ele se entregou por inteiro aos encantos da yabá, que, com toda sua infinita sedução, tentava convencê-lo a mostrar-lhe a caverna onde ele habitava. Entorpecido pelo vinho e pela beleza dela, concordou em revelar esse grande segredo.
Depois da festa, Eleg dispensou os serviçais e saiu pela mata carregando Oxum nos braços, cumprindo o que prometera. O caminho era longo e, mesmo sob os afagos infalíveis dela, ele ia pensando no que estava prestes a fazer, se valeria a pena ou não. Chegando perto de sua gruta, Eleg deu ouvido à sua intuição e fez um encanto, colocando a yabá para dormir, para ela não saber onde era a entrada de sua morada. Assim não haveria arrependimento de forma alguma.
Oxum na Gruta de Eleg
Oxum acordou num lugar iluminado por labaredas que saiam de fendas no chão. Estava deitada sobre macias peles de animais que não dava para precisar quais eram. Sobre sua cabeça havia centenas de estalactites no tecto da ampla caverna, cuja cor estava perto do laranja ou vermelho, dependendo da oscilação das chamas. Quando se levantou, observou que aos pés dos aposentos uma cesta repleta de mamões, seus frutos predilectos. Num giro pelo lugar pôde ver a amplitude da caverna que era repleta de aberturas laterais, eram como portas que poderiam dar em qualquer lugar.
Indignada começou a rodar em volta de si e gritar desesperada:
- Eleg, Eleg, onde está você? Por que me abandonou aqui?
Sua voz ecoava pela caverna fazendo parecer que havia muitas pessoas lá arremedando sua voz. Isto irritava-a, fazendo com que ela colocasse as mãos nos ouvidos e ajoelhar-se no chão. Depois de muito choro e lamentos, decidiu calar-se. Quando se levantou para arriscar entrar em uma das aberturas da caverna, ouviu um barulho que parecia ser de alguém que chegava.
De uma das aberturas atrás dela surgiu sorridente Eleg, perguntando docilmente:
- Oh! Minha amada, já acordou? Desculpe-me a ausência, precisei retirar-me por um instante apenas para guardar o meu pedaço de Oorum.
- Você não cumpriu o combinado! Trazia-me no colo e, de repente, acordei aqui sozinha, sem nem saber como aqui cheguei! Disse ela furiosa.
- Nada posso fazer, se no meio do caminho você adormeceu. Mas não vejo onde não cumpri o combinado, já que você agora conhece minha caverna. Não se alegra ao saber que é a única a conhecê-la? Disse ele astutamente deitando-se sobre as peles.
Vendo a possibilidade de seu plano ir por água abaixo, ela se jogou ao chão e começou a chorar.
Comovido pelos soluços da yabá, ele chegou perto e lhe acariciou os cabelos, tirando deles as pétalas das flores soltas. Percebendo a comoção dele, ela chorava mais e mais.
- Não é necessário tal pranto, o que fiz eu de errado? Perguntou Eleg pacientemente.
- Nada - disse ela, enxugando as lágrimas do rosto com as mãos - eu que sou uma tola. Como posso estar aqui aos prantos na presença de tão viril e belo orixá?
- Então por que chora? Disse ele totalmente embebido em sua vaidade.
- É que eu gostaria de tocar o pedaço do Sol, uma vez que é parte dos meus pais, que há muito me deixaram em nome de iluminar o mundo em que vivo. Sinto que isto me faria matar um pouco da saudade que sinto deles.
- Sinto seu pesar, mas acredito que tal objecto só aumentará a falta que sente! Disse Eleg, procurando esquivar-se.
- Engano seu, eu sei que será bom para mim! Ela insistiu.
- Bom! Então eu vou buscar! Concluiu virando-se em direcção à abertura de onde saíra há pouco.
- Não! Espere! Eu não vou ficar aqui só de novo! Falou, correndo atrás do cafião.
- Lamento, mas não poderá ir até minha gruta secreta! Eleg mostrou-se arredio.
- Por que não quer que eu vá até sua câmara secreta, se nem sequer sei chegar até aqui?
Eleg pensou por um momento e caiu diante do argumento da yabá, concordando que ela não oferecia perigo nenhum.
Os dois iam pelas grutas, enquanto Eleg, esperto, entrava em várias aberturas, procurando deixá-la desnorteada. Oxum, usando de toda sua sagacidade, foi jogando pelo caminho as pétalas das flores que estavam em suas melenas, com o máximo cuidado, para ele não perceber.
