segunda-feira, 7 de janeiro de 2008

Lendas de Oxalufã

I

Oxalufã ( a versão velha de Oxalá ) era um rei muito idoso que andava com dificuldade, apoiado em seu cajado, o opaxorô. Um dia, sentindo saudades do filho Xangô, resolveu visitá-lo. Como era costume na terra dos orixás, consultou um babalaô para saber como seria a viagem. Este recomendou que não viajasse. Mas, como o orixá teimasse em ver o filho, foi instruído a levar três roupas brancas e limo da costa ( pasta extraída do caroço de dendê) e fazer tudo o que lhe pedissem.

Com essas precauções, o orixá partiu e, no meio do caminho, encontrou Exu Elepô, dono do azeite-de-dendê, sentado a beira da estrada, com um pote ao lado. Com boas maneiras, ele pediu a Oxalufã que o ajudasse a colocar o pote nos ombros. O velho orixá, lembrando as palavras do babalaô, resolveu auxiliá-lo; mas Exu Elepô, que adora brincar. Derramou todo o dendê sobre Oxalufã.

O orixá manteve a calma, limpou-se no rio com um pouco do limo, vestiu outra roupa e seguiu viagem. Mais adiante encontrou Exu Onidu, dono do carvão, e Exu Aladi, dono do óleo do caroço de dendê. Por duas vezes mais foi vitima dos brincalhões e procedeu como da primeira vez, limpando-se e vestindo roupas limpas, continuando sua caminhada rumo ao reino de Xangô.

Ao se aproximar das terras do filho, avistou um cavalo que conhecia muito bem, pois presenteara Xangô com o animal tempos atras. Resolveu amarrá-lo para levá-lo de volta, mas foi mal interpretado pelos soldados, que julgaram-no um ladrão. Sem permitir explicações, eles espancaram o velho ate quebrar seus ossos e o arrastaram para a prisão. Usando seus poderes, Oxalá fez com que não chovesse mais desse dia em diante; as colheitas foram prejudicadas e as mulheres ficaram estéreis.

Preocupado com isso, Xangô consultou seu babalaô e este afirmou que os problemas se relacionavam a uma injustiça cometida sete anos antes, pois um dos presos fora acusado de roubo injustamente. O orixá dirigiu-se a prisão e reconheceu o pai. Envergonhado, ordenou que trouxessem água para limpá-lo e, a partir desse dia, exigiu que todos no reino se vestissem de branco em sinal de respeito ao pai, como forma de reparar a ofensa cometida. É por isso que em todos os terreiros do Brasil comemora-se as Águas de Oxalá, cerimonia na qual todos os participantes vestem-se de branco e limpam seus apetrechos com profunda humildade para atrair a boa sorte para o ano todo.

II

LENDA DE OXALUFAN (A CRIAÇÃO DA TERRA)

Olorun, Deus supremo, criou um ser, a partir do ar (que havia no início dos tempos) e das primeiras águas. Esse ser encantado, que era todo branco e muito poderoso, foi chamado Oxalá. Logo em seguida, criou um outro orixá que possuía o mesmo poder do primeiro, dando-lhe o nome de Nanan. Os dois nasceram da vontade de Olorun de criar o universo.

Oxalá passou a representar a essência masculina de todos os seres, tornando-se o lado direito de Olorun. Nanan, por sua vez, teria a essência feminina, e representaria o lado esquerdo. Outros orixás também foram criados, formando-se um verdadeiro exército a serviço de Olorun, cada um com uma função determinada para executar os planos divinos.

Exú foi o terceiro elemento criado, para ser o elo de ligação entre todos os orixás, e deles com Olorun. Tornou-se costume prestar-lhe homenagens antes de qualquer outro, pois é ele quem leva as mensagens e carrega os ebós.

Olorun confiou à Oxalá a missão de criar a Terra, investindo-o de toda a sabedoria e poderes necessários para o sucesso dessa importante tarefa. Deu a ele uma cabaça contendo todo axé que seria utilizado.

Oxalá, orgulhoso por ter recebido tamanha honraria, achou desnecessário fazer as oferendas a Exú.

Exú, vendo que Oxalá partira sem lhe fazer as oferendas, previu que a missão não seria cumprida, pois, mesmo com a cabaça e toda a força do mundo, sem a sua ajuda não conseguiria chegar ao local indicado por Olorun.

A caminhada era longa e difícil, e Oxalá começou a sentir sede, mas, devido à importância de sua missão, não podia se dar ao luxo de parar para beber água. Não aceitou nada do que lhe foi oferecido, nem mesmo quando passou perto de um rio interrompeu a sua jornada. Mais à frente, encontrou uma aldeia, onde lhe ofereceram leite de cabra para saciar sua sede, que também foi recusado.