Quando chegou à câmara secreta de Eleg, ela ficou maravilhada, ao ver tantos pertences valiosos, e não economizou elogios ao cafião, que parecia desmanchar-se a cada palavra. Ele se abaixou e pegou a bola brilhante e entregou nas mãos dela. Uma sensação esquisita tomou conta da yabá. Tal objecto mostrou que exercia uma imensa força sobre seu ser, um forte desejo de ter o pedaço a qualquer custo, seus olhos brilhavam e espelhavam os pensamentos maléficos que passavam pela sua mente, fazendo com que tirasse os pés do chão por um instante, várias idéias sem nexo boiavam na sua cabeça, o brilho da esfera fazia sua cabeça girar, girar...
- Oxum! Oxum! Este é o presente que ganhei de Ifá, o jogo de búzios - disse Eleg entregando a ela as conchas.
As palavras dele trouxeram-na de novo à realidade. Ela, como se tivesse acordado de um sonho, entregou-lhe a bola com uma imensa dor e pegou o jogo.
- Veja! É através deste jogo que fico sabendo presente, passado e futuro...
- Maravilhoso! Disse ela, pegando as conchas e comprimindo-as ao corpo como se quisesse que elas atravessassem sua pele, num estado hipnótico. Chegou a pensar em Ifá, seu tio, com ressentimento.
Enquanto Eleg mostrava seus tesouros, ela não parava de pensar em como adquirir a bola dourada, às vezes soltava um elogio furtivo, tentando disfarçar seu intento.
Depois de saciada a curiosidade dela, ele a levou para os seus aposentos, para eles se deleitarem. Sem esquecer seu plano, a bela yabá entregou-se a um grande momento de amor, fazendo o cafião suar, uivar e gastar sua energia, falando falsas palavras de amor eterno com as quais ele delirava. Depois de muito tempo, o grande vigor dele caiu por terra. Ela o levara à exaustão, fazendo-o cair em sono profundo.
Quando teve a certa de que ele não se levantaria, ela, seguindo as pétalas pelo chão, correu para o esconderijo na intenção de resgatar o objecto que, para ela, pertencia-lhe por direito. Chegando à câmara secreta ela se abaixou para pegar a esfera, viu os búzios e decidiu levá-los também. Rapidamente ela pegou um pedaço de seu axó, fez uma trouxa onde ocultou os objectos e silenciosamente voltou para os aposentos. Na ânsia de obter o que queria, ela se esqueceu de como faria para sair dali. Olhava para as aberturas na caverna e começou a sentir-se tonta. De repente prestou a atenção nas labaredas que saiam do chão e constatou que de uma das aberturas soprava um vento quase imperceptível. Usando toda sua intuição, foi seguindo a brisa pelas aberturas da caverna.
Ao despertar todo amoroso, ele procurou Oxum pelos seus aposentos na intenção de elogiá-la pela grande noite de amor. Quando descobriu que ela não estava, ele correu para a sua câmara secreta, lá deu falta de seus bens preciosos. Cuspindo fogo por toda caverna, Eleg decidiu vingar-se. Foi correndo e vociferando pela gruta em direcção à saída.
Oxum já estava quase saindo, quando ouviu o eco dos berros de Eleg. Procurando preservar-se, ela correu sem olhar para trás. Ele saiu da caverna emanando fogo para todos os lados, fazendo a floresta arder em fogo. Quando avistou um rio, ela mergulhou em suas águas, para fugir das chamas.
A Busca de Eleg
Oxum, sabendo que Eleg não descansaria enquanto não a encontrasse, saiu espalhando, pelas tribos por onde passava, que resgatara os bens valiosos que lhe foram roubados e que ele havia mentido quando disse a todos que eram suas descobertas. Por conta das peripécias dele e sua grande capacidade de inventar histórias, todos tenderam a acreditar na yabá, dando-lhe cobertura na fuga, mas sem lhe dar guarida, por temerem perder a simpatia dele.
Diante da dificuldade em se esconder, ela decidiu pedir abrigo a Oxóssi, seu grande amor. Depois de ouvir a versão dela, ele decidiu abrigá-la em sua mata. O caçador tinha consciência de que o sagaz cafião não a incomodaria, enquanto estivesse por perto, mas sabia que, quando fosse caçar, nada deteria o furioso orixá. Assim aconselhou Oxum a procurar Yemanjá, cujo reino ficava no fundo do mar.
Depois de uma longa busca, Eleg ficou sabendo onde a deusa da beleza estava escondida. Inconformado, ele foi ao reino de sua mãe, com a certeza de que ela o ouviria a ponto de fazer Oxum devolver-lhe seus bens preciosos.
Ele foi bem recebido, mas Yemanjá parecia ressabiada com a presença dele.
- Minha mãe! Disse ele com reverência.
- Meu filho! O que o traz por estes lados? - indagou tentando disfarçar.
- Minha mãe deve saber o motivo de minha inusitada visita, já que não costumo vir a seu belo reino. - Eleg ironizou.
- Bom! Já deveria saber que não viria aqui simplesmente para me ver.
- Já sei que Oxum deve ter contado sua versão, fiquei sabendo em algumas tribos por onde passei. Espero que pelo menos a senhora minha mãe acredite na minha versão - falou curvando-se em respeito à benevolente yabá.
- Como posso acreditar em suas histórias, sendo que já mentiu tanto para todos? Quem pode me assegurar que conta a verdade agora? - desafiou Yemanjá.
- Como pode preterir seu próprio filho, para proteger uma yabá tão perversa!
Ele levantou, soltando chispas pelos olhos, fincou o pé no chão, levantou seu tridente e continuou furioso.
- Minha mãe pode escondê-la por enquanto, mas não sossegarei enquanto não obtiver o que por direito me pertence!
Ele virou-se de costas para Yemanjá, mostrando indignação e desrespeito, e saiu rapidamente, deixando suas pegadas ardendo em fogo no caminho que tomou para sair do reino.
À medida que andava, Eleg sentia a fúria transformar-se em consternação: como sua mãe escolheu proteger Oxum que o roubara?
Oxalá e Xangô vinham conversando animados pelo caminho. Andavam em direcção ao reino de Yemanjá. Falavam sobre a evolução dos reinos, as guerras e as doenças. Às vezes riam, às vezes calavam-se, buscando levantar novos assuntos para deliberarem. Foi num intervalo destes que Xangô avistou mais à frente alguém caminhando cabisbaixo.
- Olhe meu ‘pai’, aquele não é Eleg? Perguntou Xangô, apontando na direção do cafião.
- Sim! Mas o que aconteceu para estar tão absorto? Indagou Oxalá.
Eleg nunca foi visto daquele jeito, sempre aparecia animado, sorridente e sempre atento, prestes a pregar a peça em alguém. Tal comportamento despertava o interesse de qualquer um que o visse.
- O que aconteceu com você, meu filho? Indagou Oxalá, ao chegar perto de Eleg - Parece que é algo muito grave!
O tristonho contou-lhes o que sucedera: a conduta de Oxum e o desprezo de Yemanjá.
Frente à atitude de sua amada, Yemanjá, Oxalá começou a desconfiar dele, devido seus antecedentes, já que tanto ele quanto Xangô não sabiam do ocorrido. Frente ao relato, ele disse em tom punitivo, apoiando-se em seu cajado:
- Vejo que você não tem jeito! Sempre arrumando confusão! Ordeno...
- Espere, meu ‘pai’! Atalhou Xangô - acredito que, antes de condená-lo, deveríamos ouvir Oxum, para sabermos o que realmente aconteceu.
Diante do conselho de tão justo orixá, Oxalá pensou e decidiu ouvir a versão de Oxum.
Os três dirigiram-se para o reino de Yemanjá rapidamente. Oxalá ouvia os conselhos de Xangô, enquanto Eleg não dizia uma palavra.
O ‘senhor do fogo’ não quis entrar no reino, seguiram então Oxalá e Xangô, ansiosos para encontrarem Oxum.
Uma vez no reino de Yemanjá, Oxalá ordenou que a bela yabá viesse à sua presença, para relatar-lhes o acontecido. Ela então veio e contou sua versão, chorando e soluçando. Quando o supremo tendia a acreditar na história dela, Xangô interviu, dizendo que seria necessário colocar os dois frente a frente, para apurar quem dizia a verdade.
Oxum mostrou-se resistente perante a ideia, temendo ser desmascarada. Alegou estar com medo da fúria de Eleg. Sentindo que algo de errado havia na recusa, Oxalá prometeu que nada lhe aconteceria e convocou todos os orixás para um conselho.