Todos os caminhos pareciam iguais e, depois de andar por muito tempo, sentiu-se perdido. De repente, ele avistou uma palmeira muito frondosa, logo à sua frente, Oxalá, já delirando de tanta sede, atingiu o tronco da palmeira com seu cajado, sorvendo todo o líquido que saía de suas entranhas (era vinho de palma). Embriagado pela bebida, desmaiou ali mesmo, ficando desacordado por muito tempo.

Exú avisou Nanan que Oxalá não havia feito as oferendas propiciatórias, por isso não terminaria sua tarefa. Ela, agindo por contra própria, resolveu consultar um babalawô para realizar devidamente as oferendas. O sacerdote enumerou uma série de coisas que ela deveria oferecer, entre elas um camaleão, uma pomba, uma galinha com cinco dedos e uma corrente com nove elos. Exú aceitou tudo, mas só ficou com a corrente, devolvendo o restante à Nanan, pois ela iria precisar mais tarde. Outros sacrifícios foram realizados, até que Olorun a chamou para procurar Oxalá, que havia esquecido o saco da criação com o qual criaria a Terra. Nanan, após terminar suas oferendas, foi atrás de Oxalá, encontrando-o desacordado próximo ao local onde deveria chegar.

Ao saber que Oxalá havia falhado em sua missão, Olorun ordenou que a própria Nanan prosseguisse naquela tarefa com a ajuda de todos os orixás. E assim foi feito. Nanan pegou o saco da criação e o entregou à pomba, para que voasse em círculo. A galinha com cinco dedos foi solta, para espalhar aquela imensa quantidade de terra, e, finalmente, o camaleão arrastou-se vagarosamente, para compactá-la e torná-la firme.

Quando Oxalá acordou, viu que a Terra já havia sido criada, e não o fora por ele. Desesperado, correu até Olorun, que o advertiu duramente por não ter reverenciado Exú antes de partir, julgando-se superior a ele. Oxalá, arrependido, implorou perdão. Olorun, sempre magnânimo, deu-lhe uma nova e importantíssima tarefa, que seria a de criar todos os seres que habitariam a Terra. Desta vez ele não poderia falhar!

Usando a mesma lama que criou a Terra, Oxalá modelou todos os seres, e, insuflando-lhes seu hálito sagrado, deu-lhes a vida.

Desta forma, Nanan e Oxalá desempenharam tarefas igualmente importantes, juntamente com a valiosa ajuda de todos os orixás, que possibilitaram o surgimento deste novo e maravilho mundo em que vivemos.

III

Muito tempo depois que Oduduwa chegou em Ilê Ifé e começaram a adorar o culto das Águas de Oxalá, aconteceu que, logo no primeiro ano, quando estava perto das festas Oxalá escolheu uma senhora das mais velhas do terreiro, chamada Omon Oxum, para tomar conta de todo, ou melhor, de tôda sua roupa, adornos e apetrechos, depositando com tôda benevolência nas mãos dela aquele direito especial para tomar conta de tudo que lhe pertencesse, da coroa ao sapato. Omon Oxum por nunca ter tido nenhum filho, criava uma menina. Dessa data em diante ela e a menina ficaram sendo odiadas por algumas pessoas que faziam parte nesse terreiro e que por inveja de Omon Oxum começaram a tramar novidades, procurando um meio qualquer para fazer Oxalá se zangar com ela e tomar o "axé" entregue por Oxalá. Fizeram coisas que Deus duvida contra Omon Oxum porém nada surtia efeito. Cada vez mais Oxalá ia aumentando a amizade e dedicação para Omon Oxum. Ela era muito devotada ao cumprimento das suas obrigações e não dava margem alguma para ser por ele repreendida.

Como dizem que a água dá na pedra até que fura, aconteceu que, na véspera do dia da festa, as invejosas, já desiludidas por poderem fazer o que desejavam, de passagem pela casa de Omon Oxum se depararam com a coroa de Oxalá que ela tinha areado e colocado no sol para secar. Quando elas viram a coroa de Oxalá muito bonita e mais reluzente do que nunca, combinaram roubar a coroa e ir jogar no fundo do mar. E assim fizeram.

Quando Omon Oxum foi apanhar a coroa para guardar, não encontrou. Ficou doida. Procura daqui procura dali, remexeram com tudo procurando em todos os cantos da casa e nada da coroa aparecer. As invejosas vendo a aflição que estava passando Omon Oxum e sua filhinha, satisfeitas pelo mal que tinham causado, riam imenso dizendo: agora sim quero ver como ela vai se arranjar com Oxalá amanhã quando ele procurar a coroa e não encontrar. A essa altura Omon Oxum completamente azurantada só pensava em se matar e já estava resolvida a fazer isso para não passar vergonha perante Oxalá. Foi quando a menina, sua filha de criação disse: - Mamãe, porque a senhora não vai na feira amanhã de manhã bem cedinho e não compra o peixe mais bonito que tiver lá? A coroa de Oxalá deve estar na barriga desse peixe. E assim a menina insistiu, insistiu tanto, até que Omon Oxum se decidiu a aceitar o que a menina aconselhou, dizendo:- Fique tranquila minha filha, porque de madrugada eu vou acordar para ir à feira ver se encontro com esse peixe que você imagina ter a coroa do nosso Rei Oxalá na barriga.

A menina foi dormir tranquila. Omon Oxum coitada, não pôde dormir toda a noite preocupada que já amanhecesse o dia para ela ir a feira ver se conseguia encontrar o dito peixe que a menina julgava ter a coroa na barriga.

Quando o dia mal tinha clareado, Omon Oxum pulou da cama, se preparou e lá se foi. Quando ela chegou na feira foi directamente no mercado de peixe e não encontrou nenhuma escama. Ainda era muito cedo. Omon Oxum deu uma volta pela feira e já bastante impaciente voltou ao mercado onde encontrou um senhor vendendo um peixe, cujo peixe, era o único que se encontrava no mercado. Omon Oxum comprou o peixe e foi voando para casa a fim de abri-lo. Queria ver se sua filha tinha aconselhado bem, para ela poder obter a paz e tranquilidade espiritual, encontrando a coroa de Oxalá. Assim que ela chegou em casa foi logo para a cozinha para abrir a barriga do peixe. Porém não conseguiu. Quando ela estava aí se acabando de chorar e labutando para abrir a barriga do peixe, a menina acordou e foi logo perguntando: - Mamãe já comprou o peixe? A senhora deixa que eu abra a barriga dele? - Omon Oxum bastante chorosa respondeu:- Minha filha a barriga dele está muito dura. Eu não posso abrir quanto mais você.

A menina se levantou, chegou na cozinha, apanhou um cacumbú e puxou rasgando a barriga do peixe, esta se abriu em bandas deixando aparecer a coroa de Oxalá ainda mais bonita do que era antes. Omon Oxum se abraçou com a menina e de tanto contentamento não sabia o que fazer com ela. Carregava, beijava, dançava, e por fim Omon Oxum olhando para a menina e em seguida voltando as vistas para o céu, disse: - Olorun, Deus que lhe abençoe. Sua mãezinha está sendo perseguida, porém com a fé que tem no seu Eledá, anjo da guarda, não há-de ser vencida. Limparam muito bem limpa, a coroa, e guardaram, muito bem guardada, juntamente com o resto das coisas pertencentes a Oxalá. Em seguida Omon Oxum cozinhou o peixe, fez um grande almoço e convidou a todos da casa para almoçar com ela dizendo que estava festejando o dia da festa do Pai Oxalá.

Ao meio dia Omon Oxum juntamente com sua filha serviram o almoço acompanhado de Aluá ou Aruá. Depois do almoço todos foram descansar para na hora determinada dar começo à festa das Águas de Oxalá.

As invejosas quando viram todo aquele movimento, Omon Oxum muito alegre como se nada tivesse acontecido a ponto de dar até um banquete em homenagem a Festa de Oxalá, ficaram malucas. Uma delas perguntou:- Será que ela encontrou a coroa? - Outra respondeu:- Eu bem disse que queimasse. - E a outra mais danada ainda dizia:- Eu disse a vocês que o melhor era cavar um buraco bem fundo e enterrar. - A primeira procurando acalmar os ânimos, disse para a outra:- Vamos esperar até a hora que ela apresentar as roupas de Oxalá com todos os armamentos. Se a coroa estiver no meio o jeito que temos é fazer um grande ebó e colocar na cadeira onde ela vai se sentar ao lado de Oxalá. - O ebó, sacrifício, pode ser empregado para o bem ou para o mal.

Quando estava perto da hora de começar a festa, Omon Oxum apresentou a Oxalá toda a roupa com todos os armamentos deixando as invejosas mais danadas e com mais desejo de vingança, a ponto de procurarem fazer o ebó por elas idealizado e colocar na cadeira onde Omon Oxum era obrigada a sentar-se por ordem de Oxalá.