O Julgamento de Oxalá
Ao contrário das festas, apenas os orixás estavam presentes no conselho. Nanã mesmo distante e envergonhada por sua forma, esteve presente. Ela recusava-se a chegar perto dos cafiões e, se pudesse opinar, certamente condenaria Eleg, além de odiar qualquer ser masculino, adorava Oxum, a única que foi visitá-la e presenteá-la após ter sido banida do reino por Oxalá.
Ossãe, embora não sendo visto por ninguém, fazia-se presente, de quando em quando assobiava e ria. Muitas versões corriam entre todos, muitas delas já haviam sofrido os efeitos da boca-a-boca transformando-se nas mais absurdas histórias.
Xangô prostrou-se ao lado de Oxalá, enquanto Eleg e Oxum ficaram em pé frente a frente no centro do conselho. Os olhos de fogo soltavam chispas, enquanto os olhos d’água dela lacrimejavam.
- Com o poder que me foi concedido por Olorum, o criador, convoquei a todos, para presenciarem este julgamento. Espero que todos tomem por conhecimento o que virem e ouvirem hoje! Falou Oxalá com eloquência. Sob os olhos dele, Xangô conduziu o julgamento. Pediu a Eleg e Oxum que contassem suas versões. Depois chamou Ifá para esclarecer sobre os búzios.
Com o coração partido, já que tinha que desmentir a versão de sua sobrinha e filha de criação, contou a todos como e porque deu o jogo ao cafião. À medida que Ifá relatava, Eleg enchia-se de razão e Oxum ia curvando-se sobre si.
- Ifá! Disse Oxalá, acredito que não agiu certo dando tão poderoso jogo a um só orixá!
- Sim, Oxalá! Eu concordo. Para corrigir isto - disse Ifá, pegando os búzios e jogando-os para o céu - determino que a partir de agora cada búzio representará um orixá no jogo. E como a princípio eu o dei a Eleg, todos que forem consultar este jogo deverão pedir permissão a ele.
Para esclarecer sobre a esfera, Odudua fez-se presente.
- Venho falar em verdade, pois presenciei o fato. Eleg, preso em sua ambição, retirou esta bola brilhante de uma aldeia, que ruiu pela falta de tal artefacto e, mesmo tendo sido alertado do que poderia acontecer, nem sequer se abalou.
Após o relato da ‘mãe natureza’ houve um burburinho entre os presentes, Eleg abaixou a cabeça e cerrou os punhos. Xangô sentou-se e Oxalá levantou-se dizendo: - Visto os fatos, concluo que: tanto um quanto outro erraram: por um lado Oxum roubou artefactos que pertenciam a um outro orixá, por outro lado, Eleg mentiu, dizendo ter tirado um pedaço de Oorum, mas de facto dizimou uma aldeia. Diante dos fatos eu decido que a esfera dourada não ficará com nenhum dos dois, mas pertencerá a ambos: o metal ficará incrustado nas rochas, aprisionando a ganância de Eleg, mas para ser tirado, precisará ser garimpado nas águas, para lavar a inveja de Oxum.
Enquanto a yabá chorava, Eleg falou irado.
- Acato o veredicto - virando-se para Oxum, praguejou - já que fui enganado e julgado por conta deste metal, todo aquele que tiver contacto com ele, assim como você, mostrará seus demónios, sendo tomado pela nossa ambição presa nele.
Ao sair do conselho, Eleg irado jurou para si que sempre perseguiria tanto Oxum quanto qualquer um que vivesse sob sua protecção (daí nasceram os epurins, filhos(as) de Oxum perseguidos por Eleg), e, como vingança, inseriu sementes negras nos frutos predilectos dela, os mamões, para que, quando ela fosse comer, sentisse sua presença e se lembrasse do mal que lhe fez.
XIV
Exu instaura o conflito entre Yemanjá, Oyá e Oxum
Um dia, foram juntas ao mercado Oyá e Oxum, esposas de Xangô, e Yemanjá, esposa de Ogum.
Exu entrou no mercado conduzindo uma cabra.
Ele viu que tudo estava em paz e decidiu plantar uma discórdia.
Aproximou-se de Yemanjá, Oyá e Oxum e disse que tinha um compromisso importante com Orunmilá.
Ele deixaria a cidade e pediu a elas que vendessem sua cabra por vinte búzios. Propôs que ficassem com a metade do lucro obtido.
Yemanjá, Oyá e Oxum concordaram e Exu partiu.