Começou a festa com a maior alegria possível. Oxalá chegou acompanhado por Omon Oxum e se sentou no trono. Omon Oxum sem saber do que estava sendo feito contra ela, também se sentou na sua cadeira ao lado de Oxalá. Quando começaram as cerimónias e que Oxalá precisou de colocar a sua coroa, virou-se para Omon Oxum e pediu para ela ir apanhar a coroa. Omon Oxum quis levantar-se e não pôde. Fez força para um lado, para o outro, e nada de poder levantar-se, até quando ela decidiu levantar-se de qualquer maneira. Devido a grande dor que sentiu, olhou para a cadeira e viu que estava toda suja de sangue. Alucinada de dor, e horrorizada por saber que Oxalá de forma nenhuma podia ter nada de vermelho perto dele porque era ewó, proibição, saiu esbaforida pela porta afora, indo se esbarrar na casa de Exú.

Quando Exú abriu a porta que viu Omon Oxum toda suja de vermelho, disse:- Você vindo desse jeito da casa de meu pai? Infringiu o regulamento e eu não posso lhe abrigar,- e fechou a porta.

Daí ela foi para a casa de Ogun, Oxossi, de todos Orixás e sempre diziam a mesma coisa que disse Exú. Só restava a casa de Oxum. Quando Omon Oxum chegou a casa de Oxum, esta já tinha sabido do que estava acontecendo e estava a sua espera. Omon Oxum se jogando nos pés dela disse:- Minha mãe me valha, estou perdida. Oxalá não vai me querer mais em sua casa.

Oxum disse para ela que não se preocupasse, que um dia Oxalá ia buscá-la de volta. Depois Oxum, usando de sua magia, fez com que, do lugar onde sangrava em Omon Oxum saísse Ekodide, pena vermelha de papagaio da costa, até quando sare a ferida. Oxum, depois de colocar todo aquêle Ekodidé numa grande igbá, cuia, reuniu todo seu pessoal e todas as noites faziam um xirê, festa, cantando assim:

BI O TA LADÊ

BI O TA LADÊ

IRÚ MALÉ

IYA OMIN TA LADÊ

OTO RU ÉFAN KOBÁJA OBIRIN

IYA OMIN TA LADÊ

E assim Oxum ricamente vestida, sentada no seu trono, com Omon Oxum ao seu lado, a cuia de Ekodidés e a vasilha para colocarem dinheiro em frente a elas, recebia as visitas de todos os Orixás que iam até lá para ver e saber porque Oxum estava fazendo aquela festa todas as noites. Todos que lá chegavam e se inteiravam do acontecimento, se era homem dava dodóbálé, se estirava de peito no chão para Oxum, depois apanhava um Ekodidé e colocava uma certa quantia na vasilha que estava ao lado para ser colocado o dinheiro, e se era mulher dava iká, quer dizer, se deitava no chão de um lado e do outro para Oxum e em seguida apanhava um Ekodidé e colocava também o dinheiro na referida vasilha.

Tudo aquilo que estava acontecendo no palácio de Oxum, ficou sendo muito propalado e as invejosas faziam todo possível para que Oxalá não soubesse. Um dia, elas, sem observarem que Oxalá estava por perto, começaram a comentar o caso, onde uma delas disse:- Com ela não tem quem possa, depois de tudo o que nós fizemos, depois de ter acontecido o que aconteceu aqui no palácio de Oxalá e de ter sido enjeitada por todos Orixás, vocês não estão vendo que Oxum abrigou ela? Curou, conseguindo que do lugar que sangrava saísse Ekodidé, fazendo uma grande fortuna e aumentando a sua riqueza. Agora só nos resta é fazer com que o velho não saiba do que está acontecendo no palácio de Oxum, se não é bem capaz de querer ir até lá.

Nisso o velho Oxalá pigarreou dando a entender que tinha ouvido toda a conversação. Ordenou a elas que procurassem saber a hora que começava o xirê no palácio de Oxum e que elas iam servir de companhia para ele poder ir apreciar o xirê e tomar conhecimento do que estava acontecendo.

Quando elas ouviram Oxalá falar desta maneira bem pertinho delas a terra lhe faltaram nos pés e o remorso montou nos seus cangotes fazendo com que elas fugissem para nunca mais voltar ao palácio de Oxalá.

À noite, depois do jantar, Oxalá cansado de esperar pelas três invejosas e não vendo nenhuma delas aparecer, disse:- Fugiram com medo de que eu castigasse pela grande injustiça que cometeram, não sabendo de que o castigo será dado pelas mesmas.

Assim Oxalá se dirigiu para o palácio de Oxum afim de assistir o xirê e saber qual a causa do mesmo. Quando Oxalá chegou no palácio de Oxum mandou anunciar a sua chegada. Oxum mais bonita do que nunca, coberta de ouro e muitas jóias dos pés a cabeça, sentada no seu rico trono, mandou que Oxalá entrasse, e continuou o xirê cantando: BI O TA LADÊ, BI O TA LADÊ, IRÚ MALÊ, IYA OMIN TA LADÊ.

Quando Oxalá entrou ficou abismado de ver tanta riqueza e quando reparou bem para Oxum, que viu a seu lado Omon Oxum, a pessoa que cuidava dele e de todas suas coisas, a quem ele julgava ter perdido devido ao que tinha acontecido, não se conteve, se jogou também no chão dando dodóbálé para Oxum, apanhando um Ekodidé e colocando bastante dinheiro na vasilha. Oxum quando viu o velho dar dodóbálé para ela, se levantou cantando:

DÓDÓ FIN DODÓBÁLÉ

KÓ BINRIN

IYA OMIN TA LADÊ

e foi ajudar a Oxalá se levantar do chão. Depois que Oxalá se levantou Oxum pegou Omon Oxum pela mão e entregou à Oxalá dizendo:- Aqui está a vossa zeladora, sã e salva de todo mal que desejaram e fizeram para ela para que ela ficasse odiada por vós. Oxalá agradecendo a Oxum disse:- Oxum, em agradecimento a tudo o que fizestes de bem e para amenizar os sofrimentos de Omon Oxum eu, Oxalá, prometo levar ela de volta para o meu palácio e de hoje em diante nunca hei de me separar desta pena vermelha que é o Ekodidé e que será o único sinal desta cor que carregarei sobre o meu corpo.

BAHIA, 5 DE SETEMBRO, 1966

DEOSCOREDES M DOS SANTOS

BAHIA, 16 DE NOVEMBRO, 1966

LENIO BRAGA

IV

Oxalá era marido de Nanã, senhora do portal da vida e da morte. E por determinação dela, somente os seres femininos tinham acesso ao portal, não permitindo aproximação de seres masculinos em hipótese alguma. Determinação que servia também para Oxalá, que com o passar do tempo não se conformava com esta decisão, não só por ser marido de Nanã, como por sua própria importância no panteão dos orixás. Assim pensou até que encontrou uma forma de burlar as determinações de sua esposa. Não fugindo de sua cor branca, vestiu-se de mulher, colocou o adê (coroa) com os chorões no rosto, próprio das yabás e aproximou-se no portal satisfazendo enfim sua curiosidade. Foi pego, porém, por Nanã no exacto momento em que via o outro lado da dimensão. Nanã aproximou-se e determinou:

- "Já que tu, meu marido, vestiste-te de mulher para desvendar um segredo tão importante, vou compartilhá-lo contigo. Terás, então, a incumbência de ser o princípio do fim, aquele que tocará o cajado três vezes ao solo para determinar o fim de um ser. Porém, jamais conseguirás te desfazer das vestes femininas e, daqui para frente terás todas as oferendas fêmeas!".

E Oxalá passou a comer não mais como os demais santos aborós (homens), mas sim cabras e galinhas como as yabás. E jamais se desfez das vestes de mulher. Em compensação, transformou-se no senhor do princípio da morte e conheceu todos os seus segredos.

V

outra versão da criação do Àiyé:

"...Olórun chama Òsàálá, pois pensa em criar pensar em criar a Terra, encarregando – o de suas obrigações: como material, recebeu uma concha com terra, uma galinha com cinco dedos em cada pé e um pombo. Descendo para o local indicado. Òsàálá jogou a terra num local adequado na imensidão das águas; soltando a galinha e o pombo, imediatamente eles começaram seu trabalho de espalhar a terra. Quando cobriram o suficiente, Òsàálá voltou e informou a Olórun que o trabalho havia sito efectuado Olórun enviou AGEMO, ( camaleão), para inspeccionar o que havia sido feito. Da primeira vez, o camaleão trouxe a informação de que a terra ainda não estava suficientemente seca para as tarefas posteriores. Da Segunda vez, ele comunicou que tudo estava a contento.

O local sagrado onde o trabalho teve início foi chamado de Ifè ("Aquilo que é amplo"). De acordo com a tradição, foi assim que Ifè, a Cidade Sagrada do Povo Yorubá, conseguiu o seu nome.

Em seguida, Olódùmarè enviou Òsàálá de volta para equipar a Terra. Designou para acompanhá-lo Òrúnmìlá como seu conselheiro.

Olódùmarè deu o primeiro IGI ÒPE (DENDEZEIRO) para ele plantar; seu suco dá uma bebida chamada Emu; de sua semente extraem–se dois tipos de óleo – Epo Pupa e Adín, que são comestíveis; a folha IMÒ ÒPE é utilizada para diversas finalidades.