A cabra foi vendida por vinte búzios. Yemanjá, Oyá e Oxum puseram os dez búzios de Exu à parte e começaram a dividir os dez búzios que lhes cabiam. Yemanjá contou os búzios. Haviam três búzios para cada uma delas, mas sobraria um. Não era possível dividir os dez em três partes iguais. Da mesma forma Oyá e Oxum tentaram e não conseguiram dividir os búzios por igual. Aí as três começaram a discutir sobre quem ficaria com a maior parte.
Yemanjá disse: "É costume que os mais velhos fiquem com a maior porção. Portanto, eu pegarei um búzio a mais".
Oxum rejeitou a proposta de Yemanjá, afirmando que o costume era que os mais novos ficassem com a maior porção, que por isso lhe cabia.
Oyá intercedeu, dizendo que , em caso de contenda semelhante, a maior parte caberia à do meio.
As três não conseguiam resolver a discussão. Então elas chamaram um homem do mercado para dividir os búzios equitativamente entre elas. Ele pegou os búzios e colocou em três montes iguais. E sugeriu que o décimo búzio fosse dado a mais velha. Mas Oyá e Oxum, que eram a segunda mais velha e a mais nova, rejeitaram o conselho. Elas se recusaram a dar a Yemanjá a maior parte.
Pediram a outra pessoa que dividisse equitativamente os búzios. Ele os contou, mas não pôde dividi-los por igual. Propôs que a parte maior fosse dado à mais nova. Yemanjá e Oyá não concordaram.
Ainda um outro homem foi solicitado a fazer a divisão. Ele contou os búzios, fez três montes de três e pôs o búzio a mais de lado. Ele afirmou que, neste caso, o búzio extra deveria ser dado àquela que não é nem a mais velha, nem a mais nova. O búzio devia ser dado a Oyá. Mas Yemanjá e Oxum rejeitaram seu conselho. Elas se recusaram a dar o búzio extra a Oyá.
Não havia meio de resolver a divisão.
Exu voltou ao mercado para ver como estava a discussão. Ele disse: "Onde está minha parte?".
Elas deram a ele dez búzios e pediram para dividir os dez búzios delas de modo equitativo.
Exu deu três a Yemanjá, três a Oyá e três a Oxum. O décimo búzio ele segurou.
Colocou-o num buraco no chão e cobriu com terra.
Exu disse que o búzio extra era para os antepassados, conforme o costume que se seguia no Orun.
Toda vez que alguém recebe algo de bom, deve-se lembrar dos antepassados. Dá-se uma parte das colheitas, dos banquetes e dos sacrifícios aos Orixás, aos antepassados. Assim também com o dinheiro. Este é o jeito como é feito no Céu. Assim também na terra deve ser.
Quando qualquer coisa vem para alguém, este deve-se dividi-la com os antepassados. "Lembrai que não deve haver disputa pelos búzios."
Yemanjá, Oyá e Oxum reconheceram que Exu estava certo. E concordaram em aceitar três búzios cada.
Todos os que souberam do ocorrido no mercado de Oió passaram a ser mais cuidadosos com relação aos antepassados, a eles destinando sempre uma parte importante do que ganham com os frutos do trabalho e com os presentes da fortuna.
[Lenda 24 do Livro Mitologia dos Orixás ]
XV
Esú torna-se o amigo predilecto de Orunmila
Como se explica a grande amizade entre Orunmila e Exu, visto que eles são opostos em grandes aspectos ?
Orunmila, filho mais velho de Olorun, foi quem trouxe aos humanos o conhecimento do destino pelos búzios. Exu, pelo contrário, sempre se esforçou para criar mal-entendidos e rupturas, tanto aos humanos como aos Orixás. Orunmila era calmo e Exu, quente como o fogo.
Mediante o uso de conchas adivinhas, Orunmila revelava aos homens as intenções do supremo deus Olorun e os significados do destino. Orunmila aplainava os caminhos para os humanos, enquanto Exu os emboscava na estrada e fazia incertas todas as coisas. O carácter de Orunmila era o destino, o de Exu, era o acidente. Mesmo assim ficaram amigos íntimos.
Uma vez, Orunmila viajou com alguns acompanhantes. Os homens de seu séqüito não levavam nada, mas Orunmila portava uma sacola na qual guardava o tabuleiro e os Obis que usava para ler o futuro.