Deu também outras árvores que produziam muita seiva: Iré, Awùn e Dòdo, para serem plantadas e reproduzidas.

A galinha e o pombo originais, que haviam sido usados para espalhar a terra, deveriam agora se multiplicar, para fornecer alimento aos habitantes da Terra. O camaleão, é descrito como mensageiro de Olódùmarè . Foi o escolhido para a missão, pôr ser digno da tarefa. Tornou–se digno de respeito e merecedor de culto entre os yorubá.

Quando todos os atributos da Terra estavam devidamente instalados,Òsàálá convocou um dos seres primordiais, chamado Orelúéré, para trazer os demais seres para baixo, constituindo–se todos no núcleo da ocupação – humana na terra.

Òsàálá foi designado para um outro trabalho. Foi feito criador das características físicas humanas para o futuro. Com água e barro primordial tornou–se – Alámò Rere(divindade escultora) . Olódùmarè assopra o – Èmí – completando assim a criação do ser humano.

A função criadora de Òsàálá deu–lhe prerrogativa de determinar a aparência humana perfeita ou defeituosa e a cor que ele desejasse – Alábàáláse, aquele que tem o poder de sugerir e realizar com autonomia, e Àjálá é quem molda o orí..."

VI

Naquele tempo, a Terra havia sido criada e sua extensão ainda era muito pequena, estando a maioria do globo, coberta pelas águas do oceano.

Olofin ordenou que os orishas, viessem habitar sobre a pequena faixa de terra firme então existente, para ali estabelecerem o ambiente necessário, para o surgimento da vida humana.

Todos foram consultar Orunmilá e na consulta, surgiu a figura de Ejiogbe (Ejionile), sendo determinado um sacrifício, que todos os Orishas deveriam oferecer, para que suas missões fossem coroadas de sucesso.

Como o ebó determinado fosse muito despendioso, todos, com excepção de Orishala, negligenciaram-se a fazê-lo e assim, rumaram para a terra recém criada.

Como Orishala oferecera o seu sacrifício, foi o primeiro a chegar, já que Eshú lhe indicara o caminho mais curto e sem qualquer obstáculo. Aos outros, Eshú criou todos os tipos de dificuldades e desta forma, ao chegarem a terra, encontraram Orishala já estabelecido.

Durante o tempo em que Orishala permaneceu sozinho sobre a terra, teve que fazer, com suas próprias mãos, todo tipo de serviço pesado, como cortar e carregar lenha para a construção de seu palácio, o que lhe provocou uma deformação nas costas, passando, a partir de então, a caminhar apoiado num cajado.

Um a um, os Orishas foram chegando e todas as terras já estava cercadas e plantadas, sendo Orishala seu legítimo dono.

Sem ter onde ficar e estabelecer seus reinos, reuniram-se em assembleia, para deliberarem de que maneira iria proceder, para que pudessem cumprir suas missões e a esta reunião, Orishala também compareceu.

"Que desejam, agora que realizei todo o trabalho pesado? "Perguntou o poderoso Funfun. "Só lhes resta habitarem as profundezas de Okun (*), já que ao chegarem, encontraram toda a terra trabalhada por mim!"

Diante da posição do Orishala, os demais Orishas prostraram-se diante dele e com os rostos encostados no solo, suplicaram que lhes desse um pedaço de terra firme, para que pudessem realizar seus trabalhos e que ficasse ele mesmo com os mares e toda a riqueza neles contidas.

Orishalá então, nomeou Olokun, seu filho mais velho, para reinar sobre os Oceanos, enquanto ele reinava sobre todo o planeta, concordando em distribuir, entre todos os Orishas, um sector da natureza, para que ali pudessem estabelecer os seus reinados, sempre prestando obediências a ele, coroado e aclamado por todos, como o rei dos reis.

A partir de então, por ter feito o ebó determinado, Orishalá passou a ser o mais importante dentre todos os Orishas, seus reinos se expandiram, na medida em que as águas do mar iam deixando mais e mais terras habitáveis e os demais Orishas puderam cumprir suas missões, governando os elementos e as diversas manifestações da natureza.

VII

Orishala por adquirir o costume de embriagar-se, caiu em desgraça diante de Olofin que, como castigo, impôs-lhe o descrédito e o desrespeito dos homens.

Por onde passasse, era apontado como ébrio e irresponsável e as mesmas pessoas que antes lhe prestavam reverências, agora viraram-lhe as costas e riam de sua presença de forma irreverente e zombeteira.

Cansado de tanta humilhação, o Orishá resolveu buscar auxílio no oráculo de Ifá e na consulta surgiu Ofun Meji que além do sacrifício de praxe, proibiu que voltasse a se aproximar de emu.

O sacrifício exigido era composto de uma ovelha, duas galinhas, um eleke de contas brancas, panos brancos e dezasseis penas de ekodide.

Depois de oferecidos os bichos a Elegbara, Orishalá teve que envolver-se em panos brancos e arrumar as dezasseis penas ao redor de sua cabeça. Isto foi feito antes do nascer do Sol e o orishá foi então, com o eleke no pescoço, colocar-se no alto da montanha que ficava na entrada da cidade.

Na alvorada, os raios do Sol nascente surgiram por trás de Orishalá e passando entre as penas causaram a impressão de que labaredas de fogo saiam de sua cabeça. Apavorados diante de tal visão, os moradores da cidade lançaram-se ao chão gritando aterrorizados "Epa Baba!" E todos mantinham os rostos colados sobre o solo.

Foi então que o poderoso orishá, livrando-se do vício da bebida pode recuperar o prestígio entre os homens e as graças de Olofin.

Por este motivo, os filhos de Orishalá têm o emu como uma das suas principais interdições, não devendo sequer permanecer onde o mesmo esteja sendo consumido por seres humanos.

VIII

Olorun criou Obatalá, Olokum, Odudua e Orumilá. Depois deu a Obatalá (o Oxalá original) a tarefa de criar o mundo, entregando-lhe uma sacola com um pó mágico. Mas Obatalá, instigado por Orumilá, que estava zangado por ele não ter cumprido os rituais antes de partir, bebeu muito vinho de palma e adormeceu. Então, seu irmão e rival Odudua roubou a sacola e usou o pó para criar o mundo antes de Obatalá acordar. Obatalá foi castigado com a proibição de usar produtos do dendezeiro e bebidas alcoólicas; mas, como consolação, recebeu uma argila para modelar os humanos. Mas, como não levou a sério a proibição, continuou bebendo e, nos dias em que se excedia, fazia as pessoas tortas ou mal cozidas. É por isso que os deformados e os albinos são filhos de Oxalá.

IX

Iemanjá, a filha de Olokum, foi escolhida por Olorum para ser a mãe dos Orixás. Como ela era muito bonita, todos a queriam para esposa; então, o pai foi perguntar a Orumilá com quem ela deveria casar. Orumilá mandou que ele entregasse um cajado de madeira a cada pretendente; depois, eles deveriam passar a noite dormindo sobre uma pedra, segurando o cajado para que ninguém pudesse pegá-lo. Na manhã seguinte, o homem cujo cajado estivesse florido seria o escolhido por Orumilá para marido de Iemanjá. Os candidatos assim fizeram; no dia seguinte, o cajado de Oxalá estava coberto de flores brancas, e assim ele se tornou pai dos Orixás.

X

Certa vez, quando os Orixás estavam reunidos, Oxalá deu um tapa em Exu e o jogou no chão todo machucado; mas no mesmo instante Exu se levantou, já curado. Então Oxalá bateu em sua cabeça e Exu ficou anão; mas se sacudiu e voltou ao normal. Depois Oxalá sacudiu a cabeça de Exu e ela ficou enorme; mas Exu esfregou a cabeça com as mãos e ela ficou normal. A luta continuou, até que Exu tirou da própria cabeça uma cabacinha; dela saiu uma fumaça branca que tirou as cores de Oxalá. Oxalá se esfregou, como Exu fizera, mas não voltou ao normal; então, tirou da cabeça o próprio axé e soprou-o sobre Exu, que ficou dócil e lhe entregou a cabaça, que Oxalá usa para fazer os brancos.

XI

Oxalá rejeita o conselho de Ifá

Oxalá foi consultar os adivinhos para saber como conduzir melhor sua vida. Os velhos aconselharam-no a oferecer aos outros deuses uma cabaça grande cheia de sal e um pedaço de pano, para não passar vergonha na terra. Oxalá como era muito teimoso, deu de ombros aos conselhos e foi dormir sem cumprir o recomendado. Durante a noite, Exu entrou em sua casa trazendo uma cabaça cheia de sal, amarrando-a às costas de Oxalá, que jazia em profundo sono.

Na manhã seguinte, Oxalá despertou corcunda e desde então tornou-se o protector dos corcundas, albinos, aleijados e lhe foi proibido o consumo de sal.

XII

ITAN TI ÒRISÀ NLÁ - OBÀTÁLÁ

No começo de tudo, quando Obatalá criou a Terra e todos os seus atributos, ele fez a distribuição de todas as partes para todo o povo, cabendo a ele a região mais árida e coberta de pedras. Ali, em Abéòkuta, ergue a sua fazenda cujo terreno era mais rochedo do que solo fértil para a plantação. Apesar de tudo em contrário, as terras de Obatalá eram as que mais produziam colheitas de todos os tipos. Chovesse ou não, a produção da colheita era superior às demais.