Mas na comitiva de Orunmila muitos tinham inveja dele e desejavam apoderar-se de sua sacola de adivinhação. Um deles mostrando-se muito gentil, ofereceu-se para carregar a sacola de Orunmila. Um outro também se dispôs à mesma tarefa e eles discutiram sobre quem deveria carregar a tal sacola.
Até que Orunmila encerrou o assunto dizendo: "Eu não estou cansado. Eu mesmo carrego a sacola".
Quando orunmila chegou em casa, reflectiu sobre o incidente e quis saber quem realmente agira como um amigo de fato. Pensou então num plano para descobrir os falsos amigos. Enviou mensagens com a notícia de que havia morrido e escondeu-se atrás da casa, onde não podia ser visto. E lá Orunmila esperou.
Depois de um tempo, um de seus acompanhantes veio expressar seu pesar. O homem lamentou o acontecido, dizendo ter sido um grande amigo de Orunmila e que muitas vezes o ajudara com dinheiro. Disse ainda que, por gratidão, Orunmila lhe teria deixado seus instrumentos de adivinhar.
A esposa de Orunmila pareceu compreende-lo, mas disse que a sacola havia desaparecido. E o homem foi embora frustrado.
Outro homem veio chorando, com artimanha pediu a mesma coisa e também foi embora desapontado. E assim, todos os que vieram fizeram o mesmo pedido. Até que Exu chegou.
Exu também lamentou profundamente a morte do suposto amigo. Mas disse que a tristeza maior seria da esposa, que não teria mais pra quem cozinhar. Ela concordou e perguntou se Orunmila não lhe devia nada. Exu disse que não. A esposa de Orunmila persistiu, perguntando se Exu não queria a parafernália de adivinhação
Exu negou outra vez. Aí Orunmila entrou na sala, dizendo: "Exu, tu és sim meu verdadeiro amigo!".
Depois disso nunca teve amigos tão íntimos, tão íntimos como Exu e Orunmila.
[ lenda 27 do Livro Mitologia dos Orixás]
XVI
Exu leva aos homens o oráculo de Ifá
Em épocas remotas os deuses passaram fome. Às vezes, por longos períodos, eles não recebiam bastante comida de seus filhos que viviam na Terra.
Os deuses cada vez mais se indispunham uns com os outros e lutavam entre si guerras assombrosas. Os descendentes dos deuses não pensavam mais neles e os deuses se perguntavam o que poderiam fazer. Como ser novamente alimentados pelos homens ? Os homens não faziam mais oferendas e os deuses tinham fome. Sem a protecção dos deuses, a desgraça tinha se abatido sobre a Terra e os homens viviam doentes, pobres, infelizes.
Um dia Exu pegou a estrada e foi em busca de solução. Exu foi até Iemanjá em busca de algo que pudesse recuperar a boa vontade dos homens. Iemanjá lhe disse: "Nada conseguirás. Xapanã já tentou afligir os homens com doenças, mas eles não vieram lhe oferecer sacrifícios".
Iemanjá disse: "Exu matará todos os homens, mas eles não lhe darão o que comer. Xangô já lançou muitos raios e já matou muitos homens, mas eles nem se preocupam com ele. Então é melhor que procures solução em outra direcção. Os homens não tem medo de morrer. Em vez de ameaçá-los com a morte, mostra a eles alguma coisa que seja tão boa que eles sintam vontade de tê-la. E que, para tanto, desejem continuar vivos".
Exu retornou o seu caminho e foi procurar Orungã.
Orungã lhe disse: "Eu sei por que vieste. Os dezasseis deuses têm fome. É preciso dar aos homens alguma coisa de que eles gostem, alguma coisa que os satisfaça.. Eu conheço algo que pode fazer isso. É uma grande coisa que é feita com dezasseis caroços de dendê. Arranja os cocos da palmeira e entenda seu significado. Assim poderás conquistar os homens".
Exu foi ao local onde havia palmeiras e conseguiu ganhar dos macacos dezasseis cocos. Exu pensou e pensou, mas não atinava no que fazer com eles. Os macacos então lhe disseram: "Exu, não sabes o que fazer com os dezasseis cocos de palmeira? Vai andando pelo mundo e em cada lugar pergunta o que significam esses cocos de palmeira. Deves ir a dezasseis lugares para saber o que significam esses cocos de palmeira. Em cada um desses lugares recolherás dezasseis odus. Recolherás dezasseis histórias, dezasseis oráculos. Cada história tem a sua sabedoria, conselhos que podem ajudar os homens. Vai juntando os odus e ao final de um ano terás aprendido o suficiente. Aprenderás dezasseis vezes dezasseis odus. Então volta para onde moram os deuses. Ensina aos homens o que terás aprendido e os homens irão cuidar de Exu de novo".