Esta situação causou um descontentamento entre os demais habitantes, que passaram a invejá-lo e cobiçar suas terras. Esqueciam quem era Obatalá e o que ele havia feito por todos. Passaram a observar os passos de Obatalá e tomaram conhecimento de que ele estava interessado em contratar um escravo. E isso foi feito. Seu nome era Àtowódá, que desde o princípio demonstrou ser muito eficiente, dando muita satisfação a Obatalá. Após algum tempo o escravo pediu a Obatalá um pedaço de terra para seu cultivo. De bom grado lhe foi dado o que pedia. Em poucos dias, Àtowódá transformou a terra em boa área de cultivo, construindo ali uma pequena cabana. Isso impressionou Obatalá, que depositou nele toda a sua confiança.

Ocorre que Àtowódá não tinha bons propósitos. Seu desejo real era matar Obatalá. E assim, arquitetou um plano. Observou que, no caminho íngreme que levava até a sua cabana, havia muitas pedras grandes que poderiam facilmente ser empurradas, causando seu rolamento montanha abaixo para esmagar Obatalá.

Alguns dias mais tarde, Obatalá seguia sua caminhada habitual em visita às suas terras. Do topo da montanha, Àtowódá observava. A habitual roupa branca de Obatalá destacava-se do fundo verde de suas plantações. Quando Àtowódá estava certo de que não haveria saída para Obatalá, subitamente deu um empurrão na maior das pedras. A pedra começou a rolar e se dirigiu com toda velocidade para onde estava Obatalá, o qual, paralisado pela surpresa, não pôde escapar. Foi atingido em cheio e seu corpo partiu-se em muitos pedaços, ficando espalhado por toda parte.

A notícia correu. Obatalá havia sido destruído por homens invejosos. Exú foi um dos que recebeu a notícia. Seguiu rápido para Abéòkuta para verificar o ocorrido. Seguiu depois para o òrun, relatando a tragédia a Olódùmarè, que designou Òrúnmìlà para encontrar as partes do corpo de Obatalá e trazê-las de volta. Òrúnmìlà seguiu para o local imediatamente. Após um certo tempo a lamentar o fato, executou um ritual que tornou possível achar todos os pedaços espalhados do corpo. Ele os recolheu num grande igbá e levou a Ìrànje, antiga cidade de Obatalá, onde depositou uma porção dos pedaços que possibilitou fazê-lo renascer no òrun. O restante espalhou "por todo o mundo", fazendo com que fossem surgindo novas divindades, então denominadas ÒRÌSÀ, que sintetiza a contracção da frase Ohun tí a ri sà - "O que foi achado e juntado", alusiva ao fato do recolhimento dos pedaços do corpo de Obatalá.

Como outras divindades surgidas do corpo de Obatalá passaram a ter seus nomes derivados dele, tornou-se então necessário destacar seu nome como Òrìsà nlá - O grande Orixá - que representa aí a soma de todos os orixás juntos.

XIII

Porque Eshu não deve viver na Casa de Oxalá

Eshu gostava muito de dançar e para ir a uma festa fazia qualquer coisa. Um dia havia uma festa e ele não podia ir porque não tinha dinheiro. Fez todos os esforços possíveis até que, como última alternativa, chegou a casa de Oxalá e prometeu limpar-lhe a casa todos os dias se ele o livrasse de um grande apuro que tinha. Oxalá aceitou e pagou-lhe adiantado, pelo que Eshu pode ir à festa nessa noite. Esteve muito contente e divertiu-se muitíssimo, estando tão cansado no outro dia que lhe custou fazer o trabalho a Oxalá como tinham combinado. A limpeza foi feita de má vontade, nesse e em todos os outros dias.

Enquanto isto sucedia, Oxalá ficou doente repentinamente, a tal ponto que teve que consultar Orunmilá. Nesta consulta saiu que na sua casa havia alguém que não era dali e que era necessário que se fosse embora. Que apenas esse alguém saísse de sua casa, ele melhoraria de saúde, e também lhe foi dito que aquele que estava em sua casa se sentia preso e que essa era a razão da sua enfermidade. Oxalá recordou-se do rapaz que tinha na sua casa para a limpeza, mas não o despediu de imediato, e, quando houve outra festa na povoação disse-lhe: "Toma este dinheiro e vai à festa. Já não me deves nada, mas não me abandones e visita-me quando quiseres". Eshu foi-se embora muito contente e desde esse momento Oxalá começou a melhorar e curou-se da doença que tinha.

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