Exu fez o que lhe foi dito e retornou ao Orun, o Céu dos Orixás. Exu mostrou aos deuses os odus que havia aprendido e os deuses disseram: "Isso é muito bom".
Os deuses, então, ensinaram o novo saber aos seus descendentes, os homens. Os homens então puderam saber todos os dias os desígnios dos deuses e os acontecimentos do porvir. Quando jogavam os dezasseis cocos de dendê e interpretavam o odu que eles indicavam, sabiam da grande quantidade de mal que havia no futuro. Eles aprenderam a fazer sacrifícios aos Orixás para afastar os males que os ameaçavam. Eles recomeçavam a sacrificar animais e a cozinhar suas carnes para os deuses. Os Orixás estavam satisfeitos e felizes. Foi assim que Exu trouxe aos homens o If'á.
[Lenda 28 do livro Mitologia dos Orixás]
XVII
Eshu, o filho faminto de Orunmilá
Um dia Orunmilá foi procurar Oxalá em seu palácio.
Orunmilá e sua mulher queriam ter um filho.
Chegando ao palácio de Oxalá, Orunmilá encontrou Eshu Yangui sentado à esquerda da entrada principal. Já dentro do palácio, e diante do velho rei, Orunmilá fez seu apelo, escutando de Oxalá uma resposta negativa.
O velho rei afirmou-lhe que ainda não era tempo da chegada de um filho.
Orunmilá, insatisfeito e ao mesmo tempo curioso, perguntou a Oxalá quem era aquele menino sentado à porta do palácio e pediu ao rei, se poderia levá-lo como filho. Oxalá garantiu-lhe que não era o filho ideal de se ter, ao que Orunmilá insistiu tanto em seu pedido que obteve a graça de Oxalá.
Tempos depois nasceu Eshu, filho de Orunmilá. Para espanto dos pais, nasceu falando e comendo tudo o que estava à sua volta, acabando por devorar a própria mãe. Eshu aproximou-se de Orunmilá para também comê-lo.
Entretanto, o adivinho tinha consigo uma espada e enfurecido, partiu para matar o filho. Eshu fugiu, sendo perseguido por Orunmilá, que a cada espaço do céu alcançava-o, cortando Eshu em duzentos e um pedaços. A cada encontro, o ducentésimo primeiro pedaço transformava-se novamente em Eshu. Assim terminaram por atingir o último espaço sagrado e, como não tinham mais saída, resolveram entrar num acordo. Eshu devolveu tudo o que havia comido, inclusive sua mãe, em troca seria sempre saudado primeiro em todos os rituais.
XVIII
Porque Eshu não deve viver na Casa de Oxalá
Eshu gostava muito de dançar e para ir a uma festa fazia qualquer coisa. Um dia havia uma festa e ele não podia ir porque não tinha dinheiro. Fez todos os esforços possíveis até que, como última alternativa, chegou a casa de Oxalá e prometeu limpar-lhe a casa todos os dias se ele o livrasse de um grande apuro que tinha. Oxalá aceitou e pagou-lhe adiantado, pelo que Eshu pode ir à festa nessa noite. Esteve muito contente e divertiu-se muitíssimo, estando tão cansado no outro dia que lhe custou fazer o trabalho a Oxalá como tinham combinado. A limpeza foi feita de má vontade, nesse e em todos os outros dias.
Enquanto isto sucedia, Oxalá ficou doente repentinamente, a tal ponto que teve que consultar Orunmilá. Nesta consulta saiu que na sua casa havia alguém que não era dali e que era necessário que se fosse embora. Que apenas esse alguém saísse de sua casa, ele melhoraria de saúde, e também lhe foi dito que aquele que estava em sua casa se sentia preso e que essa era a razão da sua enfermidade. Oxalá recordou-se do rapaz que tinha na sua casa para a limpeza, mas não o despediu de imediato, e, quando houve outra festa na povoação disse-lhe: "Toma este dinheiro e vai à festa. Já não me deves nada, mas não me abandones e visita-me quando quiseres". Eshu foi-se embora muito contente e desde esse momento Oxalá começou a melhorar e curou-se da doença que tinha.
